
Como um par de salsichas desencadeou a Reforma Suíça

O momento: nove de março de 1522, o primeiro domingo de Quaresma. A cena do crime: a oficina de uma gráfica em Grabengasse, a apenas alguns passos dos muros da cidade de Zurique.
É fim de tarde e uma dúzia de homens se reúne entre blocos de impressão e caixas de linotipos para desafiar a igreja Católica e os dignitários da cidade. O proprietário do prédio, Christoph Froschauer, está lá. Sua oficina faz todas as impressões para o governo de Zurique.
Também estão presentes dois padres. Um é Huldrych Zwingli, 38 anos, oriundo de Toggenburg, no cantão de St. Gallen. Após estudar em Viena e na Basileia, ele foi padre em Glarus e no local de peregrinação Einsiedeln. Foi chamado então pela igreja Grossmünster, em Zurique, onde rapidamente ganhou a reputação de um talentoso, porém não convencional, pregador.
O outro é Leo Jud, da Alsácia, que em 1519 se tornou o sucessor de Zwingli em Einsiedeln. Ele é quase tão velho quanto Zwingli e é considerado o seu mais confiável confidente.
Além da teologia, o comércio estava também representado: Hans Oggenfuss, um alfaiate, Laurenz Hochrütiner, um tecelão, e o sapateiro Niklaus Hottinger são também conhecidos em Zurique como as principais cabeças pensantes reformistas.

Eles ganhariam notoriedade muito além de Zurique um ano depois quando, em seu zelo religioso, derrubaram e cortaram em pedaços uma cruz no caminho que levava aos portões da cidade.
O quarto comerciante é Heinrich Äberli, um padeiro, igualmente radical. Somente quatro dias antes, na Quarta-Feira de Cinzas, um dia de expiação, intercessão e jejum, ele bateu de frente com os pios católicos. Na casa dos padeiros, ele ostensivamente comeu um – provavelmente feito em casa – assado, em plena consciência de que comer carne durante a Quaresma era proibido pelas autoridades, que efetivamente aplicavam a proibição.
Foi uma tremenda provocação – ninguém em Zurique havia visto algo assim – mas era um período de agitação religiosa.
Questão particular
Todos os homens na oficina da gráfica querem quebrar as regras de jejum também, jogando as autoridades e a igreja para escanteio. Juntos, eles comem duas salsichas grelhadas cortadas em pequenos pedaços e se asseguram de que a notícia de seu ato de rebelião se espalhe pela cidade.

Zwingli é a única pessoa que não come nada. Seu trabalho é justificar a provocação teologicamente. Duas semanas mais tarde, ele professa um sermão inflamatório, “Sobre a Escolha de Comida e Liberdade”, no qual ele afirma que a Bíblia não contém regras de dieta. Não é um pecado quebrar o jejum, ele continua, e isso não pode, todavia, resultar em punição pela igreja.
Jejum é uma questão privada, ele diz. “Se você que jejuar, então o faça, se você preferir não comer carne, não coma, mas conceda aos cristãos sua liberdade”.
Apenas três semanas depois, o sermão de Zwingli foi impresso por um amigo, Christoph Froschauer. O escândalo é agora perfeito e Zurique está em pé de guerra. Acontecem nas tavernas brigas entre fãs de Zwingli e seus oponentes; circula o rumor de que fanáticos querem raptá-lo e levá-lo ao bispo em Constance para ser enquadrado por seu superior.
Revolução da salsicha
Para Zwingli, quebrar o jejum é um tremendo sucesso. Quando o Bispo de Constance envia uma delegação para descobrir o que está acontecendo, Zwingli senta à mesa de negociação como um parceiro em igualdade de condições e distingue a si mesmo como um instigador do movimento reformista.
No entanto, Froschauer, que é o responsável por todas as impressões do governo, tem de se desculpar por sua indiscrição. Entretanto, pouco antes da Feira do Livro de Frankfurt, ele reclama que é forçado a trabalhar “dia e noite, dias úteis e feriados”, para que não acabe “comendo amendoim”.

Mas o Caso das Salsichas não lhe trouxe nenhum dano, pois ele é visto como estando no lado certo da história ao publicar alguns anos depois a primeira Bíblia completa da Reforma.
Um ano após a reunião em Grabengasse, todo jejum é abolido em Zurique. O governo, portanto, não somente seguiu a interpretação da Bíblia feita por Zwingli como, ao mesmo tempo, rompeu com uma tradição da Igreja Católica.
Enquanto a Reforma na Alemanha começou com 95 teses estudadas, na Suíça tudo teve início com um assado e um par de salsichas.
Regula Bochsler
Regula Bochsler estuda História e Ciência Política na Universidade de Zurique.
Ela trabalhou durante alguns anos como editora, jornalista e apresentadora da SRF, a televisão pública suíça. Ela fez dez ou mais programas de televisão, assim como exposições.
Seus livros incluem “O Olho da Renderização. A América Urbana Revisitada” (2013), “Eu Sigo Minha Estrela. A Vida Combativa de Margarethe Hardegger” (2004) e “Deixando a Realidade para Trás. Etoy versus eToys.com e outras batalhas para controlar o ciberespaço” (2002).
Adaptação: Fabiana Macchi

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