‘Eles se negam a nos ouvir’, indígenas protestam na COP da Amazônia
Esta é a COP deles, a primeira conferência climática da ONU na Amazônia. Mas alguns indígenas do Brasil não se sentem ouvidos, e deixaram isso bem claro nesta quarta-feira (12), em Belém, a começar pelo emblemático cacique Raoni.
A frustração explodiu na noite de ontem, quando dezenas de manifestantes indígenas e apoiadores forçaram a entrada do local da conferência. As imagens do confronto com seguranças do evento correram o mundo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um aliado da causa indígena, e a seu favor estão a homologação de 16 territórios indígenas, a queda drástica do desmatamento e a nomeação da respeitada Sonia Guajajara para chefiar o primeiro Ministério dos Povos Indígenas. Para muitos, no entanto, isso não é suficiente.
O líder indígena mais influente do país, Raoni Metuktire, um defensor da Amazônia reconhecido mundialmente, chamou a atenção de Lula, à sua maneira. “Vou marcar um encontro com ele e, se precisar, vou puxar a orelha dele para ele me ouvir”, disse em Belém o cacique nonagenário.
“Eu apoio o presidente Lula, mas ele tem que me ouvir […] Ele tem que nos respeitar”, insistiu Raoni, durante uma coletiva de imprensa realizada em um barco. Suas declarações foram feitas na língua kayapó e traduzidas para o português por um intérprete.
A embarcação fazia parte de uma “barqueata” com dezenas de embarcações que navegaram nesta quarta-feira pelo rio Guamá, marcando a abertura da Cúpula dos Povos, um evento paralelo às negociações da COP30.
“Estou acompanhando que o governo quer perfurar petróleo na Foz do Amazonas. Estou acompanhando que o governo está trabalhando para fazer uma ferrovia para escoamento de produtos perto das nossas terras”, afirmou Raoni. “Estou acompanhando que cada vez mais tem desmatamento”, continuou. “Se continuarem fazendo essas coisas ruins, vamos ter problemas”, advertiu.
O Ibama autorizou no mês passado a Petrobras a iniciar a exploração em uma área localizada a 500 km da foz do rio Amazonas. O projeto é apoiado por Lula, para desgosto dos ambientalistas, aos quais ele responde que as receitas do petróleo podem servir para financiar a transição energética.
Raoni também criticou o projeto de construção da Ferrogrão, uma ferrovia de quase 1.000 km que atravessará o Brasil para transportar a produção de grãos. A ferrovia vai conectar o município de Sinop, polo agrícola do Mato Grosso e estado natal do cacique, ao porto de Miritituba, no Pará.
Em 1º de janeiro de 2023, Raoni foi uma das personalidades que entregaram simbolicamente a faixa presidencial a Lula durante sua posse.
– Harmonia –
Os indígenas que participaram ontem do tumulto na entrada da COP, que resultou em dois policiais feridos, segundo a ONU, defenderam sua ação.
“Ninguém cometeu nenhum ato de vandalismo, mas foi para chamar a atenção”, disse em entrevista coletiva Dona Neves Arara Vermelha. “Ninguém tinha a intenção de vandalizar”, afirmou, criticando a segurança por ter fechado as portas no momento da chegada dos manifestantes.
No terceiro dia da conferência, “ainda esperamos discutir com o presidente Lula, com os governantes […] sentar à mesa de negociações. Eles se negam a ouvir o que dizemos aqui”, reclamou a jovem Auricélia Arapiun.
As duas pertencem à etnia Arapiun, da região do Baixo Tapajós, no estado do Pará. Entre suas reivindicações estão a demarcação de terras indígenas, que consideram muito lenta, e a defesa da floresta, considerada insuficiente diante do apetite do agronegócio.
Está prevista para o próximo sábado, em Belém, a grande Marcha Mundial pelo Clima, durante a qual indígenas e organizações da sociedade civil vão exigir “justiça climática” e “a defesa dos territórios” dos povos originários.
Embora Raoni tenha sido duro com Lula, ele também defendeu hoje sua convivência, e disse ser “contra qualquer conflito”. “Muito tempo atrás, o branco e o indígena brigavam, enfrentavam-se. Então eu também trabalho pra que a gente viva pacificamente e em harmonia.”
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