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Eliminando a herança “tóxica” da Suíça

Photo of barrels at Lonza waste landfill site in 1987.
Em julho de 2021, Lonza declarou que iniciaria sua limpeza de dez anos do aterro sanitário de resíduos perigosos em Gamsenried, no cantão do Valais, de 2023-2024. O local foi usado pela empresa para depositar seus resíduos de produção de 1918 a 1978. Imagem de 1987. Keystone

Lausanne, uma das maiores cidades da Suíça, enfrenta um sério problema de saúde pública. A descoberta de que a cidade está amplamente poluída por dioxina causou uma surpresa geral, esquentando o debate sobre as consequências para a saúde e a extensão da contaminação.

A pequena nação alpina que é muito conhecida por suas belezas naturais impressionantes, enfrenta neste momento um cenário de contaminação por vários poluentes. Em outubro, as autoridades de Lausanne anunciaram que grande parte do solo no centro da cidade está contaminado com dioxina – um poluente que provém de produtos químicos. Uma antiga usina de incineração de resíduos fechada entre 2005-2009 é apontada como responsável pela poluição. Agora, as atenções se voltam para o tratamento dos resíduos e as preocupações com efeitos na saúde.
 
As autoridades locais dizem que não há necessidade de pânico. A água potável da cidade não foi afetada e a dioxina só é problemática se absorvida diariamente em grandes quantidades.  No entanto, o caso Lausanne levantou preocupações em diversos outros locais. 

Dioxinas

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as dioxinas são poluentes ambientais que pertencem a um grupo de produtos químicos perigosos conhecidos como poluentes orgânicos persistentes (POPs). Eles são encontrados em todo o meio ambiente, onde podem permanecer por décadas e se acumular na cadeia alimentar. Mais de 90% da exposição humana é por meio de alimentos, principalmente carnes e laticínios, peixes e mariscos.

As dioxinas são principalmente subprodutos indesejados dos processos de fabricação, incluindo fundição, branqueamento de cloro de celulose de papel e a fabricação de alguns herbicidas e pesticidas. Segundo a OMS, incineradores de resíduos descontrolados (resíduos sólidos e resíduos hospitalares) são frequentemente os piores responsáveis pela poluição por dioxina, devido à queima incompleta. 

“Pensamos que esse problema tinha sido resolvido por filtros de montagem para tratar a fumaça dos incineradores na década de 1990, pois isso conseguiu reduzir seriamente os níveis de dioxina. Mas esquecemos a poluição histórica que foi realizada ao longo de 30-40 anos”, disse Nathalie ChèvreLink externo, professora de ecotoxicologia da Universidade de Lausanne, à SWI swissinfo.ch.
 
Especialistas concordam que é provável que problemas semelhantes de dioxina surjam em outras regiões suíças com plantas de incineração.

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Muitos dos 26 cantões da Suíça têm suas próprias instalações de incineração, algumas muito mais antigas que outras. Cantões como Genebra, Friburgo e Valais já vinham fazendo investigações em torno da dioxina. Já outras localidades como Vaud, Neuchâtel, St. Gallen, Berna, Glarus, Grisões e a cidade de Zurique estão reagindo agora. 

Neste cenário, os números de poluentes identificados podem crescer. O governo suíço compartilhou um projeto de revisão da lei de proteção ambientalLink externo que tornaria obrigatória a investigação e limpeza de locais públicos no futuro. E a dioxina pode ser adicionada à lista de poluentes graves que os cantões precisam monitorar constantemente.
 
“A Suíça teve uma história industrial muito importante a partir da década de 1950 que resultou em grande poluição ambiental. Não acho que essa seja nossa última surpresa do tipo”, disse Chèvre.

Legado tóxico

O caso Lausanne colocou os holofotes na questão da contaminação herdada de décadas atrás. A Suíça tem uma reputação de limpeza e beleza natural, mas a poluição industrial não é novidade no pequeno país densamente povoado.
 
A Suíça abriga quase 38 mil locaisLink externo que o ministério suíço do Meio Ambiente (Bafu, na sigla em alemão) lista como poluídos.

