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Dedução fiscal de multas de empresas suíças no exterior gera polêmica

Imagen tomada por un dron de la Paradeplatz en Zúrich.
A Paradeplatz em Zurique, o centro nevrálgico do poder econômico na Suíça. © Gaetan Bally/Keystone

A partir de 2022, as empresas e bancos suíços poderão deduzir as multas multimilionárias que receberem no exterior. Um incentivo fiscal bem visto pelo setor privado, mas questionado pela esquerda, ONGs e juristas.

A intenção da Lei Federal sobre o Tratamento Fiscal das Penalidades FinanceirasLink externo, que entra em vigor em 1º de janeiro de 2022, é evitar que as empresas sejam bode expiatório para represálias políticas por parte dos governos. Entretanto, a questão é controversa porque poderia levar ao perdão de multas impostas a bancos ou empresas cujas operações causem danos às populações dos países emergentes.

Perdão sob condição

A partir de 2022, “as empresas poderão deduzir as sanções pronunciadas no exterior se cumprirem duas condições: a ação punida deve ser contrária à ordem pública suíça e a empresa deve provar que tomou todas as medidas razoavelmente exigidas para cumprir a lei do outro país”, resume Fabien LiégeoisLink externo, membro do Centro de Direito Bancário e Financeiro da Universidade de Genebra e especialista em direito tributário do escritório de advocacia CMS.

O governo suíço especifica que este não será um benefício fácil de ser concedido. “A empresa deve apresentar provas credíveis de que fez tudo o que era necessário para cumprir a lei e, no entanto, sua conduta foi sancionada. Isto se baseia no princípio da boa-fé estabelecido no artigo 3 do Código Civil suíço”, explica Joel Weibel, porta-voz da Administração Federal de ImpostosLink externo (AFC), a Receita Federal suíça.

Weibel acrescenta que as empresas também devem apresentar documentos tais como relatórios de conformidade de auditoria, obtenção de autorizações das autoridades competentes, etc. E tanto a aprovação quanto a negação dessas deduções podem ser contestadas e revistas pelos tribunais suíços, sendo o Tribunal Federal sempre o último recurso, de acordo com o porta-voz da AFC.

A lei adverte que as multas resultantes do pagamento de subornos em outro país não serão dedutíveis.

A Lei Federal sobre o Tratamento Tributário das Penalidades Financeiras, que entrará em vigor em 1º de janeiro de 2022, não será de forma alguma retroativa, confirma a Receita Federal suíça.

Um exemplo concreto em que este direito seria utilizado

A empresa suíça “A” inicia um negócio no país “B”. Ela toma todas as medidas necessárias para cumprir a lei e obtém as licenças para conduzir seus negócios. O país B confirma que tudo está em ordem. Três anos mais tarde, A é multada por B por falta de licença.

A nova lei lhe permitirá deduzir esta multa se a corporação provar que tomou as medidas necessárias, recebeu as autorizações apropriadas e foi, no entanto, penalizada.

A lei deixa claro que o pagamento de comissões ocultas ou qualquer outra despesa que permita a comissão de infrações não é dedutível.

Um prêmio por não conformidade?

“A intenção do Parlamento não é recompensar o não cumprimento da lei, mas impedir que as empresas sofram as consequências fiscais de multas monetárias arbitrárias ou de motivação política”, diz Joel Weibel.

Mas o Partido Socialista (PS) acredita que não há razão para a má conduta corporativa receber presentes fiscais, “especialmente se são os contribuintes que têm que pagar por isso”, diz Nicolas HaeslerLink externo, porta-voz do PS.

“As empresas devem cumprir as leis de outros países e assumir sua responsabilidade pelos riscos que assumem. Se os lucros permanecem nas empresas, por que as perdas devem ser transferidas para os contribuintes”, questiona.

Haesler acrescenta que a Suíça exerce dois pesos e duas medidas, já que as empresas que operam no país não têm o direito de deduzir multas, mas as que operam no exterior têm.

“A legislação europeia está caminhando para uma maior responsabilidade corporativa e a Suíça deve fazer o mesmo”, ressalta o porta-voz socialista.

Dominik Gross, um especialista em finanças internacionais e política fiscal da coalizão de ONGs Alliance SudLink externo, concorda. “Por trás da decisão de permitir a dedução de multas, empresas, tais como bancos, estão sendo parabenizadas por seu comportamento ilegal. Isto é contrário ao que nós, como sociedade civil suíça, queremos e lutamos há anos, como ficou claro nas urnas”.

Gross também ressalta que assim é introduzida uma injustiça significativa entre cidadãos e empresas, pois os primeiros não gozam deste direito.

Contra a vontade do povo

Em novembro de 2020, a maioria dos suíços disse sim à iniciativa “empresa responsável”, mas ela não foi aprovada porque dois terços dos cantões votaram contra. Mas a vontade do povo era clara: “As pessoas não querem mais recompensar empresas desonestas”, diz Nicolas Haesler.

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Para o diretor executivo da rede independente Tax Justice Network, Alex CobhamLink externo, “a nova lei é surpreendente porque vai contra o sentimento público nacional”. E também cria riscos de reputação internacional para a Suíça porque aceita condutas impróprias que outros Estados tentam sancionar.

