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“Estar em Locarno é a realização de um sonho”

Juliano Dornelles ao chegar em Locarno com seu curta-metragem. swissinfo.ch

Jovens cineastas de várias partes do mundo são convidados anualmente para exibir seu trabalho no Festival Internacional de Cinema de Locarno. O evento não apenas doura o seu currículo, mas também abre portas profissionais.

swissinfo encontrou um desses jovens, o diretor recifense Juliano Dornelles. Seu curta-metragem é uma das poucas realizações brasileiras presentes na programação do evento em 2011.

Foram muitas horas de viagem. Quando Juliano Dornelles chegou à Locarno, a visão da Piazza Grande, a praça central, onde são exibidos diariamente os filmes da principal mostra não competitiva em um grande telão à céu aberto, todos os sacrifícios pareciam valer a pena apesar da chuva constante.

O cineasta recifense de apenas trinta anos é um dos poucos representantes do Brasil na 64° edição do Festival Internacional de Cinema de Locarno: somente dois curtas-metragens foram selecionados em 2011, em meio a um grande número de películas europeias e americanas.

Sua obra intitulada “Men sana in corpore sano” caiu nas graças de Agnès Wildenstein, uma das curadoras do festival suíço, quando participava no início do ano de uma mostra regional de cinema em Tiradentes, no sudeste brasileiro. “Ela viu, gostou e exibiu o curta ao diretor artístico Olivier Père e acabei sendo selecionado para o concurso internacional na seção Pardos do amanhã”, afirma orgulhoso Juliano.

Músculos e halteres 

O curta-metragem de 22 minutos conta a história de um fisiculturista, que consagra seu dia a exercícios físicos em prol da perfeição absoluta do corpo. Os resultados são admirados por ele no espelho, mas o espírito não se satisfaz. A passagem erótica em um cabaré com uma dançarina seminua demonstra sua impotência sexual apesar dos músculos definidos.

Quanto mais pesos são levantados, mas inquieto se torna o protagonista, até que ele termina perdendo a própria cabeça (literalmente) em uma cena cheia de sangue, mas sem parar de se exercitar em cima da bicicleta ergométrica. “É um filme sobre obsessão com causa e consequência. Ele trata do neo-narcisismo do homem e do seu corpo como sua fortaleza”, define o diretor recifense seu trabalho.

A inspiração de Juliano surgiu da observação entre amigos do culto ao corpo quando estava em um bar. Depois escreveu o roteiro, que terminou sendo premiado financeiramente em um concurso estadual, o que possibilitou concretamente sua realização.

O segundo passo foi selecionar um fisiculturista, dos trinta que haviam sido convidados, para assumir o papel principal. “O Flávio Danilo gostou muito da história, apesar do filme ser crítico em relação ao seu meio”, diz, lembrando que dos participantes, também aparece o antigo Mister Brasil de 1978, Carmelo de Castro, proprietário de uma academia de fisiculturismo em Recife.

No total, o jovem cineasta gastou 90 mil reais para concluir “Mens sana in corpore sano”, em grande parte investidos na equipe, em efeitos especiais – “utilizei até próteses” – e na transferência das tomadas em vídeo formato HD para o celuloide.

Emoção de estar em Locarno 

O curta-metragem terá sua estreia internacional em Locarno através da exibição em sete de agosto. Para Juliano Dornelles, um momento marcante na vida. “Foi quase como a realização de um sonho de participar de um festival tão importante no mundo como esse”, afirma.

Porém o brasileiro não quer apenar limitar sua presença na cidade às margens do lago Maggiore para mostrar o seu trabalho. “Também quero ver muitos filmes e conhecer novos realizadores. Tento encontrar novos sentimentos e pensamentos para que isso ajude no meu próprio trabalho. Acho que aqui vai ser uma experiência de cinéfilo muito forte”, explica enquanto folheia o repleto programa.

Questionado sobre a baixa presença do cinema brasileiro no Festival de Locarno, o cineasta critica a maior rede de televisão do país. “Acho que o cinema brasileiro ainda precisa percorrer um caminho para que a gente possa se livra dessa história de achar que cinema e novela é a mesma coisa. A participação da Rede Globo dentro do pensamento audiovisual brasileiro é muito dominante.”

Porém Juliano é otimista e, como muitas pessoas da sua geração, também acredita que as novas tecnologias permitam ao público brasileiro de estar mais antenado ao que é produzido em outros países, além de novas formas de consumir as imagens. “A situação está melhorando com o surgimento de novas formas alternativas de exibição de filmes como o número crescente de cineclubes, ou a internet, que permitem o acesso a todo esse conteúdo produzido lá fora.”

Mesmo se muitos dos trabalhos da produtora recifense Símio Filmes, fundada pelo cineasta com outros três colegas recifenses dos tempos de universidade (ler coluna da direita), já estão disponíveis na internet em plataformas como YouTube, o “Mens sana in corpore sano” só pode ser visto em festivais de cinema. No Brasil, o curta foi comprado pelo canal de TV por assinatura Canal Brasil, que pagou 15 mil reais a Juiliano.

A produtora de cinema e vídeo foi criada em 2004 pelos jovens cineastas Daniel Bandeira, Gabriel Mascaro, Juliano Dornelles e Marcelo Pedroso.

Os primeiros projetos foram curtas-metragens em vídeos, realizados em 2001 quando eram ainda estudantes do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Em 2004 o grupo conseguiu a aprovação de apoio para realizar dois filmes: “Amigos de risco“, um longa-metragem de ficção de Daniel Bandeira, e KFZ-1348, documentário de média-metragem de Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso.

Desde a criação, Símio Filmes já produziu 20 filmes em vários formatos e ganhou 30 prêmios.

O curta “Mens sana in corpore sano” é o terceiro trabalho individual de Juliano Dornelles.

Entre outras atividades, o cineasta trabalha também como diretor de arte em filmes de cineastas pernambucanos.

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