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O que esperar do retorno dos EUA ao Conselho de Direitos Humanos da ONU?

The Human Rights Council meets at the United Nations European headquarters in Geneva.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU realiza sua 49ª sessão em Genebra de 28 de fevereiro a 1º de abril. Keystone / Salvatore Di Nolfi

Após uma ausência de seis anos, os Estados Unidos voltam ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Além do aspecto simbólico, seu retorno fará realmente uma diferença?

Os Estados Unidos disseram que sua política externa seria guiada pelos direitos humanos. Sua adesão ao Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH) põe à prova essa afirmação, dizem os especialistas.

O país retorna este mês como membro do CDH, depois de ter abandonado esse órgão da ONU baseado em Genebra em 2018 por uma decisão do ex-presidente americano Donald Trump. Autoridades norte-americanas na época citaram como razões para a saída o “viés crônico contra Israel” e o histórico de direitos humanos questionável de alguns de seus membros.

Os EUA estão agora de volta tendo adquirido o status de observador no ano passado, e sendo eleitos para cumprir um mandato de três anos como membro do Conselho a partir de 2022. “O governo americano tem um enorme poder diplomático, o que pode fazer uma grande diferença. Se ele implantar seu exército de diplomatas para reunir apoio às resoluções, isso pode ajudá-los a passar”, afirma Kenneth Roth, diretor executivo da ONG Human Rights Watch (HRW).

Mas fazer realmente uma diferença vai depender do compromisso da administração do presidente americano Joe Biden de proteger e promover os direitos humanos. Phil Lynch, diretor da ONG International Service for Human Rights (ISHR), espera que os EUA se abstenham de abordar as questões através de uma lente política ou ideológica. “Temos a esperança e a expectativa de que os EUA lidem com situações de direitos humanos principalmente levando em conta seus méritos de direitos humanos e aplicando critérios objetivos, tais como a gravidade e severidade das questões”, diz ele.

Biden tem dito repetidamente que os direitos humanos estariam no centro da política externa dos EUA. Como observador no conselho, o país pode participar dos trabalhos, mas não podem votar. Sua participação no Conselho será, portanto, um teste de seu compromisso declarado com a causa.

Pressionando aliados

“O teste será a atitude da administração Biden quando seus amigos são violadores dos direitos humanos”, diz Roth. De acordo com ele, como os EUA decidirão abordar as situações de direitos humanos, por exemplo, no Iêmen ou no Egito será particularmente revelador.

Desde 2014, uma guerra civil no Iêmen entre as forças rebeldes Houthi apoiadas pelo Irã e as forças governamentais apoiadas pela Arábia Saudita tem produzido, dizem especialistas em direitos humanos, provas de graves violações dos direitos humanos, entre elas crimes de guerra e crimes contra a humanidade. O CDH aprovou uma resolução em 2017 estabelecendo um grupo de especialistas para investigar as violações do direito internacional por todas as partes em conflito. Mas em 2021, o Conselho votou contra a renovação do mandato do grupo.

Roth diz que a Arábia Saudita usou uma combinação de “ameaças e incentivos” nos bastidores para bloquear a investigação que o CDH havia estabelecido sobre o Iêmen. A medida, acredita Roth, estabeleceu um mau precedente em termos de credibilidade para o Conselho e teve um efeito devastador no terreno, onde as baixas civis aumentaram.

O teste ao compromisso dos EUA de proteger e promover os direitos humanos será se os EUA farão moções para reabrir a investigação comparavelmente dura sobre o Iêmen, apesar da oposição da Arábia Saudita que é um país aliado.

Há indícios de que os EUA possam estar dispostos a pressionar alguns de seus aliados sobre os direitos humanos. Em janeiro, a administração Biden reteve 130 milhões de dólares de assistência militar ao Egito por questões de direitos humanos, embora na mesma semana tenha aprovado a venda de equipamentos militares no valor de 2,5 bilhões. “Um passo na direção certa, mas um passo modesto”, diz Roth.

