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Locarno 76: ao redor do mundo em 214 filmes

Scene of Espaldas Mojadas (Alejandro Galindo, 1955)
Cena de "Espaldas Mojadas", de Alejandro Galindo, um dos filmes na retrospectiva do cinema popular mexicano de 1940 a 1969. A travessia ilegal da fronteira já era um tema quente em 1955. Courtesy of Locarno Film Festival

A 76.ª edição do Festival de Cinema de Locarno inicia nesta quarta-feira com a promessa de uma experiência cinematográfica que vai nos tirar da zona de conforto.

Como sempre, o festival no cantão suíço de língua italiana do Ticino começará com um filme histórico, este ano o filme mudo de Alfred Hitchcock The Lodger (1927), acompanhado por música ao vivo executada pela Orchestra della Svizzera Italiana.

Esta chamada pré-abertura antecede o início do festival no enorme telão ao ar livre da Piazza Grande, o símbolo mais famoso do festival, com uma nova produção do casal belgo-australiano Fiona Gordon e Dominique Abel, L’Étoile Filante (A Estrela Cadente).

O Festival de Cinema de Locarno, que dura dez dias, vai cobrir os quase 100 anos entre The Lodger e L’Étoile Filante. O programa privilegia cineastas de fora, independentes e estreantes, com um forte foco em narrativas que desafiam a narrativa clássica representada principalmente pelo Ocidente.

Aerial view of the Piazza Grande, Locarno
Vista aérea da Piazza Grande em Locarno, o cinema ao ar livre com mais de oito mil cadeiras. Keystone / Urs Flueeler

O cinema europeu mantém uma forte presença este ano, nomeadamente com produções francesas e italianas, mas, tal como nos anos anteriores, as escolhas do festival refletem um panorama cinematográfico mais diversificado.  Autores e cineastas com origens imigrantes continuam a trazer novas perspectivas para questões atuais e antigas.

Dezessete filmes de todos os continentes com a exceção da África e da Antártida concorrem ao Pardo d’Oro, o Leopardo de Ouro, vencido pelo filme brasileiro Regra 34 no ano passado. Os destaques desta edição incluem Do Not Expect Too Much From the End of the World (Não Espere Muito do Fim do Mundo), o novo filme do diretor romeno Radu Jude, vencedor do Urso de Ouro de Berlim em 2021; Stepne, um filme muito pessoal da ucraniana Maryna Vroda, não diretamente ligado à guerra em curso; e The Vanishing Soldier (O Soldado Desaparecido), segundo longa do israelense Dani Rosenberg.

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A Suíça está representada na competição principal por Manga D’Terra, segundo longa de Basílio da Cunha, cuja trajetória se afasta do cenário cinematográfico suíço. Nascido de pais portugueses em Morges, na parte francófona da Suíça, da Cunha mudou-se para a favela lisboeta da Reboleira, onde fez o seu primeiro filme, O Fim do Mundo, protagonizado pela população local do bairro e com um enredo baseado nas suas próprias histórias de vida.

Se O Fim do Mundo foi comparado a clássicos de gangues juvenis negras americanas, como Boyz in the Hood (John Singleton, 1991), Manga D’Terra é focado numa mulher, imigrante cabo-verdiana, que acaba em guerras de gangues em Lisboa enquanto tenta traçar seu caminho com a música.

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Presença americana

Ao contrário dos festivais de cinema mais glamourosos como Cannes, Veneza e Berlim, onde Hollywood sempre faz uma presença distinta, e às vezes avassaladora, Locarno costuma exibir filmes das cenas mais independentes e autorais da América.

Este ano, a comédia Lousy Carter, de Bob Byington, vai concorrer na competição principal, enquanto Retrato de Família, de Lucy Kerr, concorre ao Pardo com Cineasti del Presente, uma seção competitiva para cineastas que exibem seus primeiros ou segundos longas-metragens.

O continente americano, no sentido mais amplo, tem uma presença significativa em Locarno. O festival mostra tanto raridades do passado quanto algumas das mais novas produções do cinema latino-americano. As principais competições internacionais contam com um filme da região, El Auge del Humano 3, do argentino Eduardo Williams, na seção principal, e Todos los Incendios, do mexicano Mauricio Calderón Rico, no Cineasti del Presenti.

