
María Corina Machado, cérebro e coração da oposição na Venezuela

Muitos venezuelanos choram ao vê-la passar, outros correm para o veículo que a transporta e alguns a chamam inclusive de “libertadora”: vencedora do Prêmio Nobel da Paz nesta sexta-feira (10) e incansável opositora do governo, María Corina Machado desperta um sentimento quase religioso em seu país.
“O que é isso? Não posso acreditar”, reagiu a figura da oposição em conversa com seu aliado Edmundo González ao saber da premiação. “Estou em choque!”, disse a política, que vive na clandestinidade.
Vestindo jeans e camisa branca, Machado, nascida em Caracas há 58 anos, percorreu o país durante a campanha presidencial em 28 de julho de 2024, com uma mensagem de mudança após 25 anos de governos chavistas.
Seus apoiadores destacam a sua “coerência”, sem meias medidas, e sua promessa de acabar com o socialismo da Revolução Bolivariana e abrir caminho para um sistema liberal.
Nas primárias da oposição que antecederam as eleições de 28 de julho de 2024, Machado conquistou mais de 90% dos votos. No entanto, foi impedida de concorrer devido a uma polêmica inabilitação política e teve que ceder sua candidatura presidencial ao diplomata Edmundo González Urrutia, indicado de última hora. Mesmo assim, ela foi a força motriz da campanha opositora.
Após a reeleição de Maduro para um terceiro mandato até 2031, ambos acusaram o presidente e o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) de fraude.
– “Expropriar é roubar” –
Engenheira de profissão e mãe de três filhos, Machado iniciou sua carreira política em 2002, quando fundou a organização Súmate, que promoveu um referendo para revogar o mandato do então presidente Hugo Chávez, falecido em 2013 em decorrência de um câncer. Ela foi eleita para o Parlamento, onde confrontou Chávez quando o presidente era intocável, quase um deus.
“Expropriar é roubar”, disse a Chávez em seu relatório anual ao Parlamento em 2012.
“Sugiro que você ganhe as primárias porque está fora da disputa para debater comigo”, retrucou o presidente. “Águia não caça moscas”.
Uma década depois, especialistas comparam o fenômeno político de Machado à popularidade do próprio Chávez.
Em outubro, ela consolidou sua posição como líder da oposição ao vencer as primárias, mas sua candidatura presidencial foi frustrada por uma proibição de 15 anos que a Suprema Corte ratificou.
– “Nossa libertadora” –
Embora não estivesse na cédula eleitoral, ela foi o rosto da campanha. Durante meses, viajou pelo país de carro porque o chavismo não a permitia embarcar em um avião. E em cada parada, era recebida por multidões entusiasmadas.
“Ela é a nossa libertadora”, disse Trina Rosales, de 60 anos, durante a campanha eleitoral após uma enorme caravana em San Cristóbal (estado de Táchira, oeste). “Ela é a nossa esperança, a nossa liberdade”, acrescentou sua filha de 40 anos, Michelle Rosales.
Sentada no para-brisas, ela cumprimentava qualquer pessoa que lhe estendesse a mão.
“Vamos conquistar a libertação do nosso país, vamos trazer nossos filhos de volta para casa”, afirmou Machado durante a campanha.
Cerca de 7 milhões de venezuelanos emigraram desde 2014 em meio à crise. É uma realidade que a afeta diretamente: seus filhos — Ana Corina, Henrique e Ricardo — vivem no exterior e ela está proibida de sair do país.
Muitas vezes, uma chamada de vídeo é a única forma de comunicação.
“Ela beija o celular quando recebe uma mensagem ou fala com eles”, relatou Magalli Meda, seu braço direito.
– “Até o fim” –
Maduro frequentemente ataca Machado, a quem inclui no que chamou de “casta amaldiçoada dos sobrenomes”, referindo-se às famílias “oligarcas”. Embora Machado venha de uma família acomodada, ela não é uma das mais ricas.
O segundo no comando do chavismo, Diosdado Cabello, também costuma zombar dela com nomes como “María con ira” (María com raiva, em tradução livre) ou “La sayona”, um espírito do folclore venezuelano que, assim como Machado, tem a pele branca e os cabelos pretos lisos.
Ela também é acusada de ser “lacaia” dos Estados Unidos por defender uma economia de livre mercado e propor a privatização da Petróleos de Venezuela (PDVSA), a principal fonte de renda do país.
Seu slogan “até o fim” se tornou seu mantra.
jt-lbc/dbh/aa/jc