O Egito tem sido criticado por organizações de direitos humanos por sua repressão à dissidência sob a liderança do presidente Abdel Fattah el-Sisi. O CDH nunca adotou uma resolução crítica sobre o Egito.

O Vácuo…e a China

Em um discurso que marcou a decisão dos EUA de voltar ao Conselho, o secretário de estado norte-americano Antony Blinken disse que a retirada de Washington em 2018 “nada fez para incentivar mudanças significativas, mas, em vez disso, criou um vácuo de liderança norte-americana, que os países com agendas autoritárias usaram a seu favor”.

Lynch argumenta que há um fundo de verdade nesta avaliação. “A China usou a ausência dos EUA como uma oportunidade para acelerar seus esforços para reescrever os padrões do direito internacional referente aos direitos humanos, e para cooptar e instrumentalizar o sistema internacional de direitos humanos para perseguir os objetivos e a ideologia do Partido Comunista Chinês”.

Um desses esforços foi uma resolução liderada pela China para promover a “cooperação mutuamente benéfica” no campo dos direitos humanos. A resolução foi adotada pelo Conselho em 2020. A China apresentou uma resolução inicial sobre o tema, que foi adotada em 2018.

Os grupos ligados a direitos humanos criticam a moção, que, segundo eles, redireciona o trabalho do conselho para noções vagamente definidas de diálogo e cooperação, à custa da prestação de contas. De acordo com eles, o resultado da votação de 2020 (23 a favor, 16 contra e 8 abstenções) destaca a natureza divisória da iniciativa e o fato de os membros do Conselho estarem agora mais conscientes da estratégia da China. Em contraste, a resolução inicial de 2018 foi adotada por 28 votos a favor e um único voto contra dos EUA. 17 países se abstiveram, muitos deles europeus.

Mas enquanto os países da UE votaram contra a resolução de 2020, muitos Estados africanos votaram a favor. Grupos de direitos humanos argumentam que a China usou sua iniciativa “Belt and Road” para garantir os votos da ONU entre as nações em desenvolvimento.

Mas Roth diz que há limites para a influência da China. Ele aponta para a forma como uma resolução sobre o colonialismo liderada pela China em 2021, visando o Ocidente, saiu pela culatra quando duas emendas britânicas sobre perseguição e assimilação forçada (que poderiam se aplicar igualmente a algumas das táticas da China em relação a sua própria população) foram adotadas por pouco. Em 2021, a China retirou outra resolução sobre a “realização de uma vida melhor para todos” por temer que ela não fosse passar.

Espera-se que Michelle Bachelet, a Alta Comissária para os Direitos Humanos (OHCHR), divulgue um relatório há muito esperado sobre supostas violações de direitos na região de Xinjiang, na China. O braço dos direitos humanos da ONU anunciou em dezembro passado que o relatório seria divulgado dentro de semanas, mas desde então ele tem sido adiado ainda mais. A Human Rights Watch solicitou que o relatório fosse divulgado a tempo para a sessão do CDH.

“Quando o relatório for finalmente divulgado, haverá um novo esforço para tratar da questão de Xinjiang no Conselho de Direitos Humanos”. […] A questão é: a administração Biden fará o esforço, particularmente fora do Ocidente, para reunir apoio para o que seria a primeira resolução há muito esperada sobre Xinjiang”, diz Roth. Os membros do CDH nunca apresentaram uma resolução tratando de supostos abusos na China”.

Grupos de direitos humanos acusam a China de abusos contra Uigures e outros grupos minoritários que incluem tortura e trabalho forçado, mas a China rejeita tais alegações.

Lynch afirma que os estados (incluindo, é claro, os Estados Unidos) dispostos a contrariar a crescente influência da China precisarão adotar uma abordagem de princípios, objetiva e não seletiva em relação aos direitos humanos e à situação do país. “Penso que quaisquer esforços para contrariar a narrativa e a estratégia chinesa que são motivados principalmente por preocupações políticas ou ideológicas, em vez de direitos humanos, provavelmente fracassarão”.

