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Ucrânia: a indústria pioneira dos drones agrícolas quer voltar aos céus

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DroneUA preparando seus drones para pulverizar um campo Copyright Rozhenyuk Alexander 2023

Fazendas enormes e pouca regulação permitiram que a Ucrânia se tornasse uma potência em drones agrícolas. As restrições impostas pela guerra, contudo, desaceleraram o crescimento do setor que espera ansiosamente por um renascimento.

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Em 2024, a DroneUA, a maior importadora e distribuidora de drones usados para fins agrícolas da Ucrânia, registrou um faturamento de US$ 120 milhões (CHF 99,1 milhões) no país. Apesar da invasão russa em 2022, a empresa tem crescido de forma constante. “Mas não rápido o suficiente”, diz o fundador Valerii Iakovenko, que busca alavancar o crescimento também no exterior.

“No final de 2021, tivemos um pico de interesse em drones agrícolas na Ucrânia e estávamos prevendo triplicar ou quadruplicar o crescimento das vendas em 2022. Mas a guerra começou e, durante a guerra, não se pode usar livremente o espaço aéreo”, disse à SWI swissinfo.ch.

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Valerii Iakovenko, fundador da DroneUA. Sarsenov Daniiar

Em 2023, Iakovenko montou uma nova empresa chamada Futurology, em Newton, Pensilvânia, onde tem família. Em solo estadunidense, suas operações renderam US$ 15 milhões somente em 2024. 

“Os negócios agrícolas na Ucrânia estão muito difíceis no momento, mas estamos diversificando nossas atividades à espera do fim da guerra para impulsionar as operações agrícolas ucranianas”, diz ele. 

Nos EUA, sua empresa se beneficia de um setor nascente que está apenas começando a decolar graças à flexibilização das exigências para a operação de veículos aéreos não tripulados (UAVs). As regulamentações federais de aviação dos EUA costumavam tratar os drones agrícolas da mesma forma que as aeronaves de pulverização aérea de colheitas e só recentemente foram introduzidas isenções. Iakovenko compara o atual mercado de drones agrícolas dos EUA com o que a Ucrânia tinha em 2021.

“Todo o mercado na Ucrânia foi autorregulado a partir de 2019. Nós realmente recebemos um grande impulso para trabalhar com esse tipo de tecnologia e a situação que tínhamos em 2021 na Ucrânia é, na verdade, a situação exata que vemos nos Estados Unidos em 2024 e até mesmo em 2025. A Ucrânia estava três ou quatro anos à frente”, diz Iakovenko.

A ausência de regulamentações na Ucrânia – como a exigência de uma licença de piloto de drones ou restrições à pulverização de pesticidas tóxicos com o equipamento – permitiu que o setor crescesse rapidamente. De acordo com Iakovenko, no final de 2021 havia aproximadamente 1.500 drones pulverizando campos em toda a Ucrânia. Até mesmo os recém-chegados entravam logo em operação. 

“Comecei meu negócio em 2021 com dois drones. Consegui recuperar meu dinheiro em um mês”, diz Mykola Cherniak, CEO da empresa de drones agrícolas Agronix. “Na Ucrânia, a lei não diz a você o que fazer, mas apenas o que você não pode fazer. Isso nos permitiu fazer experimentos com diferentes produtos químicos e tecnologias, e agora temos muita experiência e dados.” 

Desafios em tempos de guerra

O setor foi duramente atingido pela guerra, com restrições gerando problemas na aquisição, consequências dos bombardeios na infraestrutura do país e a falta de energia.

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Em 2021, a empresa de Cherniak vendia cerca de 500 drones agrícolas por ano, mas agora vende apenas 100. Ele não pode mais comprar novos equipamentos e está limitado a vender estoque antigo ou modelos usados.

“Não podemos comprar drones porque as empresas não querem vender para a Ucrânia. Elas estão preocupadas com sua reputação e temem que seus drones sejam usados para fins militares”, diz. 

Dois meses após a invasão russa, a empresa chinesa DJI parou de vender drones tanto para a Ucrânia quanto para a Rússia. A maior fabricante de drones comerciais do mundo também estendeu o congelamento aos seus distribuidores em outros países. Embora os drones possam ser usados para fins pacíficos, como agricultura ou monitoramento ambiental, eles também podem ser facilmente adaptados para aplicações militares e de vigilância. 

A SWI entrou em contato com as Forças de Sistemas Não Tripulados das Forças Armadas da Ucrânia para entender a situação legal em relação ao uso de drones agrícolas e se esses drones estavam sendo reaproveitados para fins militares, mas não obteve resposta. Um perfil oficial de um operador de drones agrícolas indicou que, embora esses drones não sejam adequados para uso militar, seus componentes podem ser reaproveitados para sistemas de guerra. 

Atualmente, Cherniak depende mais dos serviços de pulverização com drones para gerar receita em vez de vendas dos equipamentos, mas até mesmo isso está diminuindo. No ano passado, sua empresa foi contratada para pulverizar 25.000 hectares, em comparação com 40.000 hectares em 2023, uma redução de 37,5%. 

