Pesquisador muda forma como envelhecemos

Pouco conhecido fora dos círculos acadêmicos, o pesquisador Michael Hall mudou para sempre o entendimento do envelhecimento. Aos 71 anos, ele é o responsável por uma das descobertas mais importantes da biologia moderna: o gene TOR, base da substância rapamicina, considerada hoje a aposta mais promissora da ciência para prolongar a vida.
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Michael Hall é praticamente um desconhecido no contexto dos debates sobre longevidade, hoje inflados pelas redes sociais. Hall não publicou livros sobre os motivos pelos quais envelhecemos nem participou de qualquer filme sobre os segredos das pessoas centenárias. Ele não é proprietário de algum negócio paralelo de venda de suplementos nem divulga os benefícios do oxigênio hiperbárico ou da terapia da luz vermelha – tratamentos encontrados em muitas clínicas hoje voltadas para a longevidade.
O biólogo de 71 anos, de fala mansa, cuja semelhança com o ator estadunidense Robert DeNiro é impressionante, atribui sua própria saúde e vitalidade ao básico: “exercícios, uma boa dieta, interações sociais e, possivelmente, uma boa genética”, afirmou Hall à SWI swissinfo.ch.
Seu distanciamento da atual febre de longevidade é ainda mais incrível, dado que sua pesquisa é amplamente considerada por ter transformado nossa compreensão do envelhecimento e, potencialmente, de como torná-lo mais lento.
As pessoas tentam entender a longevidade há séculos. Avanços enormes na ciência como a inteligência artificial, deram aos cientistas motivos para acreditar que estamos à beira de uma grande descoberta.
Isso alimentou um novo movimento da longevidade, com clínicas e empresas surgindo em várias partes do mundo, como Arábia Saudita, Estados Unidos e Suíça, oferecendo testes sofisticados, terapias inovadoras e um mundo de promessas.
A Suíça tem sido uma peça-chave na busca pela juventude eterna já no passado, quando turistas vinham experimentar os poderes curativos das suas termas. Clínicas de bem-estar suíças, pesquisadores e empresas farmacêuticas contribuíram para o avanço do campo da longevidade.
Mas até que ponto essa nova tendência da longevidade é uma moda? Podemos realmente estender nossa expectativa de vida e por que queremos isso?
Este artigo faz parte de uma série que investiga a crescente tendência da longevidade e o papel da Suíça. Artigos e vídeos podem ser vistos AQUI.
No início da década de 1990, Hall descobriu um gene na levedura que atua como um disjuntor na célula, regulando o crescimento e o metabolismo celular em resposta aos nutrientes a seu redor. Ele deu a esse gene o nome de Target of Rapamycin (TOR), em homenagem ao composto rapamicina, originalmente descoberto a partir de uma bactéria na década de 1960, que se tornou um medicamento imunossupressor amplamente utilizado em transplantes de órgãos. O gene recebeu o nome de mTOR quando foi encontrado em mamíferosLink externo.
O TOR afeta também os processos celulares que ocorrem à medida que envelhecemos. Tomar um medicamento como a rapamicina inibe o TOR, ativando a autofagia, o processo próprio da célula de limpar tecidos velhos ou danificados e proteínas que se acumulam na célula à medida que envelhecemos.
Uma série de estudos mostra que a rapamicina aumenta a vida útil de várias espécies animais. Hoje em dia, há uma comunidade de entusiastas da longevidadeLink externo em crescente expansão, da qual faz parte, por exemplo, o médico estadunidense Peter AttiaLink externo, que faz experimentos com a rapamicina como medicamento antienvelhecimento – baseando-se nas descobertas originais de Hall de mais de 30 anos atrás.
Apesar de suas contribuições para o campo da longevidade, Hall não se considera um especialista em envelhecimento. Suas pesquisas eram voltadas para a ciência básica por trás do TOR e em como ele poderia ser usado para combater o câncer. Hall recebeu diversos prêmios por seu trabalho, mas somente em 2024 foi homenageado por sua contribuição ao campo do envelhecimento.
Em novembro de 2024, ele recebeu o Prêmio Balzan – concedido a quatro pessoas a cada ano por suas realizações nas artes, humanidades e ciências – por suas “contribuições revolucionárias” para nossa compreensão dos mecanismos biológicos do envelhecimento.
Primeira experiência com longevidade
Hall deparou-se com a ciência do envelhecimento pela primeira vez muito antes de se tornar pesquisador. Um tio abastado e excêntrico tinha a ambição de viver até os 100 anos de idade e estava planejando uma expedição para entrevistar e realizar um exame físico de “centenários vigorosos” em todo o mundo. Ele foi acompanhado por outro tio de Hall, que era médico, e por Alexander Leaf, então diretor do Hospital Geral de Massachusetts e amigo de Hall.
