The Swiss voice in the world since 1935

Geleiras da América do Sul em risco de extinção

Geleira
A geleira em Nevado del Ruiz, a 5.320 metros acima do nível do mar na Colômbia, teve sua área de superfície reduzida pela metade desde a década de 1980. 2021 Anadolu Agency
Série World glaciers, Episódio 1:

Colômbia e Equador abrigam algumas das poucas geleiras tropicais do planeta. Essas geleiras são particularmente vulneráveis às mudanças climáticas, e o seu derretimento tem consequências que vão além dos impactos sobre ecossistemas e recursos hídricos.

Assine AQUI a nossa newsletter sobre o que a imprensa suíça escreve sobre o Brasil, Portugal e a África lusófona.

Para os Kogui, uma comunidade indígena do norte da Colômbia, a cadeia montanhosa da Sierra Nevada de Santa Marta é o centro do Universo. Seus rios e florestas fazem parte de um ser vivo, onde a montanha é um corpo e a geleira é seu cérebro. O derretimento das geleiras, segundo eles, é um sinal de desequilíbrio entre o ser humano e a natureza.

Das 14 geleiras tropicais que existiam na Colômbia no início do século 20, hoje restam apenas seis. A última a desaparecer completamente, a geleira Conejeras, sumiu há pouco mais de um ano.

O Serviço Mundial de Monitoramento de Geleiras (WGMSLink externo) coleta e analisa dados sobre o balanço de massa, volume, extensão e comprimento das geleiras do planeta. Foi criado em 1986 e tem sede na Universidade de Zurique, na Suíça. O WGMS possui uma rede de correspondentes nacionais em mais de 40 países.

Por ocasião do Ano Internacional para a Conservação das Geleiras, entramos em contato com alguns desses especialistas para saber qual é a situação das geleiras em suas regiões, as consequências do derretimento do gelo e as estratégias de adaptação.

“Perdemos 30% da superfície glacial nos últimos doze anos”, diz Jorge Luis Ceballos Liévano, do Instituto Nacional de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais da Colômbia (IDEAM). Ceballos Liévano é o correspondente nacional na Colômbia do Serviço Mundial de Monitoramento de Geleiras (WGMSLink externo), com sede na Suíça.

“Se essa tendência continuar na segunda metade deste século, as geleiras colombianas poderão desaparecer”, alerta. A Venezuela, país vizinho, é o primeiro do planeta a ter perdidoLink externo todas as suas geleiras.

A situação é semelhante no Equador, onde a superfície total das geleiras passou de pouco mais de 97 km² no fim dos anos 1950 para 37 km² atualmente, segundo Bolívar Ernesto Cáceres Correa, glaciologista do Instituto Nacional de Meteorologia e Hidrologia e correspondente nacional no Equador do WGMS. “As geleiras abaixo dos 5.130 metros de altitude provavelmente desaparecerão na próxima década”, prevê.

>> Leia: Geleiras perderam 450 bilhões de toneladas de gelo em um ano

Efeitos do El Niño sobre as geleiras dos Andes

Colômbia e Equador estão entre os poucos países do mundo que abrigam geleiras tropicaisLink externo. Essas geleiras se formaram na faixa tropical, em altitudes superiores a 4.500 e cinco mil metros, onde as temperaturas são suficientemente frias para transformar chuva em neve.

Geleiras tropicais também existem na Bolívia, Peru, Venezuela, Chile e Argentina, na África Oriental (Quênia, Uganda e Tanzânia) e na Indonésia. Ao contrário das geleiras alpinas, as tropicais dependem da estação das chuvas. O período de acúmulo, durante o qual a geleira cresce, é relativamente curto, enquanto o derretimento se estende por quase todo o ano.

Essas geleiras são particularmente vulneráveis às mudanças climáticas. Como estão em áreas já quentes, basta um leve aumento de temperatura para provocar seu rápido derretimento. Um estudoLink externo recente da Organização Meteorológica Mundial (OMM) revelou que as geleiras tropicais estão derretendo dez vezes mais rápido do que a média global cumulativa. Entre 2000 e 2023, perderamLink externo mais de 20% de sua massa.

