The Swiss voice in the world since 1935

Os pais deixaram Ian na África. Ele poderá se tornar suíço?

Homem em uma capela
Ian van Rooyen na sua primeira e até agora única visita aos seus pais biológicos na Suíça – numa capela no cantão dos Grisões, em 2024. zVg

Ian van Rooyen nasceu em Bulawayo, em 1977, em meio à guerra civil na então Rodésia. Seus pais, um jovem casal suíço radicado no exterior, o entregaram para adoção. Hoje, ele luta para retornar ao país de seus pais biológicos. Mas a lei o impede.

Na década de 1970, a Rodésia (atual Zimbábue) era, segundo a revista Der Spiegel em 1976, “junto com a África do Sul, o último bastião branco na África Austral, onde 270 mil brancos governam sobre 5,8 milhões de negros”. De acordo com o programa Rundschau, da televisão suíça SRF, exibido em 1978, cerca de 660 cidadãos rodesianos-suíços viviam no país naquela época. Mas o bastião ruiu e a guerra civil se espalhou.

Foi nesse contexto que um suíço de 20 anos e uma suíça de 17 chegaram ao país com uma oferta de emprego. “Eu só tinha 200 rands sul-africanos comigo”, conta Christine* hoje. Na época, eram cerca de 500 francos suíços. Sua avó também lhe havia enviado dinheiro para o vestido de noiva.

Christine, agora com 66 anos, cresceu como cidadã suíça e morava na África do Sul. Hans* havia chegado da Suíça poucos meses antes. O que quase ninguém sabia na época – e ainda se sabe pouco hoje – é que Christine, aos 17 anos, estava grávida. Em setembro de 1977, enquanto a guerra se intensificava ao seu redor, a jovem cidadã suíça deu à luz um menino na cidade de Bulawayo, na Rodésia.

Jovem demais para uma criança

Mas o casal se sentia jovem demais para cuidar do filho. O futuro na África Austral era incerto. Assim, decidiram entregá-lo para adoção. “Tínhamos pouco dinheiro e éramos vagabundos”, explica Christine hoje, por telefone. “Eu tinha certeza de que o menino estaria melhor se não ficasse conosco.” Entregá-lo foi difícil: ninguém sabia, e não havia ninguém para apoiá-los.

Esse capítulo permaneceu fechado por muito tempo. O passado ainda pesa sobre os pais biológicos. Falar sobre o assunto é perturbador e muito emocionante, diz Christine.

Logo após o nascimento do filho, o jovem casal suíço mudou-se para Botsuana, “em parte para evitar o recrutamento para o exército rodesiano”, explica Christine. Aquela não era a guerra deles.

Foto em preto e branco de um conflito armado
Em 1978, um segurança armado garante o serviço e a segurança no campo de golfe do Leopard Rock Hotel, na Rodésia. Eddie Adams / AP / Keystone

Depois de dois anos em Botsuana, o casal planejava voltar temporariamente à Suíça. “Nunca pensei que ficaríamos aqui”, diz Christine. O casal teve mais dois filhos na Suíça – onde ainda vivem hoje.

O garotinho suíço, porém, permaneceu na então Rodésia e foi oficialmente adotado por um casal rodesiano aos sete meses de idade. Cresceu como Ian van Rooyen, ao lado de uma irmã adotiva, em uma família cristã. A família morou inicialmente na Rodésia, mudando-se posteriormente para a África do Sul, onde Van Rooyen vive atualmente com a esposa e três filhos – um deles adulto e portador de uma doença neurológica rara.

“Alguém sente minha falta?”

O sul-africano de 48 anos se senta em seu escritório em Mbombela, cidade próxima à fronteira com Moçambique, após o trabalho, e conta sua história. “As coisas são como são”, diz Van Rooyen sobre as reviravoltas de sua vida. Embora sempre soubesse que era adotado, por muito tempo não sentiu necessidade de procurar seus pais biológicos. Isso só mudou após o nascimento de seu terceiro filho, há mais de seis anos.

Ele percebeu a profundidade do amor que sentia pelos filhos. “Pensei que, se sou capaz de sentir tais sentimentos, eles também poderiam fazer parte da minha herança”, diz Van Rooyen. Talvez houvesse pais em algum lugar que sentissem o mesmo por ele. E ele estava certo.