“Perguntei, em tom de brincadeira, se precisavam de alguém para carregar suas malas. Meu tio disse que sim, com certeza”, conta Hall, que havia acabado de concluir sua graduação em Zoologia na Universidade da Carolina do Norte. “Estávamos na década de 1970. Ninguém falava sobre envelhecimento como hoje”, lembra.
No entanto, sua missão foi decepcionante. “Não conseguimos encontrar muitos centenários vigorosos”, diz Hall. Um obituárioLink externo de Alexander Leaf no New York Times em 2013 observou que as expedições, patrocinadas pela National Geographic Society, haviam sido criticadas, pois algumas das pessoas muito idosas entrevistadas acabaram mentindo ou estavam mal-informadas sobre suas idades.

Embora a viagem não tenha resultado em grandes descobertas, Hall foi influenciado por ela. “Isso despertou meu interesse pelo envelhecimento como um empreendimento científico”, relata. Embora tenha feito seu doutorado em biologia molecular na Universidade de Harvard no final da década de 1970, ele continuou a acompanhar essa área do conhecimento à distância.
Nas décadas de 1980 e 1990, havia “muito nonsense” no campo do envelhecimento para que Hall pudesse levá-lo a sério. “Era como um circo com três picadeiros e um monte de gente maluca andando de um lado para o outro. Qualquer um na rua, querendo ganhar uns trocados, era especialista em envelhecimento”, recorda Hall, que afirma ter visto pessoas em conferências vestidas como o Pai do Tempo. “Havia pouquíssimos cientistas de verdade trabalhando com envelhecimento”, observa.
Grande descoberta
Hall decidiu não se dedicar aos estudos sobre envelhecimento e continuou pesquisando na área de biologia molecular. “Eu queria entender o mecanismo por trás de como uma proteína é transportada para o núcleo” de uma célula, diz ele. Isso, completa Hall, proporciona uma visão crítica de como as células funcionam. Problemas nesse processo têm sido associados a doenças como câncer, infecções virais e distúrbios neurodegenerativos.
Depois de realizar uma pesquisa de pós-doutorado em importação nuclear de proteínas na Universidade da Califórnia, em São Francisco, Hall queria continuar seu trabalho em outro lugar. O bioquímico suíço-austríaco Gottfried Schatz o convenceu a se juntar a ele no Biozentrum, o Instituto de Pesquisa em Biologia Molecular da Universidade da Basileia.
A pesquisa de Hall teve um início difícil, até que um aluno de pós-doutorado chamado Joe Heitman se juntou à equipe. Heitman sugeriu observar como os medicamentos imunossupressores funcionariam, para entender como as informações passam pela superfície da célula até o núcleo.
Naquele momento, os medicamentos imunossupressores, como a rapamicina, “pareciam interessantes, porque eram a base de uma revolução na medicina”, afirma Hall. Esses medicamentos tornaram os transplantes de órgãos viáveis, pois impediam que o sistema imunológico atacasse um órgão estranho. “De alguma forma, eles retardavam o crescimento das células imunológicas ao bloquear a importação nuclear de um sinal”, explica Hall. “Além disso, muito pouco se sabia sobre como esses medicamentos funcionavam”, acrescenta.
A descoberta do TOR por Michael Hall e sua equipe foi resultado de uma longa e complicada jornada, que começou em 1964, quando um grupo de cientistas do Canadá fez uma expedição à Ilha de Páscoa, também conhecida como Rapa Nui, em busca de micróbios exóticos que pudessem ser usados em medicamentos – no caso, medicamentos antifúngicos. Eles trouxeram amostras do solo e as entregaram a outros cientistas, que posteriormente encontraram uma espécie bacteriana em uma das amostras que produzia um composto com propriedades imunossupressoras.
O composto recebeu o nome de rapamicina em homenagem a Rapa Nui e acabou sendo aprovado como medicamento imunossupressor pela FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora do departamento de saúde dos EUA), para evitar a rejeição em transplantes de órgãos. A rapamicina e seus derivados, como o everolimo, foram posteriormente aprovados como tratamentos para vários tipos de câncer e outras doenças.
Na década seguinte, Hall e sua equipe fizeram várias descobertas importantes, ao estudar a rapamicina em células de levedura. A primeira descobertaLink externo importante do grupo de pesquisadores foi publicada em 1991 na revista Science e identificou dois genes até então desconhecidos – o TOR1 e o TOR2. Quando mutados, eles eram resistentes aos efeitos da rapamicina nas células.
A equipe sequenciou o gene, a fim de identificar a proteína codificada por ele. Pesquisas posteriores descobriram que o TOR é um controlador central do crescimento celular – o que Hall descreve como uma de suas descobertas mais gratificantes. “Olhando em retrospecto, parece incrível que esse aspecto fundamental da biologia não fosse conhecido. Há tantas doenças, como o câncer, que se baseiam no crescimento aberrante das células”, diz Hall.
