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Filhos do exílio durante regime de Pinochet integram gabinete de Boric

Maya Fernández, neta do fallecido presidente chileno Salvador Allende, em foto de 24 de julho de 2013 afp_tickers
Este conteúdo foi publicado em 10. março 2022 - 12:09
(AFP)

Crianças quando a ditadura de Augusto Pinochet mudou seus destinos, Maya Fernández, neta do ex-presidente socialista Salvador Allende e futura ministra da Defesa, ou Marcela Ríos, que comandará a pasta da Justiça, consideram simbólico que seis filhos do exílio cheguem ao poder no Chile com um olhar "diferente".

"Acredito que nossa própria história é importante para o que queremos para o futuro. Imagino que cada um das ministras ou dos ministros que morou fora também viveu uma experiência e um aprendizado e acho que isso é importante", disse à AFP Maya Fernández, bióloga de 50 anos, futura ministra da Defesa do governo do presidente de esquerda Gabriel Boric.

Fernández morou com a família no exílio em Cuba - terra de seu pai -, desde o golpe militar de Augusto Pinochet, em 11 de setembro de 1973, até 1992, quando tinha 21 anos. Desde então, foi se envolvendo na vida política da então incipiente democracia chilena.

"Acho que os exílios, conhecer outra vida, outras culturas sempre é importante. Como bem sabem, estive exilada em Cuba toda a minha vida. Bom, até o ano de 1992 (...) Isso marca", diz, lembrando dos estudos em escolas públicas e de uma vida social rica com amigos que moravam perto.

Seis dos 24 ministros do gabinete de Boric nasceram, cresceram ou estudaram parte da vida escolar no exílio, um fenômeno que marcou mais de meio milhão de chilenos que deixaram o país por razões políticas, vítimas de tortura, prisão, repressão e da pobreza que castigou o país de 1973 a 1990.

- Para Cuba, Suécia ou Canadá -

A maioria deste grupo de ministros que chega ao governo nesta sexta veem sua experiência fora do Chile como algo positivo.

"Penso que no geral ter gente como nós, que vivemos um longo tempo fora do país, que estudamos em outros lugares, que temos formações profissionais multiculturais e diversas é um aporte ao olhar do Estado, é um aporte ao país, a olhar os problemas de uma forma diferente, incorporar aprendizados de outras partes, incorporar modos de fazer", disse à AFP Marcela Ríos, próxima ministra da Justiça e Direitos Humanos.

Ríos tinha 13 anos quando sua família fugiu com a ajuda de freiras e conseguiu refúgio. Em 14 de fevereiro de 1981, teve que partir com seus pais e irmãos para a pequena província de Saskatchewan, no Canadá, onde não chegou a se adaptar após a saída abrupta de Santiago.

A futura chanceler, Antonia Urrejola, tinha seis anos quando seus pais precisaram se exilar no Reino Unido. A titular da pasta da Saúde, Begoña Yarza, já sabia ler e escrever quando foi levada com a família em um caminhão militar para um avião da Air France e, após várias escalas, desembarcaram em Cuba.

Alexandra Benado, próxima ministra do Esporte, nasceu em Estocolmo, em 1976, quando seus pais já viviam no exílio, e depois seguiriam para Cuba. Sua mãe, militante do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), foi assassinada durante a ditadura chilena, em 1983.

O biólogo Flavio Salazar (56 anos), que será ministro da Ciência, nasceu em Buenos Aires. Em 1971, voltou com sua família, atraídos pela vitória eleitoral de Allende, mas seu pai, sindicalista e militante do Partido Comunista, viu-se obrigado a buscar asilo após os protestos de 1984 - em plena ditadura - e partiram para a Suécia.

- Almejar o país dos pais -

Fernández partiu quase um bebê ao seu novo destino. "Por isso, não tinha lembranças do Chile, da história e aí obviamente nossos mães e pais nos falavam do Chile, da cultura, das comidas, dos costumes".

Nas lembranças dos exilados, talvez a mais dolorosa seja a impossibilidade de ter perto a família imediata - as tias maternas em seu caso.

A família de Fernández ficou marcada para sempre com a morte de seu avô presidente em pleno bombardeio ao Palácio La Moneda, mas também com o exílio para diferentes países dos tios e primos - alguns deles foram para o México - e o suicídio de sua mãe, Beatriz Allende, quatro anos após o golpe.

Fernández será a segunda ministra da Defesa militante socialista depois da volta da democracia ao Chile, antecedida por Michelle Bachelet - cujo pai, um general de brigada durante o governo Allende, foi detido pela ditadura e morreu na prisão.

Bachelet e sua mãe partiram para o exílio na então Alemanha oriental, após terem sido presas e torturadas.

A experiência de Marcela Ríos no exílio lhe serviu para fazer um diagnóstico preciso sobre o Chile em um dos últimos relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre as desigualdades em seu país.

"O Chile é um país onde suas elites são muito fechadas, muito pequenas, muito homogêneas, e há muitas vezes um excesso de redes de contatos pessoais, forjadas na universidade, sobretudo, nas escolas, e é um sistema muito segregado", disse.

Incorporar ao gabinete gente que viveu fora do país "traz ar fresco ao olhar do governo" que vai integrar. No comando de sua pasta, ela pretende "fazer políticas públicas não só em relação à justiça, à verdade, mas também políticas de memória".

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