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Imagens de Gaza podem mudar outros países

Manifestantes com cartaz de Chávez, em Sana, capital do Iêmen. Keystone

Países árabes pouco habituados a manifestações não conseguiram evitar que seus cidadãos invadissem as ruas para protestar contra a ofensiva israelense em Gaza.

Os protestos ocorreram devido às imagens das redes de televisão árabes presentes em Gaza e que emitem por satélite, na opinião do jornalista Kamel Dhif, responsável pela redação árabe de swissinfo.

Enquanto Israel continua a impedir a entrada em Gaza de jornalistas israelenses e da imprensa ocidental estrangeira, a cobertura das televisões árabes em Gaza está provocando mudanças na opinião pública e nos governos do mundo árabe, que ainda são difíceis de avaliar. Certos governos particularmente repressivos, como na Tunísia, Argélia e Mauritânia, entre outros, tentaram conter as manifestações de protesto nas ruas, mas não conseguiram.

Cháves e Morales nas ruas

Por outro lado, o fato de a Venezuela e a Bolívia terem rompido relações diplomáticas com Israel, transformou os presidentes Hugo Chávez e Evo Morales em ídolos populares, citados como exemplos em cartazes de rua para os governos desses países. No Coveite, um deputado, Walid al-Tabtabai, chegou a propor no Parlamento a transferência da Liga Árabe do Cairo para Caracas.

“Muita gente levou flores às embaixadas da Venezuela e da Bolívia, enquanto atiravam sapatos na embaixada do Egito”, afirma o jornalista tunisiano Kamel Dhif, chefe da redação árabe de swissinfo.

Ele explica que é preciso distinguir as televisões árabes que têm correspondentes em Gaza das outras. A rede Al-Arabiya, baseada em Dubai e financiada com capital saudita e coveitiano, está presente em Gaza e muito sutilmente defende a posição de Israel, ao acusar o Hamas de ter rompido a trégua atirando foguetes contra o território israelense. Ela praticamente omite as opiniões do Hamas e prefere refletir a posição da Autoridade Palestina, na Cisjordânia, adversária do Hamas.

A Al-Jazira, do Catar, a maior das televisões árabes e que emite também em inglês, tem seis repórteres em Gaza, quatro para as transmissões em árabe e dois em inglês. Ela é captada em todos os países árabes.

A emissora houve opiniões divergentes e recentemente divulgou uma entrevista em que presidente israelense Shimon Peres disse ao repórter que a Al- Jazira deveria cessar de divulgar imagens das vítimas dos bombardeios israelenses. O repórter retrucou dizendo que a televisão não tinha aviões de caça e que ele, Peres, tinha o poder de suspender os ataques aéreos.

Canais pequenos

Mas o fenômeno novo na cobertura, que está levando o povo a se manifestar nas ruas, são os pequenos canais locais, segundo Kamel Dhif. É o caso da Al-Aksa, a televisão do movimento Hamas. Ela está mostrando as imagens das vítimas praticamente ao vivo. Foi ela que noticiou primeiro e mostrou as imagens da morte do ministro do Interior do Hamas, Said Siyam, quinta-feira (15), morto em um bombardeio em Gaza.

Outra televisão palestina, a Aramtan também está mostrando as vítimas civis atingidas pelos bombardeios. A Al-Manar (O farol) do movimento Hezzbolah libanês é outro dos pequenos canais presentes em Gaza. Essas pequenas televisões emitem pelo satélite Nilesat.

Existem ainda as emissoras de televisão oficiais, que, com exceção da Líbia, da Síria, do Catar, do Sudão e do Iêmen, são próximas da posição da Autoridade Palestina e ignoram o Hamas.

“Elas não queriam cobrir o conflito, mas tiveram de mudar um pouco a programação para se adaptar ao público, que via a realidade da guerra nos outros canais”, explica Dhif. Anularam então certos programas musicais e começaram a dar mais espaço para o que ocorre em Gaza, sempre com a interpretação da Autoridade Palestina.

Entre as ocidentais, o canal árabe da BBC de Londres tem uma cobertura equilibrada “à maneira britânica”, afirma Dhif. A americana CNN está um pouco mais equilibrada que habitualmente e os canais franceses, que já vinham perdendo audiência, desta vez cairão de vez em audiência nos países da África do Norte, devido a uma posição “claramente favorável a Israel”, prevê o jornalista.

swissinfo, Claudinê Gonçalves

“Uma guerra vira duas”, é o título que uma reportagem do jornal suíço Tagesanzeiger, que analisa a cobertura da Al-Jazira em inglês com a da CNN norte-americana.

Segundo o jornal, a Al-Jazira aplica um estilo de jornalismo tecnicamente ocidentalizado, mas deixa transparecer sua simpatia pelos palestinos nos detalhes. Assim, por exemplo, para explicar o que é um criminoso de guerra, comparou os israelenses ao líder sérvio Radovan Karadyic, responsável pelo massacre de Srebrenica.

“É uma cobertura intensa. Os números de vítimas são repetidos a cada 15 minutos. Até imagens de bebês mortos são exibidas”, escreve o jornal. A emissora árabe também entrevista fontes israelenses, mas faz cortes abruptos nas declarações deles. Especialistas árabes e ocidentais que condenam os ataques a civis e a situação humanitária ganham mais espaço.

“A CNN prefere falar com seu próprio pessoal sobre Gaza. Homens engravatados e mulheres sérias trazem as notícias do dia”, escreve o Tagesanzeiger. “A guerra, que se chama conflict na CNN, aparece em manchetes intercaladas entre os noticiários principais.”

“Como o exército israelense proíbe a entrada da imprensa ocidental em Gaza, a CNN quase não tem imagens para mostrar. Sem imagens não há guerra. Pelo menos não na televisão. Os militares israelenses aplicam o que aprenderam com os milirares dos EUA”, continua o diário.

“Na falta de imagens, a CNN faz uma análise da concorrência: Examining Arab media’s coverage of the fighting, com imagens da Al-Jazira. Em dois minutos, a análise do noticiário árabe está concluída. Israelenses e palestinos não foram ouvidos: falar sobre em vez de falar com”, conclui o jornal.

swissinfo, Geraldo Hoffmann

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