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Desengajamento dos EUA abala Genebra em 2026

Marco Rubio
O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, falando com a imprensa em Genebra, em 23 de novembro de 2025. Keystone / Martial Trezzini

Com cortes orçamentários, reformas estruturais e o impacto do retorno de Donald Trump à Casa Branca, Genebra enfrenta incertezas em 2026. A saída dos EUA de agências como a OMS e o Conselho de Direitos Humanos da ONU mergulhou o sistema multilateral em uma crise profunda.

O ano de 2025 foi sinônimo de profundas transformações para as organizações internacionais sediadas em Genebra. Já enfraquecidas por cortes orçamentários e por uma perda de credibilidade diante da multiplicação dos conflitos, elas enfrentaram um desengajamento sem precedentes dos Estados Unidos, provocado sobretudo pelo retorno de Donald Trump à Casa Branca.

Principal contribuinte financeiro e ator historicamente influente do sistema das Nações Unidas, os EUA se retiraram, entre outras instâncias, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Conselho de Direitos Humanos, ambas sediadas em Genebra. Ao desmantelar a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), a nova administração americana mergulhou o setor humanitário e suas principais instituições em Genebra em uma profunda crise.

“O sistema multilateral enfrenta uma crise financeira e política. Algumas agências especializadas, em particular no campo humanitário, dependiam de até 40% dos Estados Unidos para o financiamento de suas atividades”, destacou recentemente Anna Ifkovits Horner, representante permanente adjunta da missão suíça junto à ONU. “Isso é problemático. O ideal seria diversificar as fontes de receita, mas, considerando o contexto geopolítico, isso não é fácil”, acrescentou durante um encontro em Berna.

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Palais des Nations, Geneva

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Genebra internacional

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Reformas a serem continuadas

Diante dessa situação, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, iniciou cortes orçamentários e lançou um amplo processo de reformas denominado “UN80”, com o objetivo de aumentar a eficiência da organização. Entre as medidas consideradas estão a aproximação de agências com mandatos semelhantes e a transferência de postos de trabalho atualmente localizados em Genebra e Nova York para destinos considerados menos onerosos, como Nairóbi ou Roma.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a Organização Internacional para as Migrações (OIM), o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como o UNICEF e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (ONUSIDA), figuram entre as organizações genebrinas mais fortemente afetadas pelas centenas de demissões e relocalizações em curso.

Muito provavelmente, esses esforços de reorganização continuarão em 2026. Os mais otimistas destacam as vantagens que Genebra oferece em termos de know-how e infraestrutura, lembrando também as medidas adotadas pelas autoridades cantonais e federais para responder à crise, notadamente a concessão de apoios financeiros. No entanto, o custo de vida particularmente elevado na segunda maior cidade da Suíça é – e continuará sendo – um problema central para essas organizações que buscam reduzir despesas. Soma-se a isso a valorização do franco suíço, que ganhou mais de 10% em relação ao euro nos últimos anos.

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Caixas de pasta de amendoim nutritiva

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Organizações internacionais em Genebra

Genebra sofre com congelamento da ajuda internacional  

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Próximo ou próxima chefe da ONU?

Para Antonio Guterres, 2026 será o último ano de seu mandato. Não há dúvida de que o secretário-geral da ONU buscará, tanto quanto possível, levar a cabo as reformas que iniciou. Contudo, terá de enfrentar o descontentamento de uma parte significativa do pessoal, afetada por demissões e reestruturações. Em 2025, esse grupo se mobilizou intensamente, organizando manifestações de dimensão inédita em Genebra. Certamente continuará seus esforços no próximo ano.

Assim, 2026 será um ano de campanha para o futuro ou a futura secretário-geral, que assumirá o cargo em 2027. Segundo o sistema de rodízio geográfico em vigor, ele ou ela deverá ser oriundo(a) da América Latina. Vários nomes já circulam, entre eles o do diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em Viena, Rafael Grossi, e o da atual secretária-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD/CNUCED), Rebeca Grynspan – figura de destaque da Genebra internacional.

Em uma ordem mundial em plena transformação, e enquanto vozes críticas denunciam a ausência de uma estratégia real para reformas que se assemelham a um mero exercício financeiro, a visão desses candidatos para o futuro de uma ONU em crise será observada de muito perto pelos Estados-membros.

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Sala do Conselho de Segurança da ONU com pessoas

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Genebra internacional

ONU é deixada de lado em acordos de cessar-fogo no Oriente Médio

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Ponto de inflexão para a ajuda humanitária?

Em 2025, os planos de resposta humanitária coordenados pela ONU receberam apenas 13 dos 45 bilhões de dólares esperados, o valor mais baixo desde 2016, período em que as necessidades globais eram duas vezes menores. Esse recuo é em grande parte atribuível à retração dos países ocidentais, que investem em armamentos e enfrentam dificuldades orçamentárias.

O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) lançou, em dezembro, seu tradicional apelo de doações para 2026. Consideravelmente inferior ao do ano anterior, ele se propõe realista e solicita 33 bilhões de dólares para atender cerca de 135 milhões de pessoas afetadas por guerras, mudança climática, catástrofes e epidemias.

A grande questão agora é saber se ainda é possível um aumento das contribuições financeiras. Diante do desengajamento dos Estados Unidos e de países europeus que figuram historicamente entre os maiores doadores, as organizações humanitárias esperam atrair novos contribuintes, entre eles países do Golfo, a China – que privilegia a ajuda bilateral – ou ainda o setor privado. Por ora, nada indica, contudo, que uma mudança possa ocorrer no curto prazo.

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destruição em Gaza

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Genebra internacional

A guerra de Israel em Gaza e o colapso humanitário

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Qual espaço para a paz?

Após um período difícil durante a pandemia, Genebra parece ter perdido, nos últimos anos, parte de seu atrativo como local de encontro para negociações de paz, que fizeram sua reputação. Nesse ínterim, cidades como Doha, no Catar, Istambul, na Turquia, ou ainda Cairo, no Egito, afirmaram-se como rivais sólidas.

Se essas cidades consolidaram ainda mais seu status neste ano, Genebra recuperou parte de seu antigo brilho ao sediar negociações sobre o programa nuclear iraniano e discussões entre Kiev e Washington sobre o plano de paz americano para a Ucrânia. A Rússia, que reiterou que a Suíça não seria mais um terreno neutro para negociações após a adoção, pelo país, de sanções contra Moscou, não participou dessas discussões.

Uma hipotética cúpula em 2026 entre os presidentes ucraniano e russo em Genebra, opção sugerida por alguns líderes europeus no verão passado, após o encontro entre Donald Trump e Vladimir Putin, ainda parece altamente improvável, mas não impossível. À medida que a Suíça se prepara para assumir a presidência da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), da qual a Rússia é membro, a “capital da paz” talvez ainda não tenha dito sua última palavra.

>> Escute aqui o podcast “Inside Geneva” (em inglês)

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Edição: Virginie Mangin/op

Adaptação: Alexander Thoele, com ajuda do Deepl

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