Destes, cerca de quatro mil requerem tratamento de resíduos Outros 1.500 já foram tratados. Os locais poluídos são, em sua maioria, aterros antigos (40%) e áreas industriais (50%); o restante são faixas de tiro do exército (10%) e locais de acidentes (1%). Eles cobrem uma área total de 225 quilômetros quadrados. Alguns dos principais locais estão ligados à indústria química suíçaLink externo.

Map showing 38,000 polluted sites in Switzerland.
Mapa exibindo as 38 mil áreas consideradas poluídos pelas autoridades federais. Reusser Christoph Bafu

“Nos últimos 20 anos, a Suíça tem uma legislação pragmática e eficaz em vigor que exige a limpeza de todos os locais contaminados quando representam um perigo para a saúde das pessoas ou para o meio ambiente”, disse Christiane Wermeille, do escritório do meio ambiente. A prioridade de limpeza é dada aos locais que ameaçam diretamente as fontes subterrâneas de água.
 
As autoridades federais afirmam que o país está fazendo “grandes progressos” na limpeza de locais poluídoLink externos e se compara bem com os países vizinhos. Chèvre concorda com este último ponto. “Temos uma legislação muito mais restritiva do que nos países vizinhos.” Mas a limpeza dos locais contaminados está avançando “muito, muito lentamente”, acrescenta.
 
Martin Forter, diretor da ONG Médicos pelo Meio AmbienteLink externo, é mais crítico. Ele acha que as autoridades federais são “pragmáticas demais” e poderiam ser ainda mais rigorosas. Ele diz que a maioria dos locais contaminados não requer trabalho pesado, mas uma dúzia representa grandes problemas. “Há aterros sanitários que precisam ser urgentemente limpos como Gamsenried no cantão do Valais, Pila em Friburgo ou Feldreben em Muttenzl”, diz. “Há também a fábrica de resíduos químicos Teuftal no cantão de Berna que pertence à indústria de Basileia e precisa ser limpa a longo prazo.”

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Plants under glass domes in a laboratory.

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Desafio na limpeza

O Bafu admite que os desafios são enormes. Limpar aterros pode ser perigoso pois se tem ideia exatamente do que está dentro ou como os poluentes reagirão.
 
Cumprir a meta de tratar todos os locais contaminados até 2040 também será extremamente caro. Estima-se que será um investimento de cinco bilhões de francosLink externo, o que torna o processo mais desafiador. Conseguir esse recurso só será possível se as coisas acelerarem e mais recursos estiverem disponíveis, diz Chèvre. “Acho que todos geralmente concordam que precisamos fazer algo. Mas assim que você começa a discutir dinheiro, as coisas se tornam muito mais complicadas”.
 
De acordo com a lei suíça, aplica-se o princípio do “poluidor pagador”. As autoridades custeam a investigação, monitoramento e remediação de locais poluídos. E também criou um “Fundo de Contaminação” que tributa os poluidores para serem capazes de limpar rapidamente locais perigosos.
 
Mas como os responsáveis pela poluição do desses locais muitas vezes não estão mais presentes, são os contribuintes que muitas vezes arcam com os custos de limpeza. Pedir ao contribuinte para pagar pela poluição por empresas privadas é uma questão complicada. Mas dito isto, o valor de 5 bilhões de dólares em 20 anos é relativamente pequeno em comparação com as despesas anuais do setor público suíço (governo federal, cantões e comunas).
 
“A principal lição do caso da dioxina de Lausanne é que podemos redescobrir a poluição 30, 40, 50 até 60 anos depois do ocorrido”, disse Chèvre. “É muito importante ter cuidado agora com o que jogamos no meio ambiente – no ar, na água ou no solo – pois provavelmente se tornará um problema no futuro.”
 
Especialistas alertam: se não forem gerenciados corretamente, os poluentes liberados hoje – pesticidas, microplásticos, micropollutantes, partículas finas, metais pesados como chumbo ou hidrocarbonetos podem muito bem voltar para nos assombrar. 

Adaptação: Clarissa Levy

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