Acordo suíço-americano pode inundar mercado com carne barata e hormonada?
Os EUA reduziram as tarifas sobre as exportações suíças de 39% para 15%, mas, em troca, acordaram a isenção de impostos para carne, peixe e frango americanos na Suíça. Os consumidores suíços devem se preocupar?
Quando, em 1º de agosto, os EUA anunciaram a imposição de uma tarifa de 39% sobre todas as importações suíças para os Estados Unidos, o clima entre os exportadores suíços foi de grande susto e comoção. O número de 39% foi uma surpresa, porque o governo suíço estava convencido de que havia negociado a redução da tarifa de 31% anunciada em abril para um valor mais palatável de 10%. Em vez disso, os exportadores suíços se viram de frente com a tarifa mais alta da Europa.
Como se temia, as tarifas punitivas de 39% também afetaram o setor agrícola suíço, especialmente a indústria de queijos. Representando cerca de 11% das exportações suíças, com 8.774 toneladas em 2024, os Estados Unidos são o segundo maior mercado para o queijo suíço, depois da Alemanha. Os dados relativos ao mês de agosto (quando a tarifa entrou em vigor), divulgados em outubro, mostram uma queda de 55,4% nas exportações suíças de queijo para os EUA, em comparação com uma queda de 9,4% nas exportações mundiais.
No dia 14 de novembro, o governo suíço anunciou que havia assinado enfim um memorando de entendimento não vinculativo com os EUA para reduzir a alíquota da tarifa. Mas a medida é suficiente para oferecer alívio aos agricultores suíços e o que isso significa para o consumidor?
Como o novo acordo afetará as exportações de queijo suíço?
O anúncio, em 14 de novembro, de reduzir as tarifas dos EUA de 39% para “apenas” 15% deve ser um alívio para os produtores de leite suíços, que poderão aumentar as exportações de queijo para os EUA.
“Uma redução das tarifas de 39% para 15% certamente seria um sinal positivo para o setor e poderia melhorar a competitividade de nossos produtos”, afirma Désirée Stocker, porta-voz da Switzerland Cheese Marketing.
No entanto, a Suíça e os EUA ainda estão trabalhando no cronograma de implementação da nova tarifa, o que significa que a indústria suíça de queijos ainda não está totalmente fora de perigo.
“Para nós, a época de Natal é particularmente importante, e todos os pedidos para esse período ainda foram feitos com a tarifa de 39%. Portanto, certamente precisaremos esperar até o primeiro trimestre antes de tirar qualquer conclusão”, acrescenta Stocker.
Há também preocupações de que a redução da tarifa não seja suficiente para convencer os americanos a estocarem queijo suíço novamente. Antes de agosto, o queijo Gruyère estava sujeito a uma tarifa de 10% e era vendido por uma média de CHF 50 (US$ 60) o quilo nos EUA, mais do que o dobro do que custa na Suíça. Com uma tarifa de 39%, ele custa cerca de CHF 65 o quilo, e uma queda para uma tarifa de 15% ainda o colocará em CHF 52,50 o quilo.
“Não sabemos o que vamos conseguir, por exemplo, se os 15% se aplicam a todos os tipos de queijo e se os americanos ainda comprarão nosso queijo se ele custar 15% a mais em vez de 39% a mais”, diz Sandra Helfenstein, porta-voz do Sindicato dos Agricultores Suíços.
Nas letras miúdas
Para obter a redução da tarifa para 15%, as empresas suíças tiveram que prometer investir US$ 200 bilhões nos EUA até o final de 2028. E a Suíça também teve que concordar em reduzir as tarifas de importação sobre produtos industriais americanos.
As tarifas sobre peixes e outros frutos do mar americanos serão reduzidas sob o novo acordo. Esta não é uma concessão tão grande, pois este setor não é sensível para o país sem litoral que importou 825 toneladas de peixes e frutos do mar dos EUA em 2024.
Mas, o setor de pecuária altamente protegido da nação alpina também não foi poupado. A carne, considerada um setor sensível pela União dos Agricultores Suíços, está em negociação. De acordo com o memorando de entendimento, a Suíça concederá aos EUA acesso isento de impostos para determinados produtos cárneos. Essa concessão se aplicará apenas a uma cota fixa anual, para garantir que a Suíça não seja inundada com carne americana. Os pecuaristas americanos poderão exportar 500 toneladas de carne bovina (quase o dobro das importações de 2024, que foram de 261 toneladas), 1.000 toneladas de carne de bisão e 1.500 toneladas de aves para a Suíça com isenção de impostos.
