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“O patriarcado é mais sutil nos estratos superiores”

Regisseurin Nadia Fares
Esse paço interior em Solothurn lembra um café de rua no Cairo. Thomas Kern/swissinfo.ch

No documentário "Big Little Women", a diretora egípcia-suíça Nadia Fares reflete os diferentes destinos das mulheres no Egito e no patriarcado suíço.

Ser mulher é vivida de formas diferentes no Egito: algumas mulheres, por exemplo, manifestaram-se na praça Tahrir no Cairo durante a Primavera Árabe, outras atendem pacientes como médicas e outras cuidam para que seus clientes cheguem no horário como motoristas de Uber. Outras criam muitos filhos, não saem de casa sem véus e fazem de tudo para convencer suas filhas a se casarem.

O que elas têm em comum é que se movem dentro de um sistema patriarcal e precisam se afirmar em seus diferentes papéis. Isso pode ser uma pequena surpresa para os leitores ocidentais. Mas quem se opõe a essa pressão de papéis? Existe um feminismo egípcio?

Nadia FaresLink externo explora essa questão em seu filme “Big Little WomenLink externo“, que foi apresentado no Festival de Cinema de SolothurnLink externo (18 a 25 de janeiro de 2023) e indicado ao Prix de Soleure. Três gerações de feministas egípcias expressam suas opiniões no filme, falando de suas famílias e de seu ativismo. Fares quer que o filme “preste homenagem à coragem de todas as mulheres que lutam pela igualdade no Oriente e no Ocidente”. Uma das vozes feministas do documentário é a da própria diretora.

Nadia Fares
Nadia Fares sonha com a independência e a liberdade junto com seus protagonistas. Thomas Kern/swissinfo.ch

“O Egito é uma sociedade baseada em classe. Nas classes mais baixas, o homem tem a última palavra, independentemente de estar certo ou não”, explica Fares. Nos bairros desfavorecidos do Cairo que o filme mostra, as mulheres têm hoje a oportunidade de obter uma educação ou de expressar suas opiniões, por exemplo, sobre com quem querem se casar. Mas não podem morar sozinhas ou tirar o lenço da cabeça sem a permissão do pai ou marido. “Nas classes média e alta, o patriarcado é muito mais sutil, embora também seja sentido”, diz a diretora.

Feminismo egípcio

Mas “Big Little Women” também mostra mulheres jovens com outras visões de mundo – uma geração que não quer comprometer-se ou ter filhos. Sonham em viajar pelo mundo e anseiam pela independência financeira.

Quem é?

Nadia Fares é uma diretora suíça de raízes egípcias, nascido em Berna. Trabalha como diretora, roteirista e produtora em Genebra, Los Angeles e Cairo. Seu primeiro longa-metragem “Honey and Ashes” (1996) foi elogiada internacionalmente como um retrato inovador da mulher árabe contemporânea. Seu roteiro “Diplomatic Corps” foi aceito no New York Writers Lab em 2018 e foi apoiado por Meryl Streep e Nicole Kidman. “Big Little Women” é seu primeiro filme documentário.

Nouran Salah, Noha Sobh e Amina Alwahany são as protagonistas do filme, três jovens mulheres da mais recente geração feminista egípcia. Fares as filma enquanto percorrem as ruas do Cairo, andam de bicicleta, envolvem as mulheres em conversas sobre sua situação, seus direitos e liberdade.

Nas conversas, o domínio dos homens aparece claramente – mas, ao mesmo tempo, mesmo nas áreas mais pobres, as mulheres mostram determinação em não serem subjugadas. E explicam que nenhum homem ousaria insultá-las ou assediá-las sexualmente porque “somos mais masculinos do que qualquer homem na rua”.

As três protagonistas também têm discussões com suas próprias famílias, especialmente com os pais, o que é um sinal de que alcançaram alguma liberdade: discordam dos homens e questionam sua autoridade.

Falando no filme como representante de um feminismo mais antigo aparece Nawal El Saadawi, a pioneira do feminismo em todo o Médio Oriente, que morreu em 2021. Ela fala de suas próprias experiências, como foi capaz de se libertar como mulher e o preço que teve de pagar por isso. Ela conta também de sua prisão e exílio.

“Até seu último suspiro, El Saadawi colocou sua energia na luta e se esforçou para transmitir seu espírito combativo às jovens mulheres de hoje no Egito, mas também em outros países”, diz Fares. El Saadawi lutava pelos direitos das mulheres no Egito e na região árabe desde os anos 70 e “especialmente contra a opressão da sexualidade”, explica Fares. Segundo Fares, existe uma clara diferença entre o ativismo de El Saadawi e o das feministas mais jovens do Egito.

“Patriarca legal” como vítima

El Saadawi também explica no filme como os próprios homens têm de se adaptar às normas de comportamento que as sociedades do Oriente Médio impõem aos maridos e pais da região. Um homem que não consegue controlar suas esposas e filhas se expõe ao desprezo ou à completa exclusão da sociedade.

“Big Little Women” é também uma homenagem ao falecido pai egípcio da diretora, a quem ela chama de “patriarca legal” no final do documentário. O destino de seu pai egípcio, que se casou com uma suíça – sua mãe  –, serve de espelho no filme, e para lembrar que o patriarcado também é um tema suíço.

Im Pressezentrum Nadia Fares
O jornalista da swissinfo.ch encontrou a diretora durante o Festival de Cinema de Solothurn. Thomas Kern/swissinfo.ch

Por exemplo, o avô suíço da diretora era contra o casamento de sua mãe com um egípcio. Ele não podia proibi-la, mas arranjou um jeito para que o pai dela deixasse o país e a família. “Meu pai foi vítima de um patriarca suíço, porque foi meu avô quem elaborou o plano para que as autoridades mandassem meu pai de volta ao Cairo”, diz Fares. Por meio de sua própria história e da de seu pai, Fares também mostra uma segunda face do patriarcado: ela ilustra como os homens também se tornam vítimas desse sistema.

Mesmo na Suíça de hoje, o patriarcado ainda está muito presente, diz Fares. “Por exemplo, a desigualdade salarial ainda é um problema na Suíça. A solidariedade entre os homens é ainda mais pronunciada do que aquela que existe entre os sexos. Também na minha profissão como diretora: as cineastas são aceitas, mas ainda temos que lutar por nossa credibilidade mais do que os homens. É mais provável que orçamentos maiores sejam concedidos a um homem do que a uma mulher. O patriarcado está tão presente na Europa quanto no Egito, mesmo que se expresse de maneira diferente”.

Adaptação: Karleno Bocarro

Nawal El Saadawi

Ela foi uma feminista, escritora, médica e ativista egípcia que lutou pelos direitos da mulher no Egito e em outras regiões árabes desde os anos 70.

El Saadawi publicou vários livros e artigos nos quais denunciava a opressão das mulheres no Egito e no mundo árabe e expunha suas opiniões sobre a igualdade de gênero. Ela também fundou uma organização que defende os direitos da mulher no Egito e apoia as mulheres nas áreas rurais.

El Saadawi recebeu muitas críticas e ameaças por seu trabalho, especialmente de círculos conservadores e religiosos. No entanto, ela continuou sua luta e tem sido uma voz importante no feminismo egípcio e internacional.

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