Cientistas do clima na Suíça sofrem com “ecoansiedade”
A maioria dos cientistas do clima na Suíça afirma sentir impactos emocionais ao lidar com os efeitos das mudanças climáticas. A frustração com a falta de ações concretas se mistura à esperança em soluções já disponíveis, enquanto cresce a preocupação com o futuro do planeta e das próximas gerações.
O nome é “ecoansiedade”, ou seja, uma preocupação persistente com o efeito das mudanças climáticas no planeta e em seus seres vivos. Ela pode atingir um nível de sofrimento emocional que perturba a vida cotidiana.
As gerações mais jovens são particularmente afetadas: elas temem pelo futuro, mesmo mantendo a esperança de que ainda há tempo para evitar os piores cenários. Embora não atinjam necessariamente níveis patológicos, essa ansiedade e essa mistura de sentimentos também afetam aqueles que estudam o clima profissionalmente.
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“Precisamos reconhecer os efeitos nefastos das mudanças climáticas na saúde mental”
72% dos pesquisadores climáticos na Suíça que participaram da nossa pesquisa de opinião dizem que se sentem emocionalmente afetados por seu trabalho ou pela evolução do clima. 41% se sentem assim “ocasionalmente”, 31% “várias vezes por semana”. Apenas 6% dizem que não experimentam nenhum sentimento particular.
“Estou muito preocupado com as consequências a médio prazo das mudanças climáticas. Tenho uma filha e me pergunto em que tipo de mundo ela viverá”, diz Pierre Vollenweider, pesquisador de ecologia florestal do Instituto Federal Suíço de Pesquisa de Florestas, Neve e Paisagem. No entanto, Vollenweider diz ter esperança nas gerações mais jovens, porque “elas querem encontrar soluções para o clima”.
A maior parte da comunidade científica acredita que não será possível limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, como previsto pela meta mais ambiciosa do Acordo de Paris. Exceder esse limite crítico aumenta significativamente os riscos de mudanças profundas nos ecossistemas, na biodiversidade e na segurança alimentar.
A falta de ações concretas, tanto no nível político quanto na sociedade, está causando a frustração de muitos cientistas, especialmente porque, como eles indicam, as soluções para um planeta de baixa emissão estão ao nosso alcance.
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Cientistas do clima entre otimismo e pessimismo
Alguns estudosLink externo sobre o sofrimento emocional causado pelas mudanças climáticas mostram que os cientistas são um grupo único. Eles estão constantemente expostos à realidade e às consequências do aquecimento global. O acesso a previsões e cenários futuros pode levar à ansiedade, depressão e uma sensação de impotência.
“Desenvolvi estratégias para lidar com as emoções”, diz Reto Knutti, físico climático da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH), que leciona e pesquisa há quase 30 anos.
Ele explica que seu trabalho científico se concentra na compreensão dos sistemas climáticos, suas interações e aspectos estatísticos. “Sou pai de dois filhos e me entristece pensar que tudo o que prevemos hoje, eles sobreviverão”, diz ele.
“Desânimo e tristeza prevalecem quando considero o que foi feito em termos políticos.”
Sonia Seneviratne, climatóloga da ETH
Knutti diz que não se sente ansioso, ao contrário de alguns de seus alunos. No entanto, sente uma mistura de “medo e tristeza” ao observar os acontecimentos recentes. “A mudança climática está progredindo rapidamente, e as respostas políticas e sociais são cada vez mais inadequadas”, afirma.
Ele lamenta que as mudanças climáticas não sejam mais uma prioridade na agenda política global, que agora se concentra em tarifas comerciais, guerras e imigração. “Temos todas as ferramentas para enfrentar a crise climática, de carros elétricos a bombas de calor, e isso é uma fonte de otimismo. Mas o pessimismo prevalece quando considero a vontade política de agir”, afirma.
É o primeiro acordo internacional e juridicamente vinculante sobre o clima. Obriga todos os países a reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Foi adotado em 12 de dezembro de 2015, em Paris, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21).
O Acordo de Paris tem como objetivo limitar o aquecimento global a bem menos de 2 °C em relação aos níveis pré-industriais, buscando um aumento máximo de 1,5 °C. Para isso, será necessário alcançar um balanço líquido de emissões igual a zero (neutralidade climática) até 2050.
O acordo foi assinado por 196 países. A Suíça o ratificou em 2017.
