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Suíça luta contra desperdício de alimentos

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Jesse David Falls/shutterstock

Aumento de preço dos alimentos, dificuldades de abastecimento e um enorme consumo de recursos: há muitas razões pelas quais devemos ser econômicos com nossos alimentos. No entanto, um terço de todos os alimentos ao redor do mundo acaba no lixo. Como os agricultores, os varejistas e os grupos de interesse na Suíça querem combater isso – e o que cada um de nós pode fazer. 

Os gêneros alimentícios tornam-se escassos, os preços não param de subir. Desde a invasão russa, os campos ucranianos estão repletos de rastros de tanques e permanecem em pousio, e as rotas comerciais cortadas. As consequências disso podem ser sentidas em todo o mundo. 10% da produção global de cereais e 13% da cevada, 15% do milho e mais de 50% do comércio mundial de óleo de girassol vêm da Ucrânia, segundo os cálculos da Comissão Europeia.

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Tal escassez tornar-se-á mais frequente no futuro, mesmo sem guerras. O aquecimento global está engelhando o solo arável e promovendo eventos climáticos extremos, que podem reduzir os rendimentos. O hemisfério sul será particularmente afetado.

Uma solução é fazer melhor uso dos alimentos que temos. Afinal de contas, cerca de um terço disso acaba sendo desperdiçado e jogado no lixo.

Isso não é apenas um imenso potencial não utilizado. Se o problema persistir, também representa um enorme perigo, porque inflama ainda mais as mudanças climáticas. “Se a perda e o desperdício de alimentos fossem um país, eles seriam a terceira maior fonte de emissões de gases de efeito estufa”, afirma a ONU em um relatório.

O desperdício de alimentos também contribui significativamente para a pegada ecológica na Suíça. O impacto ambiental do desperdício evitável de alimentos é cerca de metade do de todos os transportes motorizados privados na Suíça. Por outras palavras: se uma mulher suíça passar um ano sem desperdiçar comida, o efeito que isso produz é o mesmo de renunciar ao carro ou à motocicleta por seis meses.

Medidas tomadas até agora não são suficientes

Mas como evitar o desperdício de alimentos? A Suíça também se fez essa pergunta. Ela pretende reduzir pela metade o desperdício evitável de alimentos até 2030 – uma meta ambiciosa que os esforços atuais não serão suficientes para alcançar. O Departamento Federal de Meio Ambiente (BAFU, na sigla em alemão) comprova isso em um novo plano de açãoLink externo.

O que o plano de ação também assinala: não existe uma solução simples para alcançar a meta. Do cultivo e produção à venda e, em última análise, ao consumo, estão envolvidos inúmeros atores – e no mundo globalizado de hoje, eles estão frequentemente espalhados por diferentes países.

Para descobrir (na galeria de fotos): uma seleção de projetos suíços contra o desperdício de alimentos:

Embora existam inúmeras iniciativas e esforços para reduzir o desperdício de alimentos, estes têm sobretudo um “impacto local e ocorrem em áreas de nicho”. Para agir de modo eficaz, essas medidas precisariam de ser ampliadas.

O que já está sendo feito e por onde podemos começar de acordo com o plano de ação? Olhemos para ele ao longo das estações de um produto alimentar – algo simplificado – desde a fazenda até ao prato ou à lixeira dos suíços e suíças.

O gráfico a seguir mostra onde na Suíça resulta o maior desperdício de alimentos nessas estações. A classificação é encabeçada pelo processamento. Seguem-se os lares privados e a agricultura.

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“Pode-se ver claramente que nos países industrializados há muito mais desperdício de alimentos no fim da cadeia alimentar e nos países em desenvolvimento muito mais no início”, explica Claudio Beretta, que realiza pesquisas sobre o desperdício de alimentos na Academia de Ciências Aplicadas de Zurique.

Isto não se deve apenas ao fato de os consumidores nos países mais ricos se poderem dar ao luxo de deixar os alimentos estragarem: “Os países mais pobres carecem muitas vezes do know-how e, sobretudo, da tecnologia para colher ou armazenar alimentos de maneira ideal”.

Na agricultura suíça, por outro lado, os restos evitáveis ocorrem principalmente porque a colheita não corresponde aos regulamentos de comércio, que a Associação dos Agricultores Suíços (SBV, na sigla em alemão) considera serem “rigorosos”. Isso significa: o legume ou fruta seriam comestíveis, mas não têm aspecto suficientemente “bonito” para serem vendidos.

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Chmjo / Alamy Stock Photo

Conforme a SBV, a segunda razão importante para o desperdício de alimentos na agricultura suíça é o excesso de produção. Este é em particular o caso de produtos frescos perecíveis, como as verduras, cujo crescimento e consumo também dependem fortemente das condições climáticas.