“Atenção desproporcional sobre Israel”

Na assembléia da CDH do ano passado, Blinken pediu reformas similares àquelas que a administração Trump havia procurado implementar. Estas incluem a eliminação do item 7 da Agenda referente à situação dos direitos humanos na Palestina e em outros territórios árabes ocupados, e a melhoria do quadro de membros do conselho.

O item 7 da Agenda mandata o conselho para discutir abusos de direitos ligados ao conflito israelo-palestiniano em cada uma de suas sessões. Nenhuma situação de outro país tem um item dedicado na agenda.

Roth tem dúvidas de que esta reforma em particular seja a abordagem correta para os EUA. “Neste momento, isso apenas faz parecer que eles estão protegendo Israel. Para fazer disso um esforço de princípio, eles deveriam apoiar vigorosamente as resoluções sobre Israel que surjam através de outros itens da agenda. Se os EUA acharem que há muitas resoluções, eles poderiam introduzir uma única e forte resolução consolidada”.

Entretanto, os grupos de direitos humanos concordam que a composição do conselho poderia ser melhorada. Os 47 membros do conselho são eleitos pela maioria dos 193 estados membros na Assembleia Geral. Os lugares no Conselho são distribuídos equitativamente entre grupos geográficos. Os fatores-chave para sua eleição devem incluir sua contribuição para a promoção dos direitos humanos e seu compromisso com a manutenção de altos padrões.

Mas os grupos regionais apresentaram as chamadas “listas fechadas” (por exemplo, três candidatos para três cadeiras vagas dentro de uma região), o que permitiu que países com históricos duvidosos de direitos humanos pudessem se tornar membros. “Os EUA não estão em uma grande posição para pressionar essa reforma porque acabaram de se beneficiar de uma lista fechada. […] Vai ser preciso um acordo entre todas as regiões para deixar de fazer isso. Os EUA poderiam liderar esse esforço, mas qualquer desejo de falar sobre a melhoria da filiação sem abordar este problema fundamental é provável que seja insuficiente”, diz Roth.

Política de poder

“É bastante interessante ver que, com o retorno dos EUA, temos agora uma situação em que todos os P5 também são membros do CDH. E isso, claro, mostra a importância que os grandes poderes estão dando ao Conselho”, diz Felix Kirchmeier, diretor executivo da Plataforma de Direitos Humanos de Genebra (GHRP).

Os P5 são os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (China, França, Rússia, Reino Unido, Estados Unidos). Cada um deles tem o poder de vetar resoluções no Conselho de Segurança que os protege e a seus aliados de ações da ONU como sanções e encaminhamentos ao Tribunal Penal Internacional (ICC).

Nenhum membro do CDH tem poder de veto, mas as resoluções do CDH não são vinculativas e precisam ser implementadas pelos próprios países. No passado, os debates, por exemplo, no contexto do conflito sírio, mudaram do Conselho de Segurança para o CDH.

Se ter os poderes dos P5 no Conselho poderia, em princípio, dar mais peso às preocupações com os direitos humanos, Kirchmeier diz que, dado o atual contexto geopolítico, “temos quase certeza de ver o CDH se tornar novamente um local indireto para debates bloqueados no Conselho de Segurança”. De acordo com ele, a postura política sobre considerações de segurança no Conselho poderia minar as discussões sobre direitos humanos.

Enquanto isso, a Ucrânia solicitou um debate urgente no CDH sobre a situação dos direitos humanos no país, após o ataque da Rússia.

Lynch insiste que considerações políticas devem ser postas de lado para que o CDH possa cumprir seu mandato. “Um desafio será evitar entrar em um jogo político que alimente a politização, a polarização e, em última instância, a deslegitimação do Conselho, e, em vez disso, jogar um jogo de direitos humanos. Esse é o desafio chave, e penso que a base sobre a qual o sucesso do retorno dos EUA será julgado”.

Adaptação: DvSperling

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