“A revolução digital tem um efeito de um tsunami na indústria suíça.”
A Suíça está pronta para surfar com sucesso na onda digital que atravessa o setor industrial. Mas cuidado, o afogamento não está excluído, adverte Xavier Comtesse.
Um comunicador nato, um faz-tudo visionário, um provocador, um extremista da inovação: não faltam termos para descrever Xavier ComtesseLink externo. O antigo cônsul científico suíço em Boston e ex-diretor do laboratório de ideias liberais Avenir SuisseLink externo, na Suíça francófona (ver quadro), publicou um livro junto com outros dez autores, incluindo Elmar Mock, co-inventor do relógio Swatch. O livro pretende destacar os pioneiros da indústria 4.0 na Suíça (“Industrie 4.0 – The ShapersLink externo“). Entrevista com um “louco” pela tecnologia.
swissinfo.ch: Vamos primeiro definir a terminologia. O que o senhor quer dizer exatamente com indústria 4.0?
Xavier Comtesse: É muito simples. É sobre a revolução digital que é utilizada na indústria. Big data, inteligência artificial, a Internet das Coisas, impressoras 3D: todas essas inovações que surgiram nos últimos dez anos estão mudando fundamentalmente a produção de máquinas, objetos e bens de consumo.
Mesmo que passe um pouco despercebida pelo público, esta quarta revolução industrial é como um tsunami para a indústria suíça como um todo.
As três revoluções anteriores, especificamente a invenção da máquina a vapor no século XVIII, das máquinas-ferramentas no final do século XIX e da maquinaria controlada por computador no século XX, foram muito importantes. Mas ela é igualmente importante, senão mais.
swissinfo.ch: O senhor pode nos dar alguns exemplos concretos?
X.C.: Há milhares. O especialista em embalagens Bobst, com sede no cantão de Vaud, por exemplo, é capaz de aguardar de maneira proativa as máquinas que vende em todo o mundo. Graças aos sensores integrados na máquina, o cliente sabe exatamente qual a peça a ser trocada em cada momento. A consulta ocorre remotamente, o que muda completamente a relação entre a fábrica e seu cliente. Em breve seremos capazes de reparar máquinas completamente à distância.
O “aprendizado de máquina” também proporciona resultados espetaculares. As máquinas fabricadas pela empresa Willemin-Macodel, no cantão Jura, podem ajustar-se se descobrirem que as peças que fabricam têm defeitos.
swissinfo.ch: Entre os ” revolucionários 4.0 ” que o senhor destaca em seu livro, há apenas algumas start-ups, mas sobretudo PMEs (pequenas e médias empresas) e grandes empresas industriais. Por quê?
X.C.: Contrariamente à opinião pública, as PMEs e as grandes empresas industriais criam mais empregos e patentes do que as empresas em fase de arranque. Eles estão mais atentos aos seus clientes e sabem como se adaptar rapidamente às suas necessidades.
Hoje, é preciso dizer que os grandes Institutos Federais de Tecnologia da Suíça (ETH), dos quais muitas empresas iniciantes emergem, perderam o bonde desta quarta revolução industrial.
Os engenheiros da Willemin-Macodel, que desenvolveram o novo sistema de autoaprendizagem, adquiriram seus conhecimentos em Delsberg através de cursos on-line na Universidade de Stanford (MOOC). A ETH de Lausanne não oferece qualquer formação em inteligência artificial.
swissinfo.ch: O senhor não está fazendo um alarido artificial sobre este slogan da “Indústria 4.0”, tendo em vista o fato de que muitas empresas já iniciaram a mudança digital há muito tempo?
X.C.: Ouço frequentemente este argumento dos empresários que se recusam a interessar-se pelas mudanças em curso. O fenômeno é particularmente marcante no mundo da relojoaria. Mas esses obsoletos esquecem que antes do lançamento do primeiro iPhone em 2007, por exemplo, não fomos capazes de coletar e analisar dados do usuário em grande escala, como faz a Tag Heuer com seu “relógio inteligente”. Conhecer os hábitos e motivações dos seus clientes é uma vantagem competitiva crucial na economia do século XXI.
swissinfo.ch: A revolução que o senhor descreve representa uma oportunidade ou um risco para a indústria suíça?
X.C.: Ambos. As empresas que não se adaptarem serão em breve condenadas à morte. Mas para aqueles que podem aproveitar a sua oportunidade, há muitas possibilidades.
Com esta mudança digital, a esperança de um deslocamento das atividades industriais para o Ocidente foi despertada pela primeira vez. A automatização quase completa da produção, possibilitada por estas novas ferramentas, permite que as nossas economias sejam novamente competitivas, face aos mercados emergentes.
swissinfo.ch: No entanto, esta automação vai deixar muitos funcionários “na mão”. Boas notícias para as máquinas, ruim para as pessoas…
X.C.: Não, pelo contrário: veremos a criação de novos empregos mais criativos e menos assustadores. As profissões estão mudando, a fronteira tradicional entre a indústria e os serviços está desaparecendo. Serão criados muitos empregos nas áreas de coaching, assistência pessoal, saúde, etc. As pessoas vão trabalhar mais e mais umas com as outras, em vez de com máquinas. Estamos de alguma forma nos aproximando do Jardim do Éden.
swissinfo.ch: O senhor é muito otimista. Mas será que a Suíça tem realmente as mesmas ferramentas para competir com os gigantes chineses e americanos, por exemplo?
X.C.: É sempre mais fácil dominar o “hardware” e depois desenvolver o “software”, ou seja, possuir o know-how, o conhecimento industrial, e depois integrar algoritmos e big data. A Suíça, com a sua grande tradição na indústria de ponta, está muito bem posicionada a este respeito em comparação com outros países como os EUA, que favoreceram a abordagem “software”.
swissinfo.ch: As autoridades suíças reconheceram os desafios que o senhor descreve?
X.C.: Não, há muita ignorância no mundo político. Nenhum conselheiro federal está em posição de entender as mudanças na indústria. O meu livro também tem uma função educativa. Gostaria de utilizar exemplos concretos para mostrar como estas mudanças afetam as empresas. Enviarei a cada conselheiro federal uma cópia do meu livro.
Xavier Comtesse
Xavier Comtesse, nascido em 1949, é cientista, diplomata, fundador de start-ups e think tanks (bancos de ideias). Licenciado em Matemática e Ciências da Computação, com doutoramento pela Universidade de Genebra, fundou três start-ups em Genebra nos anos 70, incluindo as Éditions ZoéLink externo.
Em 1992 foi nomeado diretor da Secretaria Nacional de Ciência, Pesquisa e Educação, em Berna. Em 1995 foi enviado para a Embaixada da Suíça em Washington, como diplomata científico. Em 2000 tornou-se o primeiro Cônsul de Ciências suíço em Boston, onde desenvolveu o conceito SwissnexLink externo.
Em 2002 foi nomeado Diretor do Think Tank Avenir Suisse, que lida principalmente com questões de inovação. Em 2012 ele fundou o Swiss Creative CenterLink externo , a pedido da Câmara de Comércio e Indústria de Neuchâtel, que se dedica à nova revolução industrial. Dois anos mais tarde, juntamente com Elmar Mock, fundou o “Watch Thinking”, um think tank para a indústria relojoeira. Em 2015, a coleção “Health@Large” foi completada com um novo think tank para a saúde digital.
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.