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Você também é da comunidade indígena? 

Artista fotografada no seu estúdio
Instalada em uma antiga fábrica de calçados, Ishita Chakraborty ampliou sua produção, agora exibida no Museu de Arte da Argóvia. Thomas Kern / SWI swissinfo

Radicada na Suíça desde 2018, Ishita Chakraborty ganha agora destaque no cenário artístico ao receber o Prêmio Manor. Sua trajetória foi recentemente marcada por uma residência na Amazônia brasileira, que aprofundou sua conexão com o legado português compartilhado por Índia e Brasil.

Neste verão europeu, Ishita Chakraborty talvez seja a pessoa mais famosa em Aarau, uma cidade situada a 50 quilômetros a oeste de Zurique. Seu nome aparece com destaque em pôsteres espalhados por todo o centro da cidade, anunciando sua exposição individual no Aargauer Kunsthaus (Museu de Belas Artes de Aargau). A mostra vem na esteira de um prêmio importante recebido pela artista: o Manor Cultural Prize, que consolida sua posição como um talento em ascensão no cenário das artes na Suíça.

Chakraborty poderia agora relaxar e desfrutar do reconhecimento, fruto de uma trajetória marcada por muitas viagens, experimentação com formas artísticas e poéticas e trabalho árduo. Mas ela não descansa.

A artista recebeu o jornalista da Swissinfo, em seu estúdio perto de Aarau, pouco antes de partir para viagens de pesquisa a Londres e Liverpool. Animada, embora sobrecarregada, além de receber prêmios e convites, ela está também preparando uma exposição individual prevista para setembro na Galerie Peter Kilchmann – uma das mais prestigiadas galerias de arte de Zurique.

Fotos penduradas na parede
Fotos penduradas no ateliê: a viagem que ligou a Amazônia brasileira ao seu país de origem, a Índia. Thomas Kern / SWI swissinfo

Superando obstáculos

Nascida em Shearaphuli, um pequeno vilarejo a 30 km ao norte de Calcutá, Chakraborty cresceu no norte da província de Bengala, perto do Himalaia, e concluiu seus estudos em Calcutá. E, em suas próprias palavras, “teve que ultrapassar seus limites desde muito cedo”. O fato de ser mulher foi um obstáculo desde o início em uma sociedade estritamente patriarcal, embora sua família materna fosse bastante progressista.

A classe social – mais do que a casta – foi outro obstáculo a ser superado. “Pertenço a uma casta superior, mas não pertenço a uma classe social superior. Minha família era de classe média baixa emergente”, diz a artista. E depois houve uma questão envolvendo a cor da pele. “Nasci com a pele tão escura que não fui muito bem-vinda por alguns familiares”, relata. Todos esses fatores impuseram muitos limites à sua vida, mas Chakraborty diz que “não queria ser colocada em uma caixa nem desempenhar o papel de mulher obediente”.

Depois de uma carreira acadêmica itinerante e vários trabalhos ocasionais em Calcutá, Chakraborty se candidatou a uma residência artística em Aarau. Ela não sabia quase nada a respeito da Suíça – além das sequências musicais fantásticas dos filmes de Bollywood, rodadas em cenários suíços, e dos pôsteres baratos de paisagens. “Na verdade, eu não sentia nenhuma necessidade de ir para a Europa”, diz ela. “Foi apenas curiosidade”, completa.

Uma jovem indiana
Uma das primeiras exposições da artista em Calcutá, logo após se formar na Universidade Rabindra Bharati. cortesia

O mapa mental

A residência de seis meses evoluiu para um mestrado na Universidade de Artes de Zurique (ZHdK) e, por fim, para o casamento com o fotógrafo suíço Thomas Kern – autor das imagens que acompanham esta publicação (Thomas Kern é editor visual da SWI swissinfo.ch).

O alcance de sua prática foi se expandindo naturalmente. “Quando vejo este mapa, o itinerário da minha prática, percebo que ele se tornou cada vez mais interseccional ao longo do tempo. No início, eu estava mais interessada em gênero, raça e classe, mas agora meus interesses são muito mais amplos”, diz Chakraborty. “Além disso, mudei de casa muitas vezes, então essas narrativas sobre lar e migração já estavam presentes mesmo antes de me mudar para a Suíça”, conta.

A Suíça trouxe também dimensões maiores a seu trabalho – literalmente. De início, Chakraborty costumava criar em pequena escala, com aquarelas e miniaturas. “Isso tinha a ver com os espaços em que eu vivia. Eu morava em quartos pequenos, viajava muito de trem e ônibus. Agora, graças aos prêmios e bolsas, posso pagar um estúdio, e isso abre um espaço físico e mental para instalações maiores, embora não signifique que parei com as peças pequenas. Gosto de alternar entre as grandes e as pequenas”, explica a artista.

Ao se mudar para a Europa com uma mentalidade focada em questões de gênero, classe e raça, Chakraborty inevitavelmente – ou melhor, naturalmente – teve que enfrentar a questão do colonialismo. Assim como a projeto colonial, suas investigações e sua curiosidade a levaram a lugares longínquos e ela acabou refazendo efetivamente uma antiga rota portuguesa a partir do ponto de vista dos colonizados. 

Você é indígena?