Volodymyr Romaniuk, CEO da Bee Agro Aeroservices, se lembra de como o início da guerra freou seu negócio em um momento em que ele estava se recuperando. No final de 2021, ele viu uma oportunidade de expandir seus serviços para além da pulverização de plantações com drones. Romaniuk começou a produzir e vender estações de mistura – estruturas que medem e misturam os produtos químicos antes de encher o tanque do drone, deixando o processo de abastecimento mais seguro e eficiente.

“Em janeiro de 2022, antes da invasão, tínhamos até dez pedidos pré-pagos. E começamos os preparativos para aumentar a produção de nossas estações de mistura. Mas logo depois, em 24 de fevereiro (o dia em que a guerra começou), tivemos que parar e evacuar rapidamente nossas famílias de Kiev para a parte ocidental do país”, diz Romaniuk. 

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Volodymyr Romaniuk, diretor executivo da Bee Agro Aeroservices. BeeAgro

Romaniuk finalmente conseguiu retornar a Kiev em junho de 2022. No entanto, não conseguiu retomar seus negócios.

“Os fatores negativos que afetam nossas atividades incluem o bombardeio constante da infraestrutura de energia de Kiev, o que, por sua vez, leva a quedas de energia. E isso afeta diretamente o processo de produção”, diz ele. 

Não são apenas os ataques russos que afetam os negócios. As medidas defensivas do exército ucraniano contra os drones kamikaze Shahed projetados pelo Irã e provenientes da Rússia também podem interromper toda a atividade dos drones. De acordo com Cherniak, as unidades de batalha radioeletrônica (REB) instaladas pelas forças ucranianas após os ataques russos bloqueiam as comunicações. Os bloqueadores impedem o funcionamento do GPS, o que significa que os drones agrícolas não podem voar.  

Recursos humanos também são um problema. Todos os anos, Cherniak precisa treinar novos pilotos de drones porque qualquer pessoa com mais de 25 anos pode ser recrutada pelo exército. Por conta disso, sua empresa foi forçada a empregar e treinar três pilotos com apenas 18 anos de idade.

“Tenho um doutorado e sou professor em uma universidade. Não serei recrutado, mas meus pilotos de drones são como um presente embrulhado para o exército”, diz o empresário de 32 anos.

O crescimento do uso de drones nas lavouras

Há cerca de uma década atrás, os drones começavam a ser usados para vigilância de plantações na Ucrânia, facilitando o monitoramento de propriedades enormes. De acordo com o Banco Mundial, há cerca de 10.000 fazendas corporativas na Ucrânia com um tamanho médio de 1.650 hectares, e 55 propriedades agrícolas de até 510.000 hectares.

“Estamos falando de pequenos drones vendidos nas prateleiras dos supermercados que são capazes de filmar a situação do campo de cima. Os drones não estão mapeando, mas simplesmente nos permitem ver partes do campo que antes não eram vistas do solo”, diz Iakovenko.

O mercado foi evoluindo e, a partir de 2019, os drones passaram a ser usados não apenas para detectar danos causados pelo clima, pragas e doenças, mas também como uma alternativa para aplicação de produtos. Um dos primeiros usos em larga escala de drones agrícolas foi a pulverização de herbicidas como o glifosato para causar a dessecação em lavouras de girassol. Esse tipo de pulverização mata e seca a planta, tornando-a mais barata para a colheita e o transporte.

“Quando começamos em 2021, 80% dos serviços de drones agrícolas eram usados para dessecação de colza, girassol e um pouco de milho. Agora os drones são usados para pulverizar inseticida no milho e fungicidas no girassol, na colza e na soja”, diz Cherniak.

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As estações de mistura medem os agroquímicos e os misturam antes de encher o tanque do drone. Isso torna o processo de reabastecimento dos tanques dos drones mais seguro e eficiente. BeeAgro

De acordo com Iakovenko, as vantagens da pulverização por drones não são tanto o custo – em 2021, o custo da pulverização estava na faixa de US$ 10 a US$ 12 por hectare, com IVA incluído, o mesmo que o do maquinário convencional – mas a possibilidade de intervir a qualquer momento.  

“Por exemplo, duas horas após as chuvas, podemos pulverizar fungicidas protetores em vez de esperar quatro ou cinco dias para que o campo seque. Às vezes, a colheita era perdida no solo só porque o maquinário não conseguia entrar no campo. Os drones na agricultura são como um serviço de emergência, como ambulâncias, para salvar a colheita da destruição total”, diz Iakovenko.

Agricultores em dificuldades

Apesar de a lei marcial restringir o uso do espaço aéreo, os agricultores ucranianos ainda podem usar drones para pulverizar suas plantações. Mas para isso precisam de permissões ou isenções especiais.

“É preciso tempo e recursos humanos para solicitá-las e, em algumas regiões, os pedidos de isenção estão sendo ignorados. Os responsáveis não entendem como esse serviço é fundamental para os agricultores”, diz Iakovenko.