Vampire woman about to bite a sleeping woman
Cena de “Santo vs. as Mulheres Vampiro” (Alejandro Galindo, 1955), parte da retrospectiva de filmes populares mexicanos de 1940-1969. Courtesy of Locarno Film Festival

Além disso, a seção retrospectiva deste ano é dedicada ao cinema mexicano.

“As Muitas Estações do Cinema Popular Mexicano” é uma seleção de 36 obras produzidas entre 1940 e 1969, com curadoria do crítico de cinema Olaf Möller. Muitos deles nunca foram exibidos além das fronteiras mexicanas, e alguns são verdadeiras raridades, como El Río y la Muerte (O Rio e a Morte, 1954), um filme menos conhecido do mestre surrealista espanhol Luis Buñuel feito durante seus anos mexicanos.

Por fim, a seção Portas Abertas do festival, que promove produtores e cineastas de países com indústrias cinematográficas pouco financiadas, tem seu foco agora na América Latina. Nesta edição, o festival exibe sete longas da Bolívia, Peru, Venezuela, Paraguai e Equador, países quase invisíveis nas bilheterias globais.

Poster of the film O Abismo, by Rogério Sganzerla
O título original de Sganzerla é “Abismu”; os cartazes na época do lançamento do filme ‘corrigiram’ o idioma. A trilha sonora é toda de Jimi Hendrix. Mercurio Produções Archive

Convidados radicais

Locarno traz outras duas joias latino-americanas na seção Histoire(s) du Cinema, Documentário (1966) e Abismu (1977), do brasileiro Rogério Sganzerla (1946-2004). Provavelmente o mais célebre autor de filmes contraculturais no Brasil, Sganzerla e seus companheiros do “udigrudi” desafiaram não apenas as convenções burguesas, mas também a ditadura militar que reinou no Brasil de 1964 a 1985.

Mais notavelmente, eles desafiaram até mesmo o Cinema Novo, que foi o principal movimento revolucionário no cenário cinematográfico brasileiro das décadas de 1960 e 1970.

Impressionado e influenciado pelo cinema de Jean-Luc Godard, a sátira absurdista de Sganzerla, a subversão narrativa e o uso indiscriminado da colagem às vezes até superavam seu mestre. Sua obra mais famosa, O Bandido da Luz Vermelha (1968), foi inspirada em Pierrot le Fou (1965), de Godard, e sua “tradução” para a realidade brasileira fez dele um dos mais importantes filmes brasileiros de todos os tempos.

A viúva de Sganzerla, Helena Ignez, que também foi musa, parceira criativa e protagonista principal de alguns de seus filmes mantém viva a veia poética subversiva e participará das exibições em Locarno.

Scene of Jean-Luc Godard s Alphaville
A seção “Histórias do Cinema” também traz “Alphaville, uma Estranha Aventura de Lemmy Caution”, de 1965. Jean-Luc Godard queria fazer um filme de ficção científica distópico, mas não tinha orçamento. O filme foi gravado em Paris nas primeiras horas do dia, quando não havia ninguém por perto, e para os efeitos especiais Godard apenas brincou com os negativos. E tornou-se um clássico. Keystone

Outros convidados célebres darão brilho a Locarno com glamour cinéfilo. Ken Loach, de 87 anos, o último herói da classe trabalhadora, estará lá apresentando seu último filme, The Old Oak. Assim como Barbet Schroeder, 81, o cineasta suíço com mais experiência internacional, que estreará seu último filme, Ricardo et la Peinture (Ricardo e a pintura).

swissinfo.ch cobrirá o festival do início ao fim, com colaborações da Academia da Críticos de Locarno, um programa que seleciona 12 jovens escritores de cinema e arte de todo o mundo para uma imersão total no festival. Análise crítica, vídeo-podcasts e diferentes perspectivas do mundo do cinema estarão em breve em nosso site. Venha para Locarno com a gente!

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Adaptação: DvSperling

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