Foi então que começou a buscar suas origens. Há um ano e meio, Van Rooyen finalmente recebeu o e-mail crucial de uma agência: “Eles encontraram meus pais”, conta. Mais de 46 anos após seu nascimento, teve acesso à sua certidão e descobriu que seus pais biológicos são cidadãos suíços e vivem atualmente na Suíça.

Uma semana depois, no início de 2024, Van Rooyen falou com a mãe por telefone pela primeira vez e, dois meses depois, voou da África do Sul para a Suíça para conhecer seus pais biológicos e irmãos. “O primeiro encontro foi emocionante, mas também cauteloso”, diz ele. “Para mim, o retorno dele à minha vida é um presente”, afirma sua mãe biológica. Ela havia perdido a esperança de que um dia se reencontrassem.

Conteúdo externo

Uma história há muito reprimida

Van Rooyen fala com ponderação sobre o passado. Seu reaparecimento não trouxe apenas alegria à família biológica – e ele compreende isso. Sua fé o ajuda a lidar com a situação.

“Não é fácil para ninguém”, admite Christine. Essa é uma das razões pelas quais ela prefere não ter seu nome verdadeiro publicado. “Reprimi nossa história por muito tempo.” Caso contrário, a dor pela separação do primogênito teria sido grande demais. Tanto que até o filho mais novo não sabia nada sobre o irmão mais velho.

Ainda assim, os pais e Van Rooyen estão felizes por terem se reencontrado. “Christine e Hans nos visitam regularmente na África do Sul”, diz Van Rooyen. Seu pai biológico está atualmente com ele – e juntos comemoraram seu aniversário.

O sonho de viver na Suíça

Hoje, o tecnólogo biomédico de 48 anos sonha em se mudar para a Suíça com a família. “Quero ficar mais perto de Christine e Hans. Quero fazer parte da família”, diz Van Rooyen, que também é formado em teologia. “É sempre a mesma coisa com relacionamentos à distância: chega um momento em que acabam”, afirma. E isso é algo que ele quer evitar.

Junto com sua mãe biológica, iniciou agora um processo judicial para obter a cidadania suíça ou, pelo menos, uma autorização de residência. A esperança é que um precedente como o de Cate Riley, recentemente divulgado pela Swissinfo, possa ajudar.

“Sei que não é fácil conseguir uma autorização de residência ou mesmo a cidadania na Suíça”, diz Van Rooyen. “Mas acredito que há um jeito, se for para ser.”

No entanto, suas esperanças foram frustradas recentemente. Uma reunião entre seu advogado e sua mãe biológica no escritório cantonal de migração confirmou o pior: atualmente, não há meios legais para ele obter a cidadania suíça. Isso será formalizado nos próximos dias.

A porta permanece fechada

“Estamos lutando contra a lei”, diz Christine. O caso é difícil por vários motivos: primeiro, o nascimento de Van Rooyen nunca foi registrado em nenhuma autoridade suíça; segundo, na época, apenas adoções integrais eram permitidas – o que rompeu os laços legais com os pais biológicos, explica Christine.

As autoridades não conseguem citar um caso comparável, nem mesmo o de Cate Riley, já que a lei era diferente no início da década de 1970. “Mesmo que Ian tenha sido suíço durante os primeiros sete meses de vida, isso não adianta”, lamenta a mãe. Embora ele tenha encontrado suas raízes, um futuro na Suíça parece improvável.

Até mesmo obter uma autorização de residência pode ser um desafio. Como cidadão de um país terceiro e sem uma profissão especificamente demandada, ele terá poucas chances de conseguir um visto. O fato de ser filho de pais suíços é irrelevante.

A história de Van Rooyen é comovente, mas a lei não muda por isso. “A lei aparentemente não tem humanidade”, diz Christine, com tristeza. Van Rooyen encara a situação com serenidade e fé, acreditando que outra porta se abrirá. “As coisas são como são”, repete ele.

*Nomes alterados.

Edição: Balz Rigendinger

Adaptação: DvSperling

Extrato do vídeo produzido em 1978:

Mostrar mais

Os mais lidos
Suíços do estrangeiro

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR