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Menos armas no Brasil

Com a criação do Estatuto do Desarmamento, em vigor desde julho de 2004, 80% das lojas do setor fecharam as portas no Brasil. Keystone

Em 23 de outubro, brasileiros participam do primeiro referendo da história do país, dizendo "sim" ou "não" à questão "O comércio de armas deve ser proibido no Brasil?".

Na Suíça o grupo de defesa dos direitos humanos Amnesty International traz um grupo de brasileiros para contar sua experiência.

Violência e morte. A platéia no debate promovido na Universidade de Berna era formado por jovens estudantes suíços. Eles ficaram em silêncio depois de assistir os primeiros minutos do documentário “Entre muros e favelas”, realizado por cinegrafistas alemães.

Ele conta a história de Márcia Jerônimo, uma brasileira que perdeu seu filho em 2003, baleado pela Polícia Militar. “Ele foi uma das 1.195 pessoas que morreram pela mesma razão no Rio de Janeiro nesse mesmo ano”, conta uma das passagens do filme, que aborda também de forma mais abrangente a questão da violência numa cidade que, para muitos Europeus, ainda é sinônimo de praia e alegria.

O debate em Berna é parte de uma campanha mundial da Anistia Internacional pela restrição do comércio mundial de armas. Para tornar mais palpável o tema, a ONG de direitos humanos trouxe à Suíça um pequeno grupo de brasileiros, que veio explicar aos estudantes o referendo intitulado “O comércio de armas deve ser proibido no Brasil?”. Ele será votado em 23 de outubro e é também uma novidade na história política do maior país da América Latina.

Menos armas

“A cada 15 minutos no Brasil uma pessoa morre por armas de fogo. Na década passada isso equivaleu a 325.551 vidas perdidas”.

A foto de um jovem segurando uma pistola em cada mão e com a cabeça coberta por uma camisa, provavelmente numa das favelas do Rio de Janeiro, ilustra as estatísticas destacadas no site da campanha “Control Arms” (Controle de Armas) das ONGs Anistia Internacional, Iansa e Oxfam para o Brasil.

Para Marta Deyhle, se a população aprovar o referendo no Brasil as novas regras não vão solucionar o problema da violência, mas podem diminuir as mortes.

– São menos armas que estarão em circulação. E isso significa também que menos pessoas irão morrer em brigas de trânsito, de marido e mulher ou após bebedeiras entres amigos. Porém a polícia vai continuar com suas armas e forma de agir.

A carioca vive na Suíça há vários anos e trabalha no Comitê para os Direitos Humanos nas Favelas, uma ONG que foi criada junto com outros brasileiros e suíços. Seu filho, Carlos Magno de Oliveira Nascimento, foi uma das quatro vítimas executadas pela polícia militar do Rio de Janeiro no morro do Borel, no dia 17 de abril de 2003.

Ameaças de morte

Um dos momentos mais emocionantes do debate foi quando Elizabete Maria Souza começou a chorar ao resumir a história da sua vida. Hoje ela corre risco de vida.

Carioca e mãe de três filhos, ela é moradora da favela do Caju, no Rio de Janeiro. Em 2004, ela perdeu o irmão, que tinha apenas 13 anos quando foi assassinado. O crime nunca foi solucionado, mas ela acredita que foi um julgamento “informal”, como muitas vezes acontece nos morros cariocas.

A partir do crime, ela se engajou com outras mães de vítimas para criar a Rede de Comunidades e Movimentos contra a violência, um ONG brasileira que luta também pelo fim da exclusão social dos favelados na segunda maior cidade brasileira. Desde então está recebendo diariamente ameaças por telefone.

– Eles dizem que eu serei a “bola da vez” e que irão me “apagar”. Por isso não posso mais dormir na minha casa e nem tenho mais a chance de poder tomar café da manhã com meus filhos – conta.

Impunidade

Para os estudantes suíços, a visão de um país da impunidade ficou clara nas informações trazidas pelo brasileiro.

– No Brasil apenas 8% dos crimes são esclarecidos. Quando policiais assassinam moradores de favela, eles sempre alegam que o fizeram em legítima defesa. Com isso, eles invertem os papéis e se transformam em vítimas – afirma Marcelo Freixo.

Historiador e pesquisador da ONG de direitos humanos Justiça Global, ele lecionou durante anos no sistema penitenciário do Rio de Janeiro, chegando também a servir de mediador em rebeliões de penitenciárias.

Favorável ao “sim” no referendo das armas, ele também acredita que a nova lei poderia ser um primeiro passo para resolver a questão da violência, mas defende reformas mais profundas.

– É preciso investir na formação da polícia, na aplicação das leis e no respeito dos direitos humanos.

Solução?

O debate se encerrou e os jovens suíços voltaram para a casa no silêncio que chegaram. Entender a realidade do Brasil não é muito fácil, sobretudo quando a pessoa vem de um país onde os crimes violentos são tão raros como acidentes naturais. Em 2004, a Polícia Federal Suíça registrava 244 assassinatos.

No Brasil, com a criação do Estatuto do Desarmamento, em vigor desde julho de 2004, 80% das lojas do setor fecharam as portas. A informação é da Associação Nacional dos Proprietários e Comerciantes de Armas. Dos 1.500 pontos de venda existentes no início dos anos 90, restam 250. De 2001 a 2003, as dez lojas localizadas no estado do Rio venderam à população civil, somadas, cinco armas. Essa notícia foi publicada nos jornais brasileiros de quinta-feira.

swissinfo, Alexander Thoele

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