Cobham ilustra isso com um exemplo teórico: uma empresa poderia se engajar em práticas que levassem ao envenenamento por chumbo de comunidades em países de baixa renda. Esta lei poderia até mesmo permitir a dedução de multas daquela empresa se ela demonstrar que “tomou todas as medidas razoáveis [para cumprir com a lei de outro país]”.

“Quando uma empresa pode deduzir uma multa imposta no exterior, é a comunidade suíça que paga o preço”, adverte Fabien Liégeois, da Universidade de Genebra. “E não há razão para que uma consideração moral acabe onde as fronteiras acabam”, acrescenta.

“A Suíça se beneficia do sucesso de suas grandes empresas no mundo, mas tenho dificuldade em entender por que a diferença entre as multas aplicadas na Suíça e no exterior está escrita na lei. No entanto, acho importante não ignorar que existem lutas econômicas entre Estados dos quais as empresas podem ser vítimas colaterais”, diz.

Pouca experiência internacional

Existem outros países que oferecem este benefício? Há pouca experiência internacional com a dedução de multas corporativas pronunciadas no exterior.

“Em 2017 foi feita uma comparação entre os países do G7, os BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul] e Áustria e nestas nações não é possível deduzir multas”, diz Joel Weibel, da AFC. “Em outros países, a situação é vaga. Mas o princípio da não-dedutibilidade das multas é observado na maioria das legislações.

Segundo Fabien Liégeois, na Alemanha tais deduções eram permitidas no passado, mas somente quando as penalidades contradiziam a ordem pública alemã. A França não permite isso e “os Estados Unidos, que têm uma lei complexa, também não é mais flexível que a França no que diz respeito à dedução de sanções pronunciadas por outro Estado”.

Pascal Saint-AmansLink externo, diretor do Centro de Política Fiscal e Administração Fiscal da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), confirma que “quase nenhum país da OCDE permite a dedutibilidade de multas e penalidades recebidas no exterior, embora isso tenha acontecido no passado”. Entretanto, as leis mudaram significativamente, especialmente desde que a OCDE adotou recomendações sobre a dedutibilidade fiscal de subornos a funcionários estrangeiros (1996), exortando seus membros a evitar esta prática”.

OCDE agradece a clareza

A OCDE acolhe favoravelmente a nova lei suíça porque traz clareza ao espectro fiscal suíço. Acrescenta que as empresas podem ser apoiadas em suas operações internacionais, mas devem se abster de realizar atividades no exterior que lhes são negadas em seus próprios países. Ao proibir claramente a dedução de subornos, a Suíça elimina qualquer ambiguidade em relação às deduções corporativas.

A OCDE combate ativamente todas as formas de crime financeiro e reconhece que a Suíça deu um passo adiante ao aceitar o intercâmbio automático de informações fiscais entre os governos em 2018.

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Diante da nova lei, só será vital “que as deduções permitidas sejam significativamente restritas e que haja uma orientação clara para evitar interpretações errôneas”, diz Pascal Saint-Amans.

A OCDE considera que a Suíça deu passos importantes no campo da transparência fiscal ao aceitar o intercâmbio automático de informações. Entre 2018 e 2020, a Suíça transmitiu informações a 73 países e jurisdições.

Atualmente, existem quase 100 jurisdições fiscais que trocam informações sobre 84 milhões de contas bancárias, que administram ativos no valor de 10 trilhões de euros.

O “sigilo fiscal” é considerado prejudicial em quase todas as partes do mundo porque muitas vezes encobre práticas de evasão fiscal.

Os juízes evitarão abusos

Os céticos temem que a nova lei beneficie, por exemplo, os grandes bancos. Serge Steiner, porta-voz da Associação Suíça de Banqueiros (ASBLink externo), é cauteloso em sua resposta: as novas regras são para todos os tipos de empresas, não apenas instituições financeiras, “a dedutibilidade é claramente limitada a casos especiais, e esses casos específicos ainda terão de ser avaliados individualmente quando ocorrerem”, diz ele.

Uma multa como a recebida pelo banco UBS na França (4,5 bilhões de euros) em 2019 poderia ser deduzida no futuro por participar de um esquema de evasão fiscal em grande escala?

Em teoria, não. Esta multa puniu o crime de lavagem de dinheiro agravado com fraude fiscal cometida pelo UBS entre 2004 e 2012. Esta infração também é punível na Suíça. E desde 2016, os bancos suíços são obrigados a detectar e comunicar às autoridades qualquer delito fiscal cometido por seus clientes na Suíça e no exterior.

Entretanto, para a correta aplicação da nova lei, Fabien Liégeois enfatiza que o trabalho dos juízes será fundamental.

A dedução de multas estrangeiras só será possível se elas violarem a ordem pública suíça e se a empresa em questão demonstrar que cumpriu as regras e agiu de boa fé.

“A noção de ordem pública é muito restritiva e abrange apenas situações excepcionais. A noção de boa fé é menos restritiva e existe desde a época romana. Mas a indeterminação da regra não deve ser algo que nos preocupe se considerarmos que a tarefa dos juízes é precisamente avaliar cada situação concreta em busca de equidade, esta é a essência de seu trabalho”, conclui o especialista.

Adaptação: Fernando Hirschy

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