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Como informar sobre a China sem estar por lá?

Taiwan
Taipé é considerada a melhor base para escrever sobre a China. Bruno Kaufmann/swissinfo.ch

As autoridades chinesas estão forçando jornalistas estrangeiros a sair do país. Muitos se mudaram para Taiwan. Mas, como os correspondentes podem relatar sobre um país sem estar lá? Demos uma olhadinha: em Taipei.

“Bem-vindo ao nosso clube”, William Yang me cumprimenta em um café em Taipei. Estou aqui para um evento organizado pelo Clube de Correspondentes Estrangeiros de Taiwan.

Yang, um jornalista taiwanês, é presidente do clube. Em dois anos, este cresceu de um pequeno grupo de jornalistas para um centro internacional de jornalismo que abrange toda a Ásia Oriental – incluindo a China.

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William Yang, correspondente da emissora Deutsche Welle e presidente do Clube de Correspondentes Estrangeiros de Taiwan. Bruno Kaufmann

“Há alguns anos tínhamos talvez cinco ou seis jornalistas internacionais, agora temos pelo menos dez vezes mais esse número”, diz ele. Alguns minutos após nossa reunião, chegam colegas do New York Times, The Economist, NPR National Public Radio e do Los Angeles Times.

De Pequim a Taipei

Desde 2019, muitos grandes veículos de notícias internacionais tiveram que mudar seu escritório chines de Pequim para Taipei, que é considerada a próxima melhor opção para cobrir a China, quando você não pode estar lá. Taiwan é uma democracia de língua chinesa. Quatro em cada cinco taiwaneses – a ilha tem 23 milhões de habitantes – falam mandarim, ou “Huayu”, como é chamado o mandarim taiwanês.

2019 foi o ano em que a pandemia começou na China. Foi também o ano em que o governo chinês, sob a liderança de Xi Jinping, reprimiu mais duramente a liberdade de expressão e de imprensa.

Os denunciantes, e quaisquer vozes que contradissessem a narrativa oficial do partido sobre o vírus, eram silenciados. A política do “zero-covid” levou com que cidades fossem isoladas por semanas, senão meses. As pessoas que deixaram o país não tinham certeza se seriam autorizadas a voltar – e, se o fizeram, foi a custo de longas quarentenas e sob incerteza sobre quando realmente poderiam retornar para casa.

Muitos jornalistas tiveram dificuldade para renovar seus vistos, forçando a mídia internacional a repensar sua cobertura da China, e a considerar como administrar seus escritórios de Pequim com menos pessoal.

Em alguns casos eles deixaram o país por completo, porque se deram conta de que cobertura midiática da China continental não valia o preço: maior vigilância dos correspondentes estrangeiros, acesso restrito às fontes, e assédio aos assistentes.

Trolagem on-line, negação de visto, ataques físicos

Um relatório publicado em 2021 pelo Clube de Correspondentes Estrangeiros da China, descreve um quadro sombrio da cobertura de imprensa no país. Com o título “Bloqueado ou expulso”, ele lista várias táticas utilizadas para intimidar os jornalistas. Estas incluem trolagem online, ataques físicos, cyber-hacking e negação de visto.

Hoje, a China ocupa uma das últimas posições no Índice de Liberdade de Imprensa de 2022, publicado por Repórteres sem Fronteiras. O país está em 175ª lugar, entre 180 países. Ao mesmo tempo, no mesmo ranking, Taiwan consolidou sua posição de liderança como o lugar mais livre para a cobertura de imprensa no Leste Asiático.

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O Wine Café em Taipé é o local para uma reunião de correspondentes internacionais. Bruno Kaufmann/swissinfo.ch

Mas, como o Ocidente pode entender a China quando cada vez mais jornalistas estão deixando o país? Afinal, a China é a segunda maior economia do mundo, tem uma população de 1,4 bilhões de habitantes e está se tornando cada vez mais importante do ponto de vista geopolítico.

“Consideramos muitos locais possíveis, antes de decidirmos estabelecer nosso escritório regional aqui em Taipei”, diz Sebastian Stryhn Kjeldtoft, correspondente asiático do jornal dinamarquês “Politiken”. “Na verdade, queríamos retornar a Pequim, mas a embaixada chinesa em Copenhague nos aconselhou a não fazê-lo.”

