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O vigia noturno da catedral de Lausanne

A tradição de vigias noturnos da catedral de Lausanne já existe há 600 anos. Keystone

O vento bate nas paredes da catedral de Lausanne, um prédio construído em estilo gótico no século XIII.

Os sinos batem, anunciando as dez da noite. Repentinamente surge uma figura solitária no campanário e que grita no meio da noite: “C’est le guet! Il a sonné dix…Il a sonné dix!” (É o vigia noturno. São dez da noite. São dez da noite).

Renato Häusler segura firme o chapéu de feltro negro e pega com a outra mão a lanterna. Logo depois ele desce rapidamente para seu pequeno quarto, espremido entre os sinos da catedral.

“O tempo lá fora não está muito bom. Aqui dentro está mais confortável”, ele nos diz, convidando para entrar no seu aconchegante quarto.

Häusler acaba de começar seu turno como vigia noturno da catedral de Lausanne.

Entre dez da noite e duas da manhã, sua voz poderosa pode ser escutada ecoando através da cidade para marcar as horas.

“Nos últimos seiscentos anos sempre tinha alguém fazendo aqui esse trabalho”, conta o suíço, friccionando ao mesmo tempo suas mãos frias.

“É um grande prazer para mim fazer parte de uma tradição que perdura desde a Idade Média. Também é um grande privilégio estar sozinho neste maravilhoso prédio. Eu considero importante manter uma presença humana em um lugar como uma catedral”, acrescenta.

Alarme de fogo

De acordo com os registros oficiais, a figura do vigia noturno foi criada em Lausanne em 1405 logo depois que um grande incêndio ocorreu no povoado vizinho. Outras pessoas acreditam que ele já existia há muito mais tempo.

“Incêndio era um dos maiores perigos nos tempos da Idade Média”, explica.

Durante a construção da catedral, entre 1275 e o século XVII, seis grandes incêndios destruíram a cidade e tirando a vida de milhares de pessoas.

A descrição original do trabalho de vigia noturno era de fazer atenção até aos menores sinais de fogo. Ao percebê-lo, ele deveria tocar imediatamente o sinal de alarme. Outra tarefa era simplesmente anunciar a hora certa.

Em 1880, o governo tomou a decisão de acabar com a vigilância de fogo. Porém uma pessoa ainda era necessária para acionar o sino da catedral, fabricado no século XV. Desde então, apesar da pequena interrupção, mesmo as autoridades são os maiores apoiadores do cargo.

“Queremos manter a tradição e os símbolos de Lausanne. Seria impossível para nós imaginar acabar com esse posto”, reforça Häusler.

Hoje ele e um dos sete vigias noturnos tradicionais na Europa, mas o único que anuncia a hora durante todo o ano da torre do sino.

Häusler está feliz com seus cinco anos de experiência como vigia noturno, mas que pode ser acrescentado de mais quinze anos se for incluído também o tempo em que ele era o vigia-substituto. Sua esperança é de continuar pelo menos até a aposentadoria.

“Quando estou aqui em cima, sou capaz de me distanciar do cotidiano normal da vida. Esse lugar é uma fonte de energia, um campanário que existe há tantos séculos”.

Ativo

O suíço sabe se ocupar. Quando não está na catedral, Häusler trabalhar como professor de natação para cegos ou deficientes físicos.

E sentado no seu confortável quartinho localizado trinta metros acima da entrada da catedral, ele encontrou até uma forma de preencher o tempo entre as horas exatas.

Junto com um médico amigo, ele criou uma associação chamada “Actions Recherche Sida”, cujo principal objetivo é apoiar crianças africanas doentes de HIV e AIDS. Graças aos fundos recolhidos, ela já permitiu 500 jovens órfãos ruandeses doentes da AIDS freqüentar a escola.

“Aqui na torre eu posso resolver o trabalho administrativo da nossa associação”, explica.

Ao acender a vela e se preparar para anunciar que já são 23 horas da noite, ele não esconde o bocejo. “Às vezes o trabalho é difícil. Eu durmo apenas quatro ou cinco horas por noite, mas estou raramente cansado. Acho que já me acostumei a esse ritmo”.

Também a sua família não vê problema no emprego. “Eu os vejo pelas manhãs, na hora do almoço e no final da tarde. Eles já se acostumaram aos meus horários e mesmo ao trabalho diferente que eu realizo”, analisa.

Algumas noites, como esta com a companhia do jornalista da swissinfo, quando está muito frio para ir para a casa de bicicleta, Häusler dorme no seu pequeno quarto aquecido. O conforto não é importante para ele.

Não é muito fácil esticar as pernas na cama de apenas 1,5 metros de comprimento e distante apenas alguns centímetros do sino de 5,6 toneladas, cujo nome é Marie-Madeleine.

swissinfo, Simon Bradley

Na Idade Média, Lausanne era uma pequena cidade com pouco mais de oito mil habitantes, que habitavam em casas de madeiras construídas por entre ruas estreitas. Incêndios eram extremamente comuns e os vigias eram profissionais muitos requisitados. Eles trabalharam tanto nas ruas como na catedral. Sua principal função era acionar o alarme em caso de incêndio ou marcar as horas.

Respondendo a um grande incêndio ocorrido em 25 de outubro de 1405, o arcebispo da cidade lançou uma série de medidas preventivas, das quais uma incluía a criação de um cargo de vigia noturno da catedral.

No total, existem sete cidades na Europa que continuam a empregar esse tipo de vigia noturno criado na Idade Média: Lausanne, três cidades na Alemanha, Ripon (Inglaterra), uma cidade na Suécia e Cracóvia (Polônia). Mais recentemente, 108 outras cidades e povoados na Europa começaram a empregar vigias noturnos, sobretudo por razões turísticas.

Desde 1960, eles costumam marcar o tempo de 21:00 às 06:00. Renato Häusler faz o chamado entre 22:00 e 02:00.

Renato Häusler, 48 anos, é casado e tem duas filhas.
Ele é o vigia noturno da catedral de Lausanne desde 2002, mas começou como vigia-substituto já em 1987.
Häusler trabalha em tempo parcial cinco dias da semana, de 10 da manhã a 2 da tarde. O resto do tempo ele trabalha como professor de esportes para cegos e deficientes visuais.
Ele fala francês, suíço-alemão, inglês, italiano e espanhol.
Em 1999, junto com um médico suíço, ele criou a ONG “Actions Recherche Sida”, cujo principal fim é apoiar pesquisar para ajudar crianças com HIV/AIDS e ajudar órfãos afetados pela pandemia.

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