A Índia e o Brasil são países bastante antípodas, distantes demais para desenvolver laços fortes além das relações diplomáticas (ambos são membros do BRICS) e, em escala modesta, das relações comerciais. No entanto, há cinco séculos, eles eram muito mais próximos, pois a mesma potência colonizadora – Portugal – invadiu suas costas.

O interesse de Chakraborty pela Amazônia foi desencadeado por um encontro casual, enquanto ela participava de uma exposição na Basileia. A artista conheceu a ceramista e ativista amazônica Vandria Bonari. A primeira conversa entre elas se repetiria quase que anedoticamente durante a viagem. “Ela me perguntou: ‘Você é indígena?’”, lembra Chakraborty. “Respondi: ‘Sim, como você sabe?’ E pensei: ‘Ah, eu pareço muito ser uma indígena’. Mas havia outro diálogo por trás disso, pois ela então me perguntou de qual comunidade eu era”. Aí então “percebemos que ambas somos índias’, o que na verdade é uma denominação inventada pelos colonizadores na Índia e nas Américas”, diz a artista.

Chakraborty decidiu se candidatar a uma bolsa da Fundação suíça de fomento de arte e cultura, a Pro Helvetia, e passou três meses na Amazônia brasileira em 2024. “Os mapas na minha mente são muito pequenos. Eles se expandem quando necessário”, diz ela.

Através da língua, Bonari e Chakraborty começaram a descobrir muitos pontos em comum. “Na minha língua materna, há muitas palavras em português, porque cresci no delta do Ganges, junto ao rio Hooghly, onde os portugueses estabeleceram um entreposto comercial muito antes de os britânicos o conquistarem. Por isso, no meu idioma bengali, também digo janela, varanda, entre muitos outros traços portugueses”, completa.

máquina de escrever
A mesa da artista. Thomas Kern / Swiswissinfo

Natureza e cultura são uma coisa só

Para Chakraborty, essas palavras em comum tornam-se uma ponte entre as duas culturas, que também estão entrelaçadas por meio de seus respectivos passados. Quando foi para a Amazônia, ela não tinha nenhum projeto específico em mente. “Eu disse à Pro Helvetia que não queria produzir nada enquanto estivesse lá. Com frequência, sinto esse tipo de pressão do Ocidente para ser sempre produtiva. Se você vai para um lugar, tem que trazer algo. Eu queria desaprender isso. Meu objetivo principal era viver com essas pessoas”, recorda a artista.

Vivendo entre as comunidades da região do Baixo Tapajós, no estado do Pará (cuja capital, Belém, sediará a próxima COP30), Chakraborty adotou uma abordagem semelhante à que havia utilizado nos Sundarbans, o maior delta de manguezais de Bengala, perto da fronteira da Índia com Bangladesh. Em ambos os lugares, as pessoas não distinguem entre natureza e cultura, diz ela. “A coexistência desses dois domínios está muito enraizada na vida cotidiana e fica mais visível na miríade de rituais”, explica.

Mulher caminhando no mangue
Ishita Chakraborty caminha descalça pelo mangue durante a maré baixa. Coletar amostras de plantas, tirar fotos e ouvir o som da natureza são as ferramentas de pesquisa da artista para criar trabalhos futuros. Thomas Kern

Nos Sundarbans indianos, Chakraborty procurava as canções de resistência cantadas pela comunidade de pescadoras. “Suas histórias e canções falam sobre não esgotar em excesso os recursos da floresta. Elas cantam sobre a rica diversidade do ecossistema. É uma floresta densa cheia de crocodilos, tigres, peixes e seres humanos, mas não estou interessada na parte bonita disso tudo, estou interessada nas narrativas dessas mulheres”, diz ela.

Preferindo o curry

Um ritual muito importante entre as pescadoras dos Sundarbans e as comunidades indígenas da Amazônia é cozinhar. Ao misturar ingredientes e especiarias, o impacto colonial na migração das plantas e o caldeirão de sabores vêm à tona.

Os portugueses introduziram a castanha de caju na Índia e levaram sementes de manga e coco para o Brasil. Para Chakraborty, as misturas de curry, que podem ser encontradas em qualquer supermercado ocidental (“na maioria das vezes, você não tem ideia do que há dentro desses potinhos”), são um bom exemplo.

O que hoje consideramos elementos do curry tem muito a ver com o intercâmbio e a ocupação colonial, bem como com a migração das plantas. “Essas também são histórias e relatos de migração. Gosto de conectar pequenos pontos”, diz ela.

Foto de um ateliê e de uma mulher
Cartazes das últimas exposições decoram as paredes do estúdio da artista, onde ela passa a maior parte do tempo, cozinhando e recebendo curadores e outros visitantes. Thomas Kern / Swissinfo.ch

Toda família indiana e todos pessoa que cozinha na Índia faz seu próprio curry. “Isso também está relacionado à região, à estação do ano e à temperatura. Cada ingrediente tem uma função no seu corpo. Quanto cominho você deve usar neste curry especificamente e por quê? Por que você usa sementes cruas de coentro? Porque elas acalmam seu corpo. Quando você coloca uma certa quantidade de páprica, precisa colocar uma quantidade correspondente de cúrcuma para equilibrar o corpo ao calor do país”, explica.

Edição: Catherine Hickley /gw

Adaptação: Soraia Vilela

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