Os agricultores ucranianos com dificuldades financeiras receberam alguma ajuda do exterior. Um projeto financiado pela USAID, chamado Agriculture Growing Rural Opportunities (Agricultura, Crescimento de Oportunidades Rurais) ou AGRO, permitiu que os agricultores ucranianos continuassem a usar os serviços de drones. A própria ex-administradora da USAID, Samantha Power, visitou os beneficiários dos serviços de pulverização por drones em 2023 como uma demonstração de apoio aos agricultores ucranianos. O programa sobreviveu ao congelamento dos projetos da USAID pelo governo Trump.

Conteúdo externo

A Pix4D, empresa suíça de tecnologia de drones, está ajudando a manter os operadores ucranianos de drones agrícolas, oferecendo licenças gratuitas para sua tecnologia. 

“Lidamos com a Pix4D há pelo menos sete ou oito anos e somos seu principal parceiro na Ucrânia. Eles deram um enorme apoio aos agricultores ucranianos e aos serviços de emergência, oferecendo licenças gratuitas para todos os participantes, para todo o mercado”, diz Iakovenko.

A empresa suíça confirmou seu compromisso contínuo com os agricultores da Ucrânia.

“De fato, continuamos apoiando a Ucrânia, incluindo a extensão de licenças gratuitas”, disse Andrey Kleymenov, CEO da Pix4D.

Em baixa, mas não fora

Os empresários com quem a SWI conversou continuam otimistas em relação ao futuro dos drones agrícolas na Ucrânia.

 “A Ucrânia ainda é o maior mercado de drones agrícolas da Europa, embora tenha se estabilizado. E ainda somos um dos maiores mercados da Europa em relação à venda de peças de reposição para drones”, diz Iakovenko. 

O país ainda está mais avançado do que o resto da Europa devido às limitações impostas pela Diretiva de Uso Sustentável de Pesticidas da União Europeia. Em sua forma atual, a diretiva da UE proíbe qualquer pulverização aérea de produtos de proteção de culturas. Permissões especiais podem ser concedidas para casos específicos de uso, como a pulverização em encostas íngremes em vinhedos, mas são difíceis de obter e podem levar tempo.

“Com a estrutura correta em vigor, o mercado de serviços de drones na Europa poderia, até 2030, atingir um valor de € 14,5 bilhões, com uma taxa de crescimento anual composta de 12,3%, e criar 145.000 empregos na UE”, declarou a Comissão Europeia em seu comunicado Drone Strategy 2.0 em 2022. 

A Suíça foi o primeiro país da Europa a desenvolver uma estrutura regulatória para a pulverização de plantações com drones em 2019. De acordo com uma pesquisa realizada pelo instituto agrícola suíço Agroscope, a área total pulverizada por drones no país atingiu um pico de 846 hectares em 2023. 

Mais da metade da área tratada (472 hectares) foi de vinhedos e estima-se que 11,5% dos vinhedos suíços por área foram pulverizados por drones em 2023. A maioria desses tratamentos envolveu fungicidas. 

Outros usos de drones agrícolas incluem a pulverização em cultivos de beterraba, girassol, batata ou colza (185 hectares), bem como o controle de ervas daninhas com herbicidas em pastos (80 hectares). Os drones também são usados para lançar vespas parasitas (Trichogramma evanescens) em 36 hectares de campos de milho para controlar a disseminação de mariposas.

Se a visão da Comissão Europeia para 2030, favorável aos drones, se tornar realidade, as empresas ucranianas poderão encontrar um mercado pronto para receber seu conhecimento e experiência. Algumas delas, como Romaniuk, já têm uma base de apoio no continente.

“Apesar das ameaças e dos riscos, a partir de meados de 2022, conseguimos entrar nos mercados europeus com nossos próprios produtos. No momento, temos parceiros ou vendemos diretamente para o cliente final em países como Moldávia, Romênia, Grécia, Bulgária, Polônia, Eslováquia, Hungria, Suécia, República Tcheca, Espanha e Reino Unido”, diz ele. 

Além disso, a Ucrânia é uma superpotência de drones militares. No ano passado, os fabricantes ucranianos produziram 2,2 milhões de drones FPV (aqueles que voam acompanhados por uma pessoa observando e pilotando) e a meta para 2025 é de 4,5 milhões de drones FPV. Parte do aumento de escala beneficiará inevitavelmente o setor de drones agrícolas quando o conflito terminar. 

“A Ucrânia é o maior fabricante de drones do mundo. Estamos fabricando mais drones do que a China e temos dezenas de milhares de operadores de drones no país. Após o fim da lei marcial, eles precisarão mudar do setor de defesa para algum tipo de uso comercial”, diz Iakovenko.

Cherniak tem esperança de que empresas como a sua consigam lucrar com a oportunidade de sua vida.  

“Acredito que cerca de 5% do exército ucraniano de um milhão de pessoas podem se tornar pilotos de drones agrícolas. Terei todas as cartas certas quando a guerra terminar, pois tenho todo o conhecimento e a infraestrutura”, diz ele.

Edição: Virginie Mangin/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)

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