Como uma empresa do Canadá emitiu primeiros alertas sobre coronavírus
Às margens do lago Ontário, uma empresa emergente do Canadá emitiu os primeiros alertas sobre os riscos de um vírus desconhecido detectado na cidade chinesa de Wuhan. Como conseguiu isto? Com Inteligência Artificial.
A BlueDot desenvolveu um algoritmo que vasculha milhares de notícias e informações de tráfego aéreo para detectar e monitorar a disseminação de doenças infecciosas.
A empresa alertou os clientes sobre o surto de um novo coronavírus em 31 de dezembro, poucos dias antes do anúncio oficial pelas autoridades chinesas.
Com sede em Toronto, a BlueDot também conseguiu prever de maneira correta os países que estariam mais expostos ao contágio.
“O que estamos tentando fazer é realmente estender os limites, utilizando dados, análises e tecnologia para uma rápida movimentação”, declarou à AFP o fundador da empresa, Kamran Khan.
“Quando você lida com um surto, o tempo e a sincronização representam tudo”, disse.
Khan, um médico de 49 anos, teve a ideia de criar a BlueDot após a epidemia de Sars em 2002-03.
Naquela época, Khan era um especialista em doenças infecciosas em um hospital de Toronto. Ele viu, impotente, a doença matar 44 pessoas na maior cidade do Canadá.
“Muitos trabalhadores da área de saúde estavam infectados, incluindo um dos meus colegas. Muitos profissionais da saúde morreram”, recorda.
“A experiência abriu nossos olhos e foi a motivação para tudo o que estamos fazendo na BlueDot”, explica.
– 65 idiomas, 150 doenças –
Khan fundou a BlueDot em 2015. Atualmente, a empresa tem 40 funcionários, entre médicos, veterinários, epidemiologistas, analistas de dados e desenvolvedores de software.
A equipe elaborou um sistema de alerta em tempo real com base em processamento da linguagem e técnicas de aprendizado automático.
A cada 15 minutos, o algoritmo da BlueDot revisa relatórios oficiais, fóruns profissionais e serviços de notícias em busca de palavras-chave e de frases.
O algoritmo consegue ler textos em 65 idiomas e rastrear 150 tipos de enfermidades.
“Chamamos de agulhas no palheiro”, disse Khan.
“Há uma quantidade gigantesca de dados. A máquina procura as agulhas e as apresenta a especialistas humanos. Estes revisam e indicam à máquina se a informação corresponde a uma ameaça real”, explicou.
Se for considerada real, a informação passa para um banco de dados que analisa o local do surto, os aeroportos próximos e itinerários de aviões comerciais de todo mundo.
Também são considerados dados do clima, banco de dados de sistemas nacionais de saúde e até a presença de mosquitos, ou de qualquer tipo de animal que transmite doenças.
Uma vez concluída a análise, a BlueDot envia alertas para seus clientes, que incluem agências governamentais, companhias aéreas e hospitais.
O objetivo é permitir que as autoridades se preparem para o pior cenário: o grande surto de uma doença.
– Elementos “similares” à Sars –
Nas primeiras horas de 31 de dezembro, o sistema da BlueDot encontrou um artigo em mandarim que mencionava 27 pessoas diagnosticadas com pneumonia, todas relacionadas com um mercado a cidade de Wuhan.
O vírus ainda não estava identificado, mas o algoritmo encontrou duas expressões-chave: “pneumonia” e “causa desconhecida”.
Às 10h, o primeiro alerta foi enviado para os clientes, especialmente os da Ásia.
“Não sabíamos que seria um grande surto global, mas advertimos para alguns ingredientes similares aos que vimos durante a epidemia de Sars”, explicou Khan.
A BlueDot conseguiu prever que existia um certo risco de que o vírus se propagasse de Wuhan para Bangcoc, Taipé, Singapura, Tóquio e Hong Kong.
Em todas as localidades citadas, foram registrados casos do novo coronavírus, que já matou 2.000 pessoas, quase todas na China.
A BlueDot tem outro alerta importante em sua história: em 2016 conseguiu prever a disseminação do vírus da zika do Brasil até o sul da Flórida, Estados Unidos.