Na série de artigos “10 anos do Acordo de Paris”, destacamos o que tem sido feito em relação às emissões, energias renováveis, política e pesquisa climática na Suíça e no mundo.
Crise climática, ignorando um problema solucionável
Philippe Thalmann, professor de economia ambiental no Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Lausanne, compartilha a mesma opinião: “Tenho trabalhado em questões climáticas há muito tempo e, durante esse tempo, percebi que não somos capazes de enfrentar essa ameaça”.
Muitos países e empresas que se comprometeram a reduzir seu impacto climático estão agora recuando, observa ele. O mesmo se aplica ao setor financeiro. “Sinto um certo desconforto porque as ações são constantemente adiadas, com a ideia de que [a crise climática] não é tão importante assim”, diz ele.
Sandro Vattioni, climatologista da ETH, diz estar “muito frustrado” com o aumento contínuo das emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo. “Sabemos como usar fontes renováveis para produção de energia e mobilidade, mas a implementação ainda é muito lenta. É frustrante ver que, dez anos após o Acordo de Paris, a transição para um futuro sustentável ainda seja tão lenta”, afirma.
De acordo com um relatórioLink externo recente da Organização Meteorológica Mundial, os níveis de dióxido de carbono atmosférico (CO₂) atingiram um novo recorde em 2024. O aumento da concentração de CO₂ comparada a 2023 foi a maior desde que as medições modernas começaram em 1957.
Para Vattioni, que estuda a possibilidade de modificar a radiação solar (MRS) para reduzir os impactos das mudanças climáticas, até mesmo o tema de sua pesquisa pode ser uma fonte de frustração. “É um sentimento ambivalente: acredito que é importante aprender mais sobre MRS porque podemos precisar dela um dia, mas estou ciente de que não é uma solução; ela não aborda as causas profundas da crise climática.”
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“Era mais pessimista há 20 anos”
Quando questionados sobre sua perspectiva emocional em relação ao futuro do clima, um terço dos pesquisadores (36%) que participaram da nossa pesquisa disseram se sentir “alarmados, mas determinados” a continuar seu trabalho. Outro terço (35%) respondeu que se sente “cautelosamente otimista”. Em contraste, 27% relataram sentir-se “profundamente pessimistas” ou “desligados ou emocionalmente fatigados”.
“O desânimo e a tristeza prevalecem quando considero o que foi feito politicamente. Penso, por exemplo, na decisão dos Estados Unidos de reduzir o apoio às energias renováveis e incentivar os combustíveis fósseis”, afirma Sonia Seneviratne, uma das principais cientistas climáticas do mundo, que investiga extremos climáticos e interações entre a terra e o clima.
No entanto, Seneviratne está convencida de que o caminho já está traçado e, mais cedo ou mais tarde, haverá uma conscientização global que levará a decisões rápidas para proteger o clima. “Eu era mais pessimista há vinte anos, porque não tínhamos soluções. Hoje temos, embora seja frustrante ver como é difícil tomar decisões que sejam totalmente racionais”, diz ela.
“Às vezes, sinto que muitas pessoas, não apenas na política, não se importam com o que está acontecendo”, diz Mylène Jacquemart, da ETH, que estuda o impacto das mudanças climáticas nos desastres naturais nas regiões alpinas e polares. Ela está preocupada com as mudanças no ambiente montanhoso.
O aumento das temperaturas está reduzindo a queda de neve, derretendo geleiras e tornando as encostas mais instáveis. Atividades como montanhismo ou esqui podem não ser mais possíveis em muitas partes dos Alpes. “Fico triste ao pensar que nossos filhos talvez não possam mais vivenciar as montanhas como nós hoje”, diz ela.
Mas isso também motiva Jacquemart: ela espera que seu trabalho possa proteger os lugares que ela preza. “Compreender melhor como os desastres naturais estão evoluindo nos permite nos preparar e nos adaptar”, diz ela.
E há algumas tendências que vão na direção certa, ela acrescenta, como o crescimento global da energia renovável.
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Avanço das energias renováveis perde fôlego
Confiança na ciência
A comunidade científica ainda tem motivos para se manter otimista. De acordo com o Barômetro da Ciência de 2025Link externo, a maioria da população suíça tem forte confiança na ciência e acredita que as decisões políticas devem ser baseadas no conhecimento científico.
“Como climatologista, estou satisfeito que o tópico ‘clima e energia’ continue sendo considerado particularmente importante”, diz Seneviratne.
Edição: Gabe Bullard
Adaptação: DvSperling
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