As geleiras da cordilheira dos Andes são muito sensíveis aos efeitos do El Niño, afirma Jorge Luis Ceballos Liévano. El Niño é um fenômeno climático periódico que se manifesta com um aquecimento anômalo das águas superficiais do Oceano Pacífico equatorial e que causa um aumento nas temperaturas globais.

Consequências negativas para a biodiversidade e o turismo

As geleiras andinas alimentam a bacia amazônica – a maior bacia hidrográfica do planeta – e inúmeros rios do continente. Diferentemente de outras geleiras, fornecem água para regiões áridas e semiáridas. A longo prazo, o derretimento do gelo resultará em grave escassez hídricaLink externo para milhões de pessoas que dependem dos cursos d’água para beber, cozinhar, irrigar plantações e produzir energia hidrelétrica.

Outra consequência é a alteração da biodiversidade nas áreas próximas às geleiras e no Páramo, a “esponja” dos Andes, explica Bolívar Ernesto Cáceres Correa. O Páramo é um ecossistema montanhoso andino semelhante a uma charneca. Tem a capacidade de armazenar a água do degelo das geleiras e liberá-la nos meses secos. O aumento das temperaturas e a redução dos recursos hídricos podem alterar a composição da flora e da fauna desse ecossistema único.

Páramo na Colômbia
O Páramo é um ecossistema típico da Colômbia e de outros países da América Latina, rico em água e biodiversidade. Copyright 2024 The Associated Press. All Rights Reserved

O derretimento do gelo também criou fendas e áreas instáveis que impactaram negativamenteLink externo as atividades turísticas nas montanhas. “Houve uma queda drástica no número de pessoas interessadas em escalar as montanhas nevadas do Equador”, afirma Cáceres Correa.

Na Colômbia, a maioria da população considera as geleiras uma parte importante da paisagem montanhosa e um patrimônio ambiental, observa Jorge Luis Ceballos Liévano. Para algumas comunidades indígenas, as geleiras são territórios sagrados e espirituais, cujo desaparecimento ameaçaLink externo tradições seculares.

“A redução das geleiras tem efeitos culturais e espirituais significativos para as comunidades que vivem em áreas de alta altitude”, segundoLink externo Elizabeth Allison, professora de ecologia e religião no California Institute of Integral Studies, nos Estados Unidos.

Divindades menos poderosas sem as geleiras

A gestão sustentável dos recursos hídricos e a conservação de ecossistemas montanhosos como o Páramo estão entre as principais estratégias de adaptação ao derretimento das geleiras andinas. As iniciativas no Equador concentram-se especialmente na otimização da pecuária e no uso mais eficiente da água na agricultura, explica Bolívar Ernesto Cáceres Correa. No passado, a Suíça financiou projetos para introduzir novos métodos de irrigação na Bolívia.

Os países sul-americanos também precisam diversificar suas fontes de energia. A energia hidrelétrica fornece cerca de 45% da eletricidadeLink externo produzida no continente (63% na Colômbia e 79% no Equador, segundo dados de 202Link externo3). Com a diminuição progressiva do fluxo glacial, haverá menos água para movimentar as turbinas e gerar eletricidade. A alternativa é investir em outras fontes energéticas, como a solar e a eólica.

Um projeto suíço buscou preservar a água de uma geleira na Bolívia combinando o conhecimento ancestral com novas tecnologias, como mostra este vídeo:

Mostrar mais

As celebrações ligadas às divindades que vivem nos picos nevados continuarão mesmo sem as geleiras, embora alguns rituais tenham sido modificadosLink externo. Por exemplo, durante as procissões de Quyllurit’i, no Peru, não é mais permitido cortar blocos de gelo e levá-los de volta ao vilarejo, com a crença de que a água do degelo teria poderes curativos.

No entanto, há quem tema que, com a redução da superfície glaciar, os espíritos da montanha fiquem menos poderososLink externo e forneçam menos proteção às comunidades indígenas. Seja pelo culto ou pela ciência, ambas as perspectivas concordam: as geleiras são essenciais para a vida.

Edição: Gabe Bullard

Adaptação: Alexander Thoele

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR