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“Diplomatas africanos e ocidentais estão chocados”

O jornalista senegalês Gorgui Ndoye frente à bandeira da ONU. swissinfo.ch

"Os cartazes eleitorais de tendência racista mancharam a imagem da Suíça no mundo", declara o jornalista senegalês Gorgui Ndoye, que cobre a ONU em Genebra desde 2000. Entrevista swissinfo.

Os cartazes estão dando o tom para a campanha política que termina nas eleições legislativas de outubro, suscitando também reações internas.

Correspondente da BBC África, Gorgui Ndoye desembarcou em Genebra em 1999. Aos 36 anos, esse senegalês hiperativo escreve também para os jornais “Sud Quotidien” e “Matin du Senegal”, além de manter o site “Continent Premier”, criado por ele em 2004 para tratar da atualidade africana a partir de Genebra.

Gorgui Ndoye cresceu em Rufisque, uma das quatro comunas senegalesas onde os cidadãos tinham a nacionalidade francesa no tempo colonial e de onde vem também Ousmane Socé Diop, o primeiro embaixador do Senegal independente, baseado em Genebra.

O jornalista se sente bem em Genebra entre seus amigos suíços e de outros países. Ele também não se incomoda com os controles feitos pela política à procura de imigrantes ilegais. Talvez para apaziguar a situação, a polícia até lhe convidou à participar posteriormente de um programa de luta contra o racismo entre os agentes da ordem.

Como você analisa o início da campanha eleitoral na Suíça?

Gorgui Ndoye: Desde que eu vivo em Genebra, essa é a primeira vez que eu sinto uma certa violência pairando no ar, uma sensação que tem criado um mal-estar entre a comunidade africana na cidade. Isso, pois a Suíça é um país que goza de uma boa imagem na África. Porém com essa atual campanha política, muitos se perguntam se esta é a Suíça que eles conhecem.

Contrariamente ao que pretende a UDC (União Democrática do Centro – partido da direita nacionalista), o cartaz que representa uma ovelha negra sendo expulsa por ovelhas brancas transmite deliberadamente uma mensagem racista.

Eu não pensava que isso iria tão longe. O primeiro relatório de Doudou Diène (relator especial da ONU sobre o racismo) sobre a Suíça, publicado na primavera, constituía uma forte advertência. A resposta do governo suíço reafirmava sua intenção de lutar contra esse problema.

Além disso, eu constato que os diplomatas dos países ocidentais que eu pude encontrar em Genebra estão chocados pelo que ocorre no país. De forma privada, eles se perguntam até onde vai esse racismo descarado na Suíça.

Você já escreveu sobre a campanha da UDC para os órgãos de imprensa onde trabalha?

Como eu estou engajado na luta contra o racismo na Suíça, um país onde o diálogo é sempre possível, decidi intervir na imprensa suíça. Isso significa que algumas das minhas reportagens foram republicadas por jornais africanos ou colocadas nos seus sites na Internert, suscitando inúmeros comentários.

Eu farei meu trabalho de jornalismo às vésperas das eleições federais. Nesse sentido, quero dar voz a todos os partidos, incluindo também a própria UDC.

É típico da democracia suíça de debater tudo, o que pode ocasionar por vezes derrapagens. Em todo caso, esse é o argumento dado pelo governo suíço para o Conselho dos Direitos Humanos em setembro.

Na sua primeira resposta ao relatório de Doudou Diène, as autoridades suíças reconheceram a existência de racismo na Suíça, uma atitude que é rara por parte de um governo.

Porém quando reconhecemos o mal, é necessário agir de forma determinada e não justificar o fenômeno por questões econômicas ou outros. Além disso, a liberdade de expressão deve cessar no ponto onde uma proposta tende a negar a existência da outra.

Em sua opinião, como a comunidade africana na Suíça vive essa campanha?

Existem pessoas que estão sofrendo nesse país. Elas não querem falar, pois têm medo de perder seu visto de permanência.

Além disso, temos a impressão que muitos homens políticos ou jornalistas vêem a África através de um prisma deformador. Somos vistos unicamente como traficantes de drogas ou solicitadores de asilo político.

Como exemplo, as mídias não falam quase nunca dos africanos que freqüentam as universidades suíças e que produzem teses extraordinárias, ou também dos diplomatas que atuam em Genebra.

Esses diplomatas africanos se questionam cada vez mais e denunciam entre si a hipocrisia de uma Suíça que se arvora ser campeã dos direitos humanos e bem tímida frente ao racismo sobre o seu próprio solo.

Alguns desses representantes de Estados africanos ou seus familiares também já foram vítimas de atos racistas.

Esse clima degradado favorece a aproximação entre os africanos que vivem na Suíça?

Esses males provocam, de fato, uma reaproximação. Eu pude constatar após a minha chegada, que não existe aqui uma comunidade estruturada através de uma associação que reúna todos os outros grupos. Essas associações também penam a durar, sobretudo por falta de recursos.

Se a Suíça quer desenvolver uma boa política de integração, ela deve ajudar essas associações e favorecer um processo de federação em nível nacional para ter um interlocutor reconhecido.

swissinfo, Frédéric Burnand

“Em 2002, os africanos representavam 2,9% da população estrangeira e 0,6% da população suíça. Entre 1990 e 2002, 22.676 imigraram da África.

A noção de descendência africana se refere a indivíduos cujo passado cultural e origem são ligados à África negra, seja porque eles vêm de um país africano, seja porque eles são membros da diáspora negra.

Cerca de 60% dos africanos e 50% dos latino-americanos e sul-americanos vivem na parte francesa da Suíça.

Texto retirado do estudo sobre os negros na Suíça (clicar link “Estudo da Comissão Federal contra o Racismo”).

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