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Fada Verde nasce em vale suíço

O bisavô de Yves Kübler (destilaria Blackmint) já produzia absinto em 1863. swissinfo.ch

Freira no Val-de-Travers inventa em 1769 a "Fada Verde" como elixir medicinal. Um médico torna a bebida conhecida e um comerciante funda a primeira destilaria.

Um século e meio depois, o absinto se torna a bebida maldita dos artistas, intelectuais e das massas. Por fim, uma tragédia sela seu destino.

A planta do absinto já era conhecida na antiguidade como uma erva medicinal. Além de ajudar contra a insônia, ela era utilizada no tratamento de problemas intestinais, de digestão, epilepsia e também contra a falta de apetite.

O primeiro registro documentado da bebida ocorreu em 1769, quando o jornal de Couvet, uma pequeno povoado no Val-de-Travers, um vale localizado na região oeste da Suíça, não muito distante da fronteira com a França, publicou o anúncio de um elixir medicinal fabricado por uma freira, a irmã Henriod, e batizado de “Bon Extrait d’Absinthe” (Bom Extrato de Absinto). Ele era feito à base de álcool, absinto, anis, erva-cidreira e outros ingredientes secretos. Segundo a religiosa, a bebida era eficaz contra bronquite, febre, problemas digestivos e cólicas.

Posteriormente o elixir de absinto se tornou popular no Val-de-Travers através de um médico francês, um refugiado da Revolução Francesa, que o aplicava com sucesso nos seus pacientes.

Primeira destilaria

Em 1797, o comerciante Major Henry Dubied comprou a receita secreta da irmã Henriod e criou a primeira destilaria industrial de absinto no Val-de-Travers. No pequeno espaço, Dubied, seu filho Marcellin e o genro Henri-Louis Pernod, produziam inicialmente 16 litros por dia. As vendas do produto, chamado “Pernod Fils”, não foram boas no início dos negócios.

Porém o absinto se popularizou e Henri-Louis Pernod decidiu abrir sua própria fábrica em Couvet, um povoado da região. Em 1805, ele se expandiu ao fundar a empresa “Pernod Fils” em Pontarlier, na França, transformando depois o país dos vinhos na capital mundial do absinto.

Devido ao sucesso de Dubied e Pernod, outras destilarias foram abertas no Val-de-Travers a partir de 1825. Em 1860, uma quinzena deles estava funcionando em Couvet. Quarenta anos depois, a destilação de absinto atravessou os limites do Val-de-Travers e 40 fábricas produziam o absinto em toda a Suíça.

Bebida da moda

Absinto foi a droga de moda dos boêmios da Belle Époque. No século XIX, artistas e intelectuais não apenas tomavam o absinto em qualquer ocasião, como também gostavam de experimentar com seus efeitos. Alguns críticos chegam a afirmar que a fase “azul” de Picasso e a “fase amarela” de van Gogh devem-se à influência da “Fada Verde”.

Muitas pinturas da época também retrataram a bebida: “Bebedor de absinto”, de Eduard Manet; “Monsieur Boileau no Café”, de Henri de Toulouse-Lautrec; “Bebedor de absinto”, de Jean-François Raffaeli; “Copo com absinto”, de Pablo Picasso e “A bebedora de absinto”, de Vincent van Gogh.

A fama maldita e misteriosa do absinto cresceu com as histórias escandalosas vividas por muitos artistas da época. Conta-se que Vincent van Gogh arrancou sua orelha para dar ao seu colega pintor Paul Gauguin quando estava sob efeito da “Fada Verde”.

Em 1873, depois de uma noite de bebedeira, o poeta francês Paul Verlaine atirou no seu amante, o também poeta Arthur Rimbaud.

Assassinato e proibição

Quando a produção de álcool barato industrial inundou o mercado na Europa do início do século XX, o absinto se popularizou, transformando-se numa espécie de droga de massas. As conseqüências imediatas foram o alcoolismo generalizado e degradação da saúde popular.

Em 1912, as estatísticas mostravam que 220 milhões de litros de absinto eram produzidos na França. Na Suíça, dizia-se que 40% da população adulta era dependente da “Fada Verde”.

Proporcional a sua popularidade, também era a sua oposição na Europa: para muitos médicos da época o absinto era responsável por todos os tipos de problemas como epilepsia, impotência, tuberculose, sífilis e até a criminalidade, suicido e loucura.

Na Suíça, a saga do absinto, que começou em 1769 com o elixir mágico da irmã Henriod, terminou 140 anos depois com um assassinato: em 28 de agosto de 1905, o trabalhador Jean Lanfray matou sua mulher e seus dois filhos com uma espingarda, depois de ter bebido duas garrafas de absinto.

Em 1908, num plebiscito popular, 63,5% dos eleitores suíços e 20 cantões sobre 22 apoiaram a criação de um artigo constitucional decretando a proibição do absinto. A lei foi aplicada em 1910, colocando a “Fada Verde” na lista das drogas malditas.

Até 1913, o absinto estava proibido nos Estados Unidos e em quase toda a Europa. Apenas a Espanha, Portugal, Dinamarca e Inglaterra ainda permitiam a produção, porém limitando quantidade de thujone na bebida.

Liberalização na Suíça

Em 1º de janeiro de 2000, os juízes da Suprema Corte decidiram retirar a proibição do absinