
O preço da ‘Grande Muralha Verde’, aposta ecológica da China

Dorj, um pastor da etnia mongol, sente saudades do tempo em que seus animais pastavam livremente nas imensas estepes que cercam um deserto de dunas no norte da China.
Seu rebanho, reduzido a cerca de vinte ovelhas, está agora confinado em um cercado ao redor de sua casa de tijolos perto do deserto de Kubuqi, na região da Mongólia Interior.
Estes terrenos são “muito pequenos”, lamenta o pastor na casa dos 60 anos, em frente a uma yurt abandonada, a tenda tradicional das estepes da Ásia Central.
A proibição do pastoreio livre é um das medidas-chave de um projeto colossal lançado em 1978 pela china chamado de a ‘Grande Muralha Verde’.
O plano visava criar um cinturão de vegetação para conter o avanço dos desertos e reduzir as tempestades de areia que chegavam até Pequim.
Desde então, seus objetivos evoluíram e incluem também a conversão de zonas áridas em terras cultiváveis.
O gigante asiático agora o promove como vitrine de sua política ambiental. Em setembro, na ONU, seu presidente Xi Jinping anunciou a ampliação da cobertura florestal como parte de seus compromissos contra as mudanças climáticas.
No deserto de Kubuqi e arredores, o plantio do equivalente a 840.000 campos de futebol de árvores e vegetação gerou dezenas de milhares de empregos na agricultura e reduziu a pobreza, comemorou uma agência da ONU em 2015.
– “Montanhas de ouro” –
A oeste de Kubuqi, Bai Lei, uma agricultora de etnia han – maioria na China-, planta tubérculos.
A sua empresa é uma das dezenas que seguiram as orientações do governo para cultivar neste condado este ingrediente apreciado na medicina chinesa pelos seus efeitos tonificantes.
“Aqui, tudo era apenas deserto”, explica ela com orgulho, apontando para uma área de 300 hectares coberta de milho e girassol.
Ao redor de seus campos, enormes cartazes exibem um slogan de Xi Jinping: “Águas claras e montanhas verdes são montanhas de ouro e prata”.
Mas essas transformações repercutiram no estilo de vida tradicional dos pastores mongóis, uma etnia que representa aproximadamente 17% da população dessa região.
Para proteger os brotos, o governo restringiu drasticamente as áreas de pastagem e enviou patrulhas à região para garantir o cumprimento dessas regras.
– Protestos –
O projeto “forçou os pastores a deixar suas terras e perturbou práticas sustentáveis que mantinham há milênios o frágil equilíbrio das estepes”, disse à AFP Enghebatu Togochog, um ativista mongol exilado nos Estados Unidos.
Segundo ele, o nomadismo desapareceu totalmente da região da Mongólia Interior há dez anos.
Em 2017, pesquisadores chineses reconheceram em um artigo que a responsabilidade dos pastores pela desertificação pode ter sido superestimada em relação a fatores como a exploração do carvão, a agricultura intensiva ou as mudanças climáticas.
Para Enghebatu, esse impulso de reflorestamento “pretende, na verdade, transformar completamente a paisagem mongol”, inclusive a social. “Os únicos verdadeiros beneficiários são o Estado chinês e as empresas”, afirma.
A proibição provocou manifestações de pastores e confrontos que em algumas ocasiões levaram a prisões, segundo diferentes ONGs.
Durante esta reportagem, carros não identificados seguiram os jornalistas da AFP e homens que se apresentaram como funcionários locais tentaram interromper as entrevistas. Muitos interlocutores se recusaram a se identificar.
– Cabeça erguida –
Nem a empresa Elion Resources Group, que lidera o programa de reflorestamento de Kubuqi, nem as autoridades locais de Ordos responderam à AFP.
O impacto nos estilos de vida tradicionais não é a única objeção à ‘Grande Muralha Verde’. Também existem artigos científicos que lamentam a escolha de variedades de plantas não autóctones ou que necessitam de muita água, além da escassa diversidade.
“Uma planta que consome muita água pode empobrecer o lençol freático e provocar uma nova degradação”, afirma a estudante de doutorado Zhang Yanping, que recolhe amostras de álamos e pinheiros plantados na zona há mais de dez anos e com aspecto frágil.
Wang Shuai, geógrafo universitário de Pequim, também destaca “as importantes funções ecológicas” dos desertos, “como a conservação da água e da biodiversidade”. Mais do que fazê-los desaparecer, seria necessário impedir a sua expansão, afirma.
Diante de um terreno em Kubuqi, o Sr. Feng rejeita as críticas a este programa. Ex-agricultor, este homem da etnia han agora se dedica a alugar quadriciclos para turistas.
“Os recursos são mais abundantes e nossas vidas mais prósperas”, disse. “Temos conseguido levantar a cabeça, com orgulho”.
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