
Evi Vermelha não quer mais lamentar

Evi Allemann tem 25 anos e é a mais jovem deputada do parlamento suíço. Seu sonho é tirar a Suíça “do conforto de casa-de-boneca”.
Primeiro discurso causa polêmica e vira manchete nos principais jornais do país. swissinfo entrevista uma jovem que ainda acredita na política.
“Nos transformamos em um povo de lamentadores”.
Assim ela define seus próprios concidadãos: Evi Allemann, 25 anos, recém-eleita deputada federal no Parlamento suíço e também a mais jovem parlamentar no Parlamento do pequeno país dos Alpes.
Essas palavras, pronunciadas no início da semana, devem ter soado como uma bomba nos ouvidos de alguns políticos e jornalistas: durante dois dias seguidos, seu rosto esteve na primeira do jornal “Blick”, o título de maior tiragem na Suíça (300 mil exemplares diários).
Se na primeira manchete os redatores a chamaram de “malcriada” e “Evi Vermelha”, na segunda reportagem de capa ela é a pessoa “que bateu no ponto certo”. O Blick até chegou a realizar uma pesquisa de rua, em que muitos suíços ficaram satisfeitos de ver alguém dizer o que muitos sentem.
Evi Allemann transformou-se no exemplo de jovens que ainda acredita na política.
Primeiro discurso no Parlamento
Como manda a tradição suíça, o passado e o futuro sobem juntos no palco da política: na abertura de uma nova legislatura, o mais jovem e o mais idoso deputado são sempre convidados à fazer um discurso na primeira sessão parlamentar (ver também o especial “Eleições 2003”).
Os dois escolhidos na segunda-feira não poderiam ser mais distintos: um multimilionário, o empresário Christoph Blocher, 64 anos, líder de um partido nacionalista de direita (UDC) e Evi Allemann, do Partido Socialista.
Allemann, que também acaba de concluir o curso de advocacia, utiliza metáforas para atacar o imobilismo geral na Suíça, que ela chama também de “casa-de-bonecas”. “Estamos ameaçados de obesidade e envelhecimento. Sofremos de altas taxas de colesterol mental…A Suíça se transformou num país inflexível e imóvel, um país onde reina a acomodação e a negligência”.
swissinfo entrevista a jovem deputada, nos seus primeiros dias de Parlamento.
swissinfo: Em que momento você se despertou para a política?
Eu me interesso por política desde de quando era criança. Na escola eu até cheguei a organizar vários protestos.
Porém um fato histórico que me marcou muito foi a queda do “Muro de Berlim”, em 1989. Na época eu tinha apenas onze anos. Apesar de não compreender muito o que se passava, pude sentir como o dia-a-dia na Suíça se transformou. Assim eu decidi não ficar mais sentada em casa no sofá, sem ter nenhuma idéia própria da realidade. Eu preferi me juntar com outras pessoas para poder dizer o que eu penso. Por isso entrei no Partido Socialista.
Depois da fase de pregar cartazes, organizar protestos e participar de reuniões, senti que seria importante colocar tudo em prática. Estive assim cinco anos na Assembléia Legislativa do cantão de Berna (com apenas 18 anos, Allemann foi eleita, em abril de 1998, para deputada estadual no cantão de Berna) e depois pensei em escalões mais altos da política. Fui eleita e agora estou aqui no Parlamento federal.
Porém você, ainda tão jovem, não tem medo de se decepcionar com a política. Não seria o parlamento um lugar dominado pelas “velhas raposas”?
A Suíça é um país pequeno, onde as elites políticas estão ligadas entre si por estreitos laços. Todo mundo aqui é parente de alguém. É muito difícil de estar fora desse sistema.
Ao mesmo tempo, é também um grande desafio suportar os lobistas que trabalham dentro do Parlamento e conseguir separar as informações que recebo, e incluo no meu discurso político, daquelas que eu tenho que deixar de lado.
Acredito que um parlamentar mais experiente consiga tomar decisões mais rápidas, pois ele sabe utilizar melhor seus contatos e já tem mais conhecimento de causa.
Mas eu estou me esforçando: até o carteiro já reclama da quantidade de papéis que eu tenho recebido para ler. Por isso eu nem quis procurar um trabalho. Vou fazer política em tempo integral.
Seu primeiro discurso no Parlamento acabou virando manchete de jornal. Chamar os suíços de “povo de lamentadores” não foi uma provocação?
Eu sabia que a mídia estaria focalizando em mim sua atenção. Essa foi uma grande chance de poder fazer um discurso praticamente para toda a nação, para o Parlamento reunido e também para os órgãos de imprensa.
Esse é o sonho de qualquer político: poder transmitir suas idéias e mostrar para o público suas posições. Porém eu não quis polemizar, mas sim dizer que eu luto por uma Suíça mais moderna e que nós precisamos ter mais coragem para mudanças.
Por isso você chama a Suíça de “casa-de-bonecas”?
Eu disse apenas que os suíços se ajeitaram com conforto numa espécie de “casa-de-bonecas”. Em 1848 a Suíça viveu grandes mudanças com uma nova Constituição. Na época nós mostramos coragem: o correio foi criado, os trens surgiram e obras audaciosas foram construídas.
Desde então, nós tivemos apenas algumas mudanças esparsas, provocadas muitas vezes mais por pressão externa. Porém as grandes reformas já não são feitas há muito tempo. Nós nos tornamos acomodados. Nós fizemos da Suíça um país confortável, onde ninguém passa necessidade.
As diferenças sociais entre ricos e pobres ainda existem, mas não podemos nos comparar com outros países mais necessitados. Porém a energia para mudanças, que os suíços tinham no passado, praticamente morreu.
No seu discurso você falou que a Suíça tem altas taxas de colesterol “mental” e que o país corre o risco de estagnação e engorda. Na sua opinião, qual o maior problema atual da Suíça?
O problema é, sobretudo, a nossa imobilidade mental. Nós temos pouco movimento na sociedade e na política.
Porém não é apenas a política que perdeu a coragem. A questão é que nós, políticos, somos apenas um reflexo da população. Afinal, fomos eleitos pelo povo.
Christoph Blocher, o empresário e deputado de direita que discursou contigo como parlamentar mais antigo, é líder do partido mais forte da Suíça. O que você acha da sua possível eleição para o governo federal?
Eu não considero Blocher um homem do futuro. Ele, como outros, é um exemplo dos suíços que bem se acomodaram nessa “casa-de-bonecas”; no seu caso, com muito sucesso. Agora ele tenta ascender ao poder máximo, mas de engajamento, de ímpeto, Blocher não tem nada!
Qual sua opinião sobre a integração da Suíça à União Européia?
Para mim não existe no futuro uma outra alternativa para a Suíça, a não ser a sua integração à União Européia. O governo deve reiniciar o mais rápido possível as negociações com a UE.
Não existe o risco da Suíça ficar isolada na Europa, por não participar de nenhuma decisão dentro da UE?
Sim. No momento a União Européia está vivendo um período de grandes mudanças. Um exemplo é a elaboração de uma constituição européia.
A verdade é que muitas decisões importantes estão sendo tomadas dentro da UE e a Suíça não tem o que dizer. O pior é que nós somos obrigados a adotar regulamentos e leis européias, sem ter nenhuma influência no que é debatido e decidido em Bruxelas.
Essas são mudanças que estão modificando a nossa vida. Por isso a integração da Suíça na UE é importante, mas só deve ocorrer em 15 anos, suponho. Por enquanto a maioria da população ainda está rejeitando a União Européia.
swissinfo, Alexander Thoele

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