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Trocar a Constituição herdada de Pinochet é opção para crise no Chile

Um manifestante segura uma faixa com a mensagem "Nova Constituição ou nada" em uma manifestação em Santiago afp_tickers

Uma nova Constituição, que substituiria a herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e apontada como a origem das desigualdades e a distância entre o mundo político e a sociedade, passa a ser considerada uma das possíveis soluções para a crise que atinge Chile.

Aprovada em 1980, em um referendo questionado, a Constituição foi um processo sob medida para que o regime de Pinochet e os setores conservadores pudessem manter seu poder, mesmo depois do fim da ditadura em 1990.

Seu ideólogo, Jaime Guzmán – assassinado por um comando de esquerda em 1991 -, estabeleceu quóruns muito altos para qualquer modificação substantiva da Carta Magna.

A texto original também estabeleceu uma série de “enclaves autoritários”, pois seus críticos descrevem o fato de que os senadores então foram nomeados e havia a impossibilidade de destituir os chefes das Forças Armadas, aspecto que somente em 2005 foi retirado da carta fundamental depois de um grande acordo político.

Naqueles anos, foi dito que a transição para a democracia estava concluída.

“O Chile hoje tem uma Constituição que não nos divide”, disse na ocasião o presidente socialista Ricardo Lagos, estampando sua assinatura na Carta Magna reformada e retirando dela a assinatura de Pinochet, em 17 de setembro de 2005.

Mas especialistas acreditam que ainda há muito a ser feito e, após uma tentativa fracassada de estabelecer uma nova Constituição durante o segundo governo da socialista Michelle Bachelet (2006-2010/2014-2018), essa opção agora aparece como uma das soluções possíveis para a grave crise social que mantém o país semiparalisado desde 18 de outubro, com um balanço de 20 mortes.

Os parlamentares de oposição reativaram uma iniciativa legal para estabelecer uma assembleia constituinte, como um primeiro passo para avançar em direção a uma nova Magna Carta.

O porta-voz do Supremo Tribunal, Lamberto Cisterna, também se juntou a esta iniciativa na quarta-feira.

A crise é tão vertiginosa que o presidente Sebastián Piñera foi forçado a mudar de posição há duas semanas.

“Não descarto nenhuma reforma estrutural”, disse ele na quarta-feira, quando questionado sobre a eventualidade de uma reforma constitucional.

– Estado ausente –

Com um vício de origem, a Constituição de Pinochet virou um obstáculo para as reivindicações dos chilenos, que agora desejam mais participação na tomada de decisões e reformas sociais em setores cruciais em um modelo de economia aberta aos mercados.

Durante a ditadura foram implementadas reformas que praticamente acabaram com a presença e o poder de regulamentação do Estado em áreas como educação, saúde e Previdência, os três pilares dos protestos nas ruas das útimas semanas.

“Temos um sistema que é muito hierárquico, que desconecta os cidadãos do poder político. Os países mais estáveis da América Latina, como o Uruguai, têm todo tipo de mecanismos de participação política, que são usados e não são traumáticos”, explica à AFP Claudio Fuentes, analista da Universidade Diego Portales.

– Precedente simbólico –

Os analistas concordam que uma mudança na Constituição não resolverá os problemas mais imediatos citados nos protestos, mas afirmam que estabeleceria um ponto simbólico a partir do qual seria possível alivar a tensão nas ruas.

“Estou convencido de que precisamos de uma nova Constituição e necessitamos não para corrigir todos os problemas de subdesenvolvimento ou desigualdade, e sim para fazer todas as coisas que temos que fazer: necessitamos de instituições mais legítimas”, afirmou à AFP o advogado constitucionalista Patricio Zapata.

“Aqui há um tema que é simbólico do que representa esta Constituição, porque obviamente nasceu na ditadura”, destaca o advogado Sebastián Zárate, da Universidade Adolfo Ibáñez.

Ao aceitando uma petição cidadã, Bachelet propôs em seu último governo uma nova Constituição. Com este objetivo, convocou diálogos com a população em agosto de 2016, com uma participação reduzida, que não superou 200.000 pessoas em todo o Chile.

A falta de participação na época provocou dúvidas sobre o real interesse dos chilenos em reformar a carta fundamental e reduziu a margem de manobra de Bachelet para pressionar o Congresso neste sentido.

“Se me perguntassem há três semanas, eu consideraria uma loucura uma Constituição nova, mas agora considero que faz parte de um pacto refundacional”, conclui Zárate.

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