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FARC-Colômbia: a ferida dos mediadores

15 de junho de 2007: Raúl Reyes, Jean Pierre Gontard e Noel Saez analisan modalidades para a libertação de reféns. Collection de l'auteur

No momento da libertação de Ingrid Betancourt e de outros 14 reféns das mãos das FARC, Bogotá descartou a mediação dos enviados da Suíça e da França, desqualificou o trabalho que fizeram a abriu um inquérito com o suíço Jean-Pierre Gontard.

“Não merecemos que nos tratem dessa maneira”, afirma à swissinfo o emissário francês Noël Saez, que acaba de publicar o livro “O Emissário”.

No dia 28 de de junho de 2008, o presidente colombiano Álvaro Uribe declarou aos dois emissários: “Vocês me traíram, não tenho mais confiança em vocês. Se os mantenho no papel de facilitadores é por consideração a seus países e seus governos, porém sei que vocês são cúmplices das FARC.”

Estavam no palácio presidencial e trata-se de um episódio que narra em seu livro “O Emissário” e comenta à swissinfo: “Ele não tinha o direito de nos tratar assim.”

Ele acrescenta, falando de seu colega suíço: “O que fazem agora com Jean-Pierre Gontard é totalmente injusto. Não entendo esse acosso permanente contra ele, é injusto e de uma falta total de gratidão e de elegância”, afirma o diplomata francês à swissinfo, por ocasião da recente publicação de seu livro (Ed. Robert Laffont, Paris, março de 2009).

Biografia e geopolítica

Autobiográfico, o texto não é apenas um sobrevoo de um périplo de quase sete décadas pelo mundo, que é a vida de Saez, mas também um testemunho da história contemporânea dos países que percorreu o autor desde seu nascimento na Argélia, como piloto da Força Aérea Francesa, até sua última missão na Colômbia.

Foi uma vida intensa, povoada de imagens de muitas guerras: a independência da Argélia, o golpe de Estado no Chile, a guerra civil em El Salvador. De lembranças de horror como a de recolher restos humanos com as próprias mãos na selva moçambicana. De experiências terríveis como o bombardeio de sua casa em San Salvador, com ele, a esposa e a filha dentro de casa.

Foi uma vida sem banalidades: Em 40 anos de carreira, tirei umas 200 pessoas das garras das guerrilhas colombiana e salvadorenha e dos cárceres da junta chilena”, escreve Noel Saez em seu livro.

Colômbia, uma ferida

Contudo, sua trajetória diplomática foi concluída com uma experiência amarga: “A última missão, que realizei na Colômbia durante seis anos, quatro meses e dez dias, e a maneira como nos expulsaram da Colômbia – falo por mim, mas Jean-Pierre Gontard pensa da mesma maneira – é uma ferida”, comenta à swissinfo.

Gontard pela Suíça e Saez pela França, trabalharam como mediadores entre Bogotá e o principal grupo insurgente do país, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), para a libertação de pessoas detidas pela guerrilha, incluindo a cidadã franco-colombiana Ingrid Betancourt.

O cumprimento de seu mandato exigiu dos enviados europeus embrenharem-se muitas vezes na selva e arriscar sua própria vida. No entanto, seus esforços não foram em vão porque obtiveram que muitos reféns voltassem a seus lares. Em “O Emissário”, lemos:

“Luis Carlos Restrepo (alto comissário para a paz na Colômbia) parece ter pouca memória quando pretende que o trabalho realizado pelos facilitadores durante vários anos, apesar da boa vontade, no produziu nenhum resultado. Esquece, entre outros, dos 317 militares colombianos do exército regular libertados em 2001 graças à intervenção direta de Jean-Pierre Gontartard e sua mediação com as FARC.”

“Quiseram nos sujar”

Não obstante, depois da libertação dia 2 de julho de 2008 de15 prisioneiros das FARC, incluindo Ingrid Betancourt, o governo do presidente Álvaro Uribe suspendeu a mediação da Suíça e da França e abriu um inquérito contra Gontard por suposta entrega às FARC de dinheiro para um resgate.

Sobre essa acusação, rechaçada pelo Ministério suíço das Relações Exteriores desde o princípio, Saez afirma: “Quiseram nos sujar. Em lugar de dizer-nos ‘vamos tratar disse entre nós, podem regressas a seus países e muito obrigado’, inventaram um monte de coisas.”

O que me dói mais é essa atitude, o fato de que, como explica em detalhe no livro, o governo colombiano os tenha instrumentalizado – e colocado em risco – para distrair a guerrilha enquanto libertava o grupo de reféns.

“Afinal, é normal que sejamos utilizados, por uma parte ou outra, em nosso papel de mediadores, porém não foi normal sermos descartados assim.”

A ponto de libertá-los

Publicado no início de março, “O Emissário” dedica dois de seus três capítulos à Colômbia e a maior parte destes a Ingrid Betancourt. “É o caso mais grave que tratei e o último de minha carreira, além de conhecê-la e sua família, porém exigia sua libertação como a de todos”, comenta Saez.

Explica que em duas ocasiões ele e Gontard quase conseguiram libertá-la: uma pouco antes da ofensiva militar em que morreu Raúl Reys, no Equador, em 1° de março de 2008; outra quanto as autoridades colombianas lançaram a operação Jaque”, em 2 de julho de 2008.

Acerca da operação de resgate, que Bogotá reivindicou como 100% colombiana, Saez diz ter certeza de que houve participação dos Estados Unidos e a traição de um chefe da guerrilha encarregado da custódia da ex-candidata presidencial colombiana, além do uso ilegal do emblema da Cruz Vermelha.

“O Emissário” começa sua narração na Colômbia, mais precisamente no aeroporto militar de Bogotá, com a chegada de Ingrid Betancourt e dos outros reféns, e termina também na Colômbia, falando dos principais protagonistas desse país envolto em mais de meio século de violência.

Uma violência que só poderá terminar através da negociação e com reformas estruturais que permitam uma distribuição mais equitativa da riqueza. A miséria, diz, é o melhor sementeiro para os grupos armados.

“Agora, insiste, quando as delações, as deserções e os embates do exército debilitaram as FARC, é o momento de negociar.” Contudo, lamenta, “Uribe não tem intenção de fazê-lo.”

swissinfo, Marcela Águila Rubín

Paramilitares.- Sua demilitarização (cerca de 32 mil homens) foi um fracasso. Esses homens só sabem matar e assim retomaram as armas em apoio aos narcotraficantes ou formaram bandos de delinquentes ainda mais perigosos como as “Agulhas Negras”.

L’émissaire (O Emissário), de Noël Saez, foi publicado em março de 2009 pelas Edições Robert Laffont, Paris.
Noël Saez nasceu na Argélia em 1940.
Seus avós eram espanhóis naturalizados franceses.

Passou a infância no Marrocos e depois mudou para a França.

Serviu da Força Aérea Francesa e no Ministério das Relações Exteriores da França.

Suas missões o levaram a diversos países, entre eles Madagascar, Moçambique, Chile, El Salvador, Argentina, Espanha, Venezuela e Colômbia.

Mesmo debilitadas, as FARC não capitulam. Em mensagem divulgada pela internet dia 21 de março elas confirmam a decisão a decisão de continuar a luta armada. No mesmo dia, explodiram um trecho da rodovia Panamérica.

Unificadas em 1964 por Pedro Marin, aliás Manuel Marulanda, aliás Tirofijo, as Farc são a mais antiga e mais poderosa guerrilha latinoamericana.

Nascida de reivindicações sociais, as FARC se desacreditaram por recorrerem a práticas ilícitas, especialmente o narcotráfico e o sequestro.

Em 2008, as FARC sofreram a perda de Marulanda (falecido aos 80 anos de morte natural) e de outro dirigente, Raúl Reys, morto numa operação militar colombiana em território equatoriano.

Além disso, suas bases estão enfraquecidas: estima-se que perderam 7 mil de seus 18 mil soldados e uns 10 mil de seus 20 mil milicianos (que operam nas cidades).

Contudo, continuam a recrutar novos elementos.

Cerca de 1.300 indígenas colombianos da região fronteiriça com o Equador teriam fugido depois do massacre de aproximadamente 20 Awa, supostamente pelas FARC, informaram dia 23/3 as agências de notícias.

Trata-se do mais recente exemplo do drama que vive a sociedade civil colombiana, em particular nas zonas rurais, onde estão as vítimas potenciais de todas as partes em conflito.

3,5 milhões de pessoas abandonaram suas casas por causa dos conflitos armados. É uma tragédia de que se fala muito pouco.

São gente humilde de saiu do campo e de vilarejos e que se instalam nos subúrbios das cidades formando cinturões de miséria.

Para eles, a única solução é regressar às suas terras, mas elas continuam áreas de combate.

Entre os jovens que se encontram nessas condições, as FARC recrutam novos membros.

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