Arqueozoologia, a ciência que faz falar os ossos
É provável que a arqueozoologia não signifique muito para o público em geral. O Museu de História Natural da cidade de Genebra consagra uma exposição a esta disciplina pouco conhecida, na encruzilhada entre arqueologia e zoologia. Descubra-a.
Há quarenta anos, o zoólogo Louis Chaix criou um Departamento de Arqueozoologia no seio do Museu. Este jubileu é uma oportunidade para a instituição de Genebra montar uma exposição para entender melhor as atividades e desafios desta disciplina largamente desconhecida.
Quando se trata de arqueozoologia, o Museu genebrino está na primeira liga. Possui uma osteoteca – uma coleção de ossos – de mais de cinco mil esqueletos, a maior da Suíça e uma das dez maiores da Europa.
“É uma colecção patrimonial construída ao longo do tempo”, diz Mila Musy, arqueóloga e coorganizadora da exposição. O fundador havia desenvolvido seu centro de arqueozoologia dentro do Departamento de Paleontologia de Vertebrados, que já contava com uma importante coleção de ossos de animais. A coleção foi então expandida por meio de doações e aquisições a fim de atender as necessidades da pesquisa científica.
Uma disciplina por direito próprio
A arqueozoologia nasceu no século 19 e desenvolveu-se no século 20. Dito de maneira simples, é o estudo de ossos de animais em um contexto arqueológico. Esse vínculo com a arqueologia torna a arqueozoologia uma disciplina por direito próprio, que difere da zoologia ou da paleontologia.
“A paleontologia se interessa pelos animais e por sua evolução, e possivelmente na reconstituição de paleoambientes”, explica Jean-Christophe Castel, arqueozoólogo e responsável pelas pesquisas do Museu. “A arqueozoologia, por sua vez, se interessa pela interação entre o entorno animal e as atividades humanas. Isso nos permite, por exemplo, compreender a diversificação das produções alimentares e técnicas”.
Em outras palavras, os arqueozoólogos são arqueólogos especializados no estudo dos ossos. “A arqueologia é um campo extremamente especializado no qual todos têm uma área favorita”, continua Jean-Christophe Castel. “Tenho colegas que são especialistas em sílex ou cerâmica; sou especialista em ossos”.
Fonte de informação
Quanto mais antigos forem os períodos estudados, mais importante se torna a arqueozoologia como fonte de informação. Isso é particularmente verdadeiro para a pré-história, um período caracterizado pela ausência de escrita e por uma baixa produção de objetos ou construções. O estudo dos ossos torna-se então uma das maneiras de descobrir e saber mais. “Sem essas contribuições, não saberíamos praticamente nada sobre os estilos de vida das populações de homens de Neandertal ou de Cro-Magnon, a domesticação do lobo (cão), do pombo, do gato ou do dromedário”, lemos no comunicado de imprensa do Museu.
Por exemplo, na região de Grandson, ao sul do Lago de Neuchâtel, onde a arqueozoóloga Patricia Chiquet estudou ossos provenientes de escavações de emergência realizadas no âmbito de um projeto de construção. “Era um campo lacustre muito bem preservado, datado de 2700 a.C., que apresentou uma sucessão de quinze aldeias a uma profundidade de 1,5 a 2 metros”, explica ela. “Tive acesso a material incrivelmente bem conservado. O estudo dos ossos permitiu determinar que a população ainda caçava muitos animais selvagens, enquanto a criação de animais já tinha sido dominada nesta região no final do Neolítico”.
Patricia Chiquet também estuda as origens da criação animal nos Alpes no início do período Neolítico. “É toda uma reflexão sobre práticas pastoris”, afirma. Os ossos permitem determinar quais espécies eram criadas e com que finalidade. Com colegas, fazemos análises isotópicas dos dentes, que permitirão detectar diferenças em seu crescimento e, assim, evidenciar mudanças na alimentação e nos deslocamentos que estariam ligados ao pastoreio nas planícies e a grandes altitudes.
No entanto, seria errado acreditar que o estudo dos ossos apenas fornece informações sobre períodos muito antigos. Pode ser útil mesmo para eventos recentes. “Existem escavações arqueológicas em sítios do século 20, por exemplo, em sítios da I Guerra Mundial”, ilustra Jean-Christophe Castel. Tem havido um enorme esforço com respeito ao mundo animal, particularmente dos cavalos. Podemos constatar que os cavalos no início do conflito eram animais de qualidade procedentes de haras nacionais, mas que mais tarde foram substituídos por cavalos de tração. Isso só pode ser determinado pelos arqueozoólogos, porque são estes que conseguem distinguir melhor a diferença entre os ossos de um cavalo daqueles de uma vaca.
Mais do que um pedaço de osso
Parece incrível que um mero pedaço de osso possa contribuir para escrever a História. Mas olhos bem treinados podem ver coisas que são invisíveis ao olho leigo. Na cafetaria do Museu, Jean-Christophe Castel tira um osso do bolso para fazer uma pequena demonstração.
“A partir de um osso como esse, um fragmento que não é muito bonito, podemos dizer muitas coisas que irão fornecer informações sobre o ambiente e as atividades humanas”, diz ele. “Reconheço imediatamente um úmero de um herbívoro bastante grande, provavelmente um boi ou um cervo grande. Se não consigo determinar a que animal pertence, consulto a biblioteca de ossos para fazer uma comparação”.
“Este osso é de cor marrom, que é típico dos ossos encontrados em um contexto lacustre”, continua ele. “Na parte do meio do osso, a diáfise, vemos bordas de fraturas que são lisas com bordas ligeiramente sinuosas. Isso significa que o osso foi intencionalmente fraturado com a intenção de recuperar a medula. Ainda distingo pequenas incisões paralelas feitas por uma faca de sílex ou óssea. Esses traços estão próximos da separação entre o úmero e o rádio, que se encontra imediatamente abaixo. Isso corresponde a uma operação de desarticulação que consiste em separar os ossos para pô-los de lado antes de fraturá-los a fim de recuperar a medula”.
“Ainda posso observar que esse osso foi danificado pelo tempo. Está fissurado na extremidade distal e um pouco desgastado, o que levanta questões, uma vez que o restante do osso está bem conservado. Pode ser porque não foi enterrado e a parte danificada foi deixada em contato com o ar por um pouco mais de tempo. Isso nos informa algo sobre a velocidade de sedimentação no local e as condições sob as quais tais ossos foram descartados”.
Aquecimento global
A arqueozoologia não é apenas voltada para o conhecimento do passado. Pode também ajudar a lançar luz sobre problemas atuais. “A arqueozoologia aporta profundidade histórica com informações muito técnicas e concretas, com um contexto para questões que hoje nos podemos colocar em relação a diferentes mudanças, seja alimentares ou climáticas”, observa Mila Musy.
“Tentamos mostrar como as populações humanas e animais evoluíram ao longo do tempo, o que permite identificar soluções fornecidas em diferentes épocas”, acrescenta Jean-Christophe Castel. “Durante o último aquecimento global, a região de Genebra passou de uma era glacial para um clima temperado em 2000 a 3000 anos. Isso provocou um transtorno total nas espécies vegetais e animais, bem como nas populações humanas, que foram forçadas a seguir os rebanhos ou a mudar sua dieta alimentar”.
Ao lançar luz sobre as modalidades de gestão dos recursos alimentares, a arqueozoologia se encontra, portanto, em plena atualidade.
Adaptação: Karleno Bocarro
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