Em decorrência dessa descoberta, a indústria farmacêutica passou a desenvolver uma nova classe de medicamentos no combate ao câncer conhecidos como bloqueadores de mTOR, que incluem o everolimo, vendido pela empresa suíça Novartis sob o nome comercial de Afinitor.
Do câncer à longevidade
A descoberta de Hall sobre o TOR como regulador-chave do crescimento e do metabolismo celular forneceu também informações sobre as razões pelas quais envelhecemos. Quando o TOR é desacelerado pela ingestão de um medicamento como a rapamicina ou pelo jejum, ele estimula um processo de limpeza na célula chamado autofagia, que se torna menos eficaz à medida que envelhecemos. Sem a autofagia, as células danificadas se acumulam, o que pode levar a condições relacionadas à idade, como a osteoartrite e a neurodegeneração.
Um avanço importante ocorreu em 2003, quando um cientistaLink externo da Universidade de Friburgo, na Suíça, descobriu que bloquear o TOR em vermes aumentava sua vida útil em torno de 20% a 30%. “Essa foi uma descoberta enorme e realmente abriu as portas para a pesquisa sobre o TOR e o envelhecimento”, diz Hall.
Pesquisadores começaram a testar o medicamento rapamicina em mamíferos, que têm mais semelhanças genéticas com seres humanos. Em 2009, cientistas dos EUA descobriramLink externo que a rapamicina prolongava a vida útil dos camundongos em 14% nas fêmeas e 9% nos machos.
Mesmo com o surgimento de mais resultados, Hall nunca trabalhou diretamente na interseção entre o TOR e o envelhecimento. “Achei que tinha coisas mais importantes para fazer e deixei que os especialistas em envelhecimento descobrissem o TOR no contexto do envelhecimento”, diz. Contudo, seu respeito pelo estudo do envelhecimento cresceu. Segundo ele, apesar dos muitos exageros, há uma ciência muito mais rigorosa em torno do tema que no passado.
Hoje, Hall é convidado com frequência para proferir palestras em conferências sobre envelhecimento, sendo elogiado por suas descobertas nos círculos que estudam a longevidade. Em seu livro Why We Die (Por que morremos), o biólogo indiano-americano Venki Ramakrishnan, vencedor do Prêmio Nobel de Química em 2009, descreveu Hall como “um dos cientistas vivos mais ilustres do mundo”.
Ciência com credibilidade
Os cientistas ainda têm muito a aprender sobre como o TOR pode afetar a expectativa de vida dos seres humanos. Testes clínicos de medicamentos para retardar o envelhecimento são difíceis de serem realizados, visto que envelhecer não é uma doença reconhecida pelas autoridades sanitárias reguladoras. Isso significa que não há um caminho para a aprovação de um medicamento e há pouco incentivo para a indústria farmacêutica investir em testes. A pesquisa com animais continua, contudo, em ritmo acelerado, incluindo um projeto para estudar os efeitos antienvelhecimento da rapamicina em cãesLink externo.
Apesar da falta de evidências em humanos, uma comunidade crescente de entusiastas da longevidade está disposta a apostar na rapamicina. Pelo menos 20 mil pessoas nos EUA estavam tomando o medicamento em forma de pílula em setembro de 2024, e o número de consumidores está aumentando em cerca de 300% ao ano, segundo informa uma plataforma onlineLink externo de “adeptos iniciais” da rapamicina. Alguns afirmam ter percebido benefícios leves, que vão desde a perda de peso até o alívio da dor, de acordo com um artigoLink externo publicado em setembro de 2014 no New York Times.
O uso da rapamicina não está, contudo, isento de riscos. Bryan Johnson, um dos mais importantes influenciadores da longevidade e fundador do movimento “Don’t Die” (Não morra), anunciou no Instagram em dezembro do ano passado que, após cinco anos de experimentos, havia parado de tomar o medicamento devido a seus efeitos colaterais – incluindo infecções dos tecidos moles e aumento da frequência cardíaca em repouso.
Alguns especialistas continuam otimistas. “É provável que, no fim, vamos ter medicamentos melhores, mas, por enquanto, a rapamicina ainda é o que há de mais promissor para a longevidade”, afirma Brian Kennedy, um dos principais pesquisadores do mundo sobre envelhecimento, que agora trabalha na Universidade Nacional de Cingapura. Até o momento, a rapamicina continua sendo o único medicamento que aumentou de forma considerável o tempo de vida de diferentes espécies.
Hall, que não toma rapamicina, diz que, embora ela possa não ser a pílula mágica, qualquer medicamento para prolongar nossa vida útil “vai inevitavelmente levar de volta ao TOR”.
Edição: Nerys Avery/vm/gw
Adaptação: Soraia Vilela
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