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No rastro dos contrabandistas

Montanhistas precisam de fôlego para percorrer caminhos no Parque Nacional de Val Grande. www.parcovalgrande.it

Região de montanhas entre a Itália e Suíça foi o paraíso dos contrabandistas entre os anos 30 e 60.

Val Grande é um dos exemplos dessas localidades, onde se contrabandeava de tudo, café, açúcar e cigarros e até armas para a guerrilha contra Mussolini.

As cadeias de montanhas entre a Suíça e a Itália garantiram o ganha-pão de muita gente entre as últimas décadas de 30 e 60.

A neutralidade de um e o envolvimento do outro durante o período da Segunda Guerra Mundial criaram as condições propícias para a troca ilegal de mercadorias. Hoje, as trilhas usadas pelos astutos contrabandistas são percorridas por tranqüilos turistas e montanhistas.

Entre dois países

Val Grande, na fronteira com o cantão Tessin, espremido entre o Lago Maggiore e Ossola, era a opção ideal para fugir aos olhos das patrulhas italianas e suíças, normalmente concentradas nos caminhos de Vale Vigezzo. O comércio irregular florescia à sombra dos bosques de “faggi”, hoje protegidos pela maior e mais selvagem reserva natural da Itália, o Parque Nacional de Val Grande, instituído em 1992.

Os contrabandistas partiam da cidade de Colloro, atravessavam todo o Val Grande, entravam no Vale Cannobina e dali seguiam para Locarno e Brissago.

Normalmente eles viajavam sozinhos ou em pequenos grupos de duas ou três pessoas. A viagem de ida e volta durava de um dia a um dia e meio. Um ritmo vertiginoso se levar em conta o itinerário com cerca de cem quilômetros de trilhas sinuosas, estreitas e pequenas escaladas, além do peso de cada mochila, de 30 a 35 quilos. “Eram todos jovens e tinham uma grande resistência física. Acima de tudo era uma questão de sobrevivência. Ganhava-se de cinco a seis vezes o valor de um dia normal de trabalho”, lembra o Fernando Danini, guia histórico e com um profundo conhecimento do parque como somente um ex-contrabandista poderia ter.

Luta contra Mussolini

Settimio Pella, notório contrabandista local, entre os anos de 1936 e 1941 contava que ele, a sua irmã e o seu cunhado costuraram uma saia especial com bolsos no avesso para serem preenchidos com as mercadorias. O trio nunca foi capturado. Normalmente eles gastavam 4 horas de Collero até a Piana, no centro do parque, depois levavam outras duas horas para chegar até Cocc e a Bochetta di Vald, de onde desciam até Ai. No dia seguinte, de manhã bem cedo retornavam para Collero.

Os italianos atravessavam a fronteira para buscar pacotes e café, açúcar e cigarros. E como se não bastassem as patrulhas dos dois países, os contrabandistas enfrentaram, nos anos finais da guerra as tropas nazistas. Os alemães vasculhavam a área em busca dos “partigiani”, membros da resistência ao governo de Mussolini. Dos primeiros, uma vez capturados, eram “obrigados” a deixar parte da mercadoria, normalmente 1/3, isso quando não eram presos e tudo o mais confiscado. Do segundo, eles corriam o risco de vida e muitos foram mortos quando atravessavam o parque de Val Grande durante a “blitz”.

Contrabandistas na natureza

Depois da guerra, o contrabando passou a ser de mão dupla. Os italianos na viagem de ida começaram a levar pneus de bicicleta e arroz para os suíços. Assim o mercado negro crescia nos dois lados da fronteira. “Se viam os postos de controle de fronteira. E de muito longe dava para enxergar os policiais, muitas vezes, na maioria, se conseguia passar sem ser visto, pelo meio do mato”, recorda Fernando Danini, entre um gole e outro de água do seu cantil, no refúgio de Alpe Scaredi. O local fica a 1841 metros de altura. Ela é parada obrigatória depois de duas horas de caminhada, a ritmo de turista e não de contrabandista, do povoado de Malesco, ponto de partida para passeios no Parque Nacional de Val Grande, até o outro lado, em Colloro e Premosello Chiovenda, 35 quilômetros a sudoeste.

Na pressa de fugir das autoridades, dificilmente os contrabandistas notavam a exuberância e a beleza da flora e da fauna locais. As viagens eram realizadas, na maioria das vezes, nas estações da primavera, verão e outono. Mas tinha quem se arriscava no inverno. Val Grande tem 15.000 hectares de área habitada por cerca de 600 “camosci” (espécie de veado) e incontáveis raposas e cervos, além de gaviões e faisões e um eremita, que já faz quinze anos, evita qualquer contato com a civilização.

No centro do Parque, no maciço Pedum (2.111 metros de altitude) está um perímetro protegido por lei, onde nenhum ser humano pode entrar, a não ser alguns poucos biólogos e geólogos com licenças especiais. Durante a travessia completa ninguém morre de sede. Pelo menos 40 riachos e fontes de água brotam e cruzam nas trilhas. Pode-se matar a fome com a pesca. As trutas reinam nos rios Ragozzale e Val Serena, em Val Gabbio, de águas gélidas e de cor verde-esmeralda, bem na divisa do parque com o maciço.

Infra-estrutura para turistas

Mas o tempo da caça e da pesca pertence ao passado. Hoje, pelo menos dois refúgios estão equipados para receber os visitantes durante um pernoite. A cruzada pelo Parque Nacional dura cerca de dois dias a três, dependendo da condição física da pessoa. Saindo de Masello se dorme no abrigo Scaredi, após uma longa subida íngreme. De manha bem cedo é possível admirar, desde que o tempo permita, os primeiros raios da manhã atrás da montanha Galenstock, no lado suíço, nascente do rio Ródano. Um espetáculo único, pois o pico à altura de 3.560 metros de altitude esconde a metade do sol, e ele surge como se fosse uma meia lua dourada.

A caminhada prossegue, por sete horas, entre aclives e declives, gargantas e “canyons” até o abrigo de Colma de Premosello, a 1.728 metros de altitude, onde se dorme a segunda noite. Deste ponto se tem uma fantástica vista da face norte do Monte Rosa. Mais uma vez, a alvorecer do dia justifica o nome da montanha que parece filtrar todas as cores do arco-íris num rosa límpido e claro. A esta altura e hora do passeio as nuvens baixas cobrem o vale de Colloro e de Premosello, como se ainda envolvessem e protegessem os contrabandistas de uma época não muito distante.

swissinfo, Guilherme Aquino, Milão

Informações técnicas: Para pedir as chaves dos refúgios basta escrever para o email pvgrande@tin.it, ou telefonar para a administração do Parque: (0039) 0323-557960.

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