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Startup suíça testa painéis solares removíveis em trilhos de trem

Operário trabalhando em linha de trem
A start-up Sun-Ways instalou painéis solares entre os trilhos de uma linha férrea perto de Buttes, no cantão de Neuchâtel. Keystone / Jean-Christophe Bott

Uma startup suíça instalou, em abril, a primeira usina solar removível sobre trilhos de trem em Buttes, vila no oeste da Suíça. Criada por Joseph Scuderi, a Sun-Ways aposta em painéis fotovoltaicos adaptáveis para gerar energia limpa sem comprometer a operação ferroviária.

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Joseph Scuderi esperava um trem na estação ferroviária de Renens, perto de Lausanne. Era um dia de 2020 e, enquanto observava os trilhos, ele se perguntou: por que não instalar painéis solares entre os trilhos? Aquele espaço não utilizado poderia ser aproveitado, pensou, anotando a ideia em um caderno.

Cinco anos depois, Scuderi está novamente em pé ao lado de um trilho. Mas desta vez, ele observa uma longa fileira de painéis solares. Com sua startup Sun-WaysLink externo, ele cobriu cem metros de trilhos com células fotovoltaicas em Buttes, uma pequena vilarejo na região oeste da Suíça.

“Instalamos painéis solares como faríamos no telhado de uma casa”, afirma Scuderi durante a inauguração, em 24 de abril, da primeira usina solar removível em uma linha ferroviária. Apesar de um dia chuvoso não ser o ideal para inaugurar uma instalação solar, sua satisfação é grande. Chegar até este ponto, diz Scuderi, “foi um milagre”.

“Explorar os trilhos de trem para produzir energia solar é uma ótima ideia.”

Martin Heinrich

Não é a primeira vez que a energia solar é integrada à infraestrutura ferroviária. Projetos na Alemanha, Itália, França e Japão testam o uso de painéis solares entre os trilhos.

No entanto, a startup suíça é a primeira a conceber um sistema removível instalado em uma linha ferroviária aberta ao tráfego. Com sua tecnologia inovadora, a Sun-Ways pretende “reinventar a produção de energia fotovoltaica”.

Painéis solares removíveis

A instalação de Buttes é composta por 48 painéis solares posicionados sobre as travessas ferroviárias. A linha é gerida pela TransN, a empresa de transporte público do cantão (estado) de Neuchâtel.

A instalação dos painéis solares entre os trilhos é feita manualmente ou de forma mecânica, graças a um uma locomotiva especial da empresa suíça Scheuchzer, especializada na manutenção dos trilhos. Ela é capaz de colocar e remover quase mil metros quadrados de painéis solares em poucas horas.

Embora os painéis sejam projetados para permanecer no lugar enquanto os trens circulam, a possibilidade de removê-los facilmente é importante para permitir os trabalhos de manutenção ferroviária ou sua substituição. A limpeza dos painéis solares pode ser garantida graças a uma escova cilíndrica posicionada na extremidade do trem.

A Sun-Ways trabalhou com dez empresas parceiras e a Agência Suíça para a Promoção da Inovação. O orçamento da fase inicial de experimentação em Buttes é de 585 mil francos.

>> Painéis solares entre os trilhos: é assim que funciona o sistema inovador inaugurado na Suíça:

2% da eletricidade suíça a partir da energia solar ferroviária?

A corrente produzida pelos painéis fotovoltaicos é injetada na rede elétrica local. A usina solar ferroviária de Buttes poderá produzir até 16 mil quilowatts-hora (kWh) de eletricidade por ano, equivalente ao consumo médio de três ou quatro lares.

Seus engenheiros afirmam que os aproximadamente 5.320 quilômetros da rede ferroviária suíça, dos quais devem ser deduzidos os trechos em túneis ou pouco ensolarados, poderiam gerar um bilhão de kWh de energia solar por ano. Isso corresponde ao consumo de 300 mil famílias ou a 2% da eletricidade utilizada na Suíça.

A Suíça, assim como outros países, aposta na energia solar e em outras fontes renováveis para reduzir as emissões de CO2. Para alcançar seus objetivos energéticos de 2035, o país terá que multiplicar por sete a produção atual de energia solar. “É positivo que as empresas ferroviárias e de transporte público estejam inovando, inclusive na produção de energia renovável”, afirma Florence Pictet, porta-voz do Ministério suíços dos Transportes (BAVLink externo, na sigla em alemão).

“É bom que as empresas ferroviárias e de transporte público estejam inovando, inclusive na produção de energia renovável.”