Reputação da Suíça ajuda

O jornal suíço NZZ também decidiu posicionar seu “correspondente geopolítico” em Taipei. Este é um novo posto para o jornal suíço. O correspondente fará reportagens sobre desenvolvimentos estratégicos na região do Indo-Pacífico.

“Há dez anos, o NZZ certamente teria ido para Pequim: há cinco anos Hong Kong teria sido nossa primeira escolha, mas agora decidimos que vamos para Taipei”, explica Patrick Zoll, antigo editor asiático em Zurique, que abriu o escritório do jornal em Taipei há alguns meses.

Entretanto, ao contrário da maioria das empresas anglo-saxônicas de mídia, a mídia suíça ainda mantém correspondentes estrangeiros na China.

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Os jornalistas Patrick Zoll (jornal NZZ, esquerda) e Sebastian Stryhn Kjeldtoft (Politiken, Dinamarca). Bruno Kaufmann

“Como representante da mídia suíça, eu ainda desfruto de uma reputação relativamente alta. Isso pode ter algo a ver com a neutralidade da Suíça”, diz o correspondente Matthias Kamp, que está trabalhando da China pela terceira vez desde 1990. “Hoje, você realmente se pergunta se não seria melhor trabalhar de outro lugar que não Pequim. Todos estão nervosos e ansiosos aqui. Meus pedidos de entrevistas simplesmente não recebem mais resposta.”

A cobertura de imprensa da China tem um preço: Kamp diz que cada conversa – inclusive aquela que teve comigo através do aplicativo Microsoft Teams – é lida e gravada pelas autoridades. Mas ele tem dúvidas sobre reportagens sobre a China, que vem de fora do país. “O Wall Street Journal faz agora sua cobertura da China com oito pessoas de Cingapura. Não tenho certeza se isso funciona bem”, diz ele.

Histórias cotidianas

Uma “solução” para a mídia e correspondentes chineses sediados fora da China é empregar editoras e editores de notícias locais como freelancers. Alguns escritórios também contrataram uma assistência chinesa.

Eles não podem reportar, mas podem apoiar – e estão sob constante pressão das autoridades, diz Kamp. O próprio Kamp está em contato constante com a embaixada da Suíça e com o embaixador em Pequim. “Se algo acontecesse comigo, este contato seria útil”, diz ele.

Seus colegas do canal público suíço de televisão SRF transferiram seu escritório de Pequim para Xangai. Samuel Emch, correspondente da Rádio SRF na Ásia Oriental, aprecia a relativa abertura da cidade portuária. “Xangai tem uma qualidade de vida melhor do que Pequim, e é também um pouco mais ‘livre’ do que a capital”, afirma.

Apesar de todas as restrições e limitações da mídia estrangeira na China de hoje, Emch aprecia a proximidade com a sociedade chinesa. “Não consigo realmente imaginar reportagens sobre a China feitas de fora da China. A mim faltaria a sensibilidade para as histórias do dia a dia. Reportagens das províncias, por exemplo, se tornariam quase impossíveis.”

Despertar democrático?

Neste inverno, Emch relatou uma série de protestos contra a política de zero-covid: o primeiro sinal de oposição aberta em anos. “Muitas pessoas sentiram a onda de protestos contra a rígida política de zero-covid do governo como uma pequena libertação. Encontrei pessoas nas ruas que de repente deixaram seu medo de lado, e queriam falar conosco.”

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ZhiangWang

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Wang Zhian: a voz democrática da China

Este conteúdo foi publicado em O jornalista chinês Wang Zhian tinha mais de seis milhões de “seguidores”. Censurado pelo governo, hoje luta para ser escutado. Entrevista da série “Vozes globais da Liberdade”.

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Após os protestos, a China surpreendentemente acabou com a política de zero-covid em novembro. Desde então, existem novamente mais voos para o país, e a quarentena não é mais obrigatória. Mas resta saber se isto também facilitará a entrada de correspondentes estrangeiros.

Alguma clareza pode vir quando o Congresso Nacional Popular começou em Pequim, em 5 de março. “Acabo de solicitar meu credenciamento, e agora estamos aguardando uma resposta”, diz Kamp. No outono passado, quando foi realizado o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, seu pedido para cobrir o discurso de abertura de Xi Jinping ficou sem resposta por parte das autoridades.

Quando perguntei ao Ministério das Relações Exteriores chinês quantos repórteres estrangeiros ainda estavam credenciados na China, eles me pediram para eu fazer minhas perguntas por fax. Eu ainda estou esperando a resposta.

Edição: Virginie Mangin

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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