À primeira vista, isso não parece grande coisa. Afinal, a produção doméstica de carne só consegue atender cerca de 80% da demanda. O restante precisa ser importado principalmente da Áustria, Alemanha e Irlanda, no caso da carne bovina, e do Brasil, no caso das aves.
“Sempre importamos carne bovina dos Estados Unidos, mas apenas em pequenas quantidades. A quantidade proposta neste acordo é apenas ligeiramente superior à quantidade atual e, portanto, não tem impacto significativo na produção ou nos preços domésticos”, afirma Philippe Haeberli, porta-voz da Proviande, a associação industrial do setor de carne suíço.
Para garantir que a produção doméstica de carne não seja afetada, a Suíça regula suas importações de carne por meio de um sistema de cotas baseado no número de animais abatidos ou leiloados no país. Os importadores podem licitar essas cotas — que estão sujeitas a uma tarifa muito mais baixa — por meio de leilões em um portal da web. Uma vez esgotadas essas cotas, os importadores devem pagar tarifas muito mais altas para importar carne para a Suíça. Ainda não está claro se as concessões oferecidas aos EUA se enquadram nessa cesta ou se estão acima dessas cotas tarifárias baixas.
“Dentro das cotas tarifárias seria melhor. Mas esse barril também está se enchendo lentamente, porque o Conselho Federal também fez concessões aos países do Mercosul no setor de carne”, diz Helfenstein, da União dos Agricultores Suíços.
Para cumprir seus acordos internacionais, isso poderia significar que a Suíça importaria mais carne em 2026, possivelmente em detrimento da produção doméstica, ou reduziria as importações de outros países em favor dos EUA.
Carne bovina com hormônios e frango clorado acabarão nas mesas suíças?
Embora o anúncio não forneça detalhes, está claro que o memorando de entendimento permite que mais carne bovina e frango americanos entrem na Suíça com uma tarifa mais baixa. Isso inclui carne bovina proveniente de gado tratado com hormônios para acelerar o crescimento para abate, uma prática proibida na Suíça.
Estima-se que entre dois terços e 90% do gado bovino americano criado convencionalmente receba implantes hormonais ou seja alimentado com reguladores de crescimento no confinamento. Essa carne pode ser vendida na Suíça, desde que os testes realizados no país não revelem nenhum resíduo de hormônios.
“A carne bovina americana não é nada barata e contém hormônios de crescimento, o que deve ser claramente indicado no rótulo de venda. Realmente não acreditamos que os consumidores suíços aceitarão grandes quantidades desse tipo de carne. Pelo contrário, a maioria dos consumidores suíços exige carne suíça de alta qualidade e confia no bem-estar animal garantido na produção de carne suíça”, diz Haeberli, da Proviande.
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Outra questão relacionada às importações dos EUA citada pela Proviande é o uso de banhos químicos contendo cloro ou outros produtos químicos para desinfetar carcaças de aves após o abate. Essa medida para proteger os consumidores de patógenos como a salmonela é aprovada pelo Departamento de Agricultura dos EUA. No entanto, o uso desses banhos químicos é proibido na Suíça e na União Europeia, que, em vez disso, contam com padrões rígidos de higiene em todas as etapas do processo de produção.
“Se o frango americano foi tratado com cloro ou o gado com hormônios e antibióticos, os consumidores devem ser informados disso antes da compra. Exigimos que o Conselho Federal não apenas exija a declaração da carne tratada com hormônios, como tem sido o caso até agora, mas também introduza uma exigência de declaração para o frango clorado”, afirma Sara Stalder, da Associação Suíça de Proteção ao Consumidor.
De acordo com Stalder, as importações isentas de impostos terão um impacto nos preços, embora os varejistas suíços insistam atualmente que não estão interessados em estocar importações dos EUA.
“O setor de restaurantes e catering, em particular, que responde por 50% do consumo de carne, sempre relutou em declarar métodos de produção proibidos. Portanto, a declaração é inegociável”, acrescenta ela.
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Edição: Virginie Mangin/fh
Adaptação: Clarissa Levy & Fernando Hirschy
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