Florence Pictet

Os telhados e fachadas de edifícios operacionais como estações e marquises das plataformas podem também receber painéis solares. As empresas de transporte público poderiam produzir entre 20% a 30% das suas necessidades elétricas utilizando suas instalações.

O governo ´é mais cauteloso quanto ao uso de painéis solares nos trilhos e autorizou o teste em Buttes, pois os trens circulam a uma velocidade máxima de 70 km/h. Além disso, estabeleceu que a fase de teste deve durar pelo menos três anos, e não seis meses, como previsto inicialmente pela Sun-Ways.

Para o ministério, é importante estudar o funcionamento desse sistema inédito a longo prazo, em condições operacionais reais e durante todas as estações do ano. Só assim será possível analisar o comportamento dos trilhos, por exemplo, em termos de desgaste, e avaliar os desafios relacionados à manutenção e ao monitoramento da infraestrutura ferroviária, afirma Pictet. 

>> A participação da energia solar na matriz elétrica da Suíça é inferior à média europeia, como ilustra o gráfico a seguir:

Conteúdo externo

Aproveitar as infraestruturas existentes

Lubomila Jordanova, cofundadora da Aliança Greentech, uma rede de empresas envolvidas no combate às mudanças climáticas, afirmaLink externo que a Sun-Ways criou “uma maneira altamente escalável, eficiente e ecológica de produzir energia limpa”.

“Aproveitar os trilhos ferroviários para produzir energia solar é uma grande ideia”, afirma Martin Heinrich, pesquisador do Instituto Fraunhofer para Sistemas de Energia Solar, o maior instituto de pesquisa solar da Europa. “Deveríamos instalar painéis solares em áreas já edificadas em vez de construir novas estruturas na natureza”, completa por e-mail.

“O conceito da facilidade de instalação é, em princípio, muito interessante para aplicações em nível mundial”, afirma Heinrich. No entanto, o pesquisador acredita que a possibilidade de remover os painéis não seja necessariamente uma vantagem.

Heinrich é da opinião de que os módulos fotovoltaicos deveriam ser instalados uma vez e depois não mais tocados pelos próximos 20-30 anos. “Cada vez que são removidos”, explica, “os custos aumentam, assim como as possibilidades de danificar os equipamentos.”

Interesse internacional

O fundador da Sun-Ways acredita que os painéis solares podem ser posicionados em metade das linhas ferroviárias do mundo. A startup colabora em projetos semelhantes na Coreia do Sul, Espanha e Romênia e j´á teve conversas com potenciais parceiros na China e nos Estados Unidos.

TaeBon Park, presidente de uma empresa de tecnologia que colabora com o governo sul-coreano, gostaria de adotar a tecnologia da Sun-Ways nos cerca de 4.800 km da rede ferroviária do país. Park, presente na inauguração do projeto em Buttes, está particularmente interessado em como os painéis são conectados eletricamente e no sistema de instalação e remoção nos trilhos.

“Fizemos pesquisas sobre outros sistemas semelhantes. Escolhemos a Sun-Ways porque é uma tecnologia avançada e adequada à manutenção e ao funcionamento da operação ferroviária”, diz. Um projeto-piloto na Coreia do Sul deve começar este ano.

Máquinas sobre trilhos
Scheuchzer desenvolveu uma máquina especial para instalar e remover painéis solares entre os trilhos. Keystone / Jean-Christophe Bott

Dieter Napitupulu, diretor da Mutitron Automa, uma empresa de engenharia solar indonesiana, também está interessado na inovação suíça. Sua intenção é começar pela cidade de Bogor, na província de Java Ocidental, e depois estender a energia solar ferroviária por toda a ilha.

A Sun-Ways também está entre os projetos acompanhados no exterior pelo governo japonês . O Japão quer aproveitar os trilhos e outras estruturas ferroviárias para aumentar a produção solar e alcançar seus objetivos de descarbonização até 2050.

No entanto, antes de uma possível adoção do sistema suíço, ainda há várias questões a serem esclarecidas em termos de segurança do funcionamento dos trens e dos trabalhos de manutenção nos trilhos, ressalta o porta-voz do órgão.

Joseph Scuderi e sua equipe têm agora três anos para analisar se uma linha ferroviária pode servir também como usina solar. E, sobretudo, para demonstrar que aquela ideia surgida por acaso na estação ferroviária de Renens pode realmente revolucionar a maneira como o mundo produz energia solar. 

Edição: Gabe Bullard/vdv

Adaptação: Alexander Thoele

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