Já existem organizações que reconheceram esses problemas e revendem o pepino torto ou o excedente de alface diretamente ou distribuem-nos gratuitamente a quem deles precisa. A Associação estima que o potencial ambiental desses esforços seja grande – mas teriam de ser ampliados e organizados em maior escala.

A rede de supermercados Coop oferece frutas e legumes que não atendem aos padrões sob um rótulo especial. Mas, de acordo com o plano de ação, isso é atualmente pouco mais do que uma gota no oceano: “O volume de tais medidas cobre atualmente apenas uma fração da quantidade de perdas alimentares”.

Vendido e esquecido

Uma vez que os gêneros alimentícios estão nas prateleiras dos varejistas, muito raramente os deixam como sobras. A SWI swissinfo.ch perguntou aos dois maiores varejistas na Suíça: “98,56% dos gêneros alimentícios que a Migros oferece em suas lojas e restaurantes são também vendidos ou distribuídos como alimentos”, diz Patrick Stöpper, porta-voz do gigante laranja.

Na rede de supermercados Coop soa uma nota semelhante: “No final, apenas cerca de 0,2% dos gêneros alimentícios em nossos supermercados não são vendidos ou são doados e aproveitados como ração animal ou em biogás”, diz Melanie Grüter, porta-voz de mídia da rede.

Ambos salientam que a Migros e a Coop buscam evitar o desperdício de alimentos. Para tal, trabalham em conjunto com várias organizações, como a “Schweizer Tafel” ou a “Tischlein deck dich”, que distribuem alimentos não vendidos aos necessitados.

No entanto, mais poderia ser feito aqui, é a constatação do BAFU. “As aproximadamente 10.000 toneladas de alimentos doados em 2018 correspondem apenas a cerca de 7% das 138.000 toneladas de desperdício alimentar evitável geradas no comércio varejista”, de acordo com o plano de ação. A fim de conseguir mais, faltam sobretudo recursos financeiros.

Assim, a maior parte dos gêneros alimentícios encontra o seu caminho desde o balcão de vendas até a geladeira dos clientes. E, desse modo, aporta onde o desperdício de alimentos poderia ser evitado com particular facilidade.

Muitas vezes, comprava-se demasiada comida em um momento anterior. O pesquisador, com estudos sobre o desperdício de alimentos, Beretta explica por que isso é particularmente verdadeiro na Suíça: “Os consumidores e consumidoras podem dar-se ao luxo de comprar mais do que precisam”.

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Nós compramos mais o que necessitamos. Imago Images / Geisser

Por que não começar logo com o preço? Por exemplo, acrescentando custos externos, tais como os danos causados pelo impacto ambiental da produção de alimentos, ao preço existente? O plano de ação põe rapidamente de lado semelhante solução: o cálculo da sobretaxa de preço é muito complexo e politicamente inexequível.

Além dos consumidores, há também os incentivos errados para as lojas. Para os varejistas não importa se os clientes realmente consomem os produtos após a compra, diz a Beretta: “Cada produto que o comércio varejista vende traz mais lucro – independentemente de acabar no lixo ou não”.

Para evitar cair nessa armadilha como consumidor, existem soluções simples, porém eficazes. “Com um comportamento simples, tal como checar a geladeira antes de ir às compras, pode-se evitar imensos desperdícios prejudiciais ao meio-ambiente”, afirma Beretta.

Os varejistas também podem ajudar. Existem planos, por exemplo, de acrescentar as palavras “muitas vezes bom por mais tempo” à data de validade dos produtos comestíveis, sempre que tal se aplique.

O que mais pode ser feito? Planejar bem as compras, armazenar adequadamente os alimentos ou atentar para o prazo-limite de consumo. Ademais, muitos alimentos ainda são comestíveis quando a data de validade já expirou.

Suíça indecisa

É também claro para Beretta que outros países europeus já estão vários passos à frente da Suíça, especialmente os países escandinavos e os Países Baixos. “A Noruega e o Reino Unido são considerados importantes pioneiros. Ambos concluíram acordos voluntários com agentes econômicos há mais de dez anos”, assinala também o plano de ação suíço.

A meta agora é que a Suíça recupere o atraso até 2030. Não seria, contudo, o objetivo de reduzir para metade em demasia ambicioso? Quando se vê onde estão os países pioneiros após dez anos de trabalho, fica claro para o especialista em desperdício de alimentos Beretta: se as coisas continuarem ao ritmo atual, “não consigo imaginar que a Suíça atinja as metas”. Ele acha o plano de ação muito bom, mas “o passo para o ato real ainda é grande”.

Deve ser dado muito mais peso político à prevenção do desperdício de alimentos: “É preciso investir muito mais dinheiro em medidas de prevenção e num sistema de monitorização para medir os avanços. Em termos da economia como um todo, isso valeria muito a pena, porque o desperdício de alimentos custa à Suíça vários bilhões de francos suíços todos os anos”.

Adaptação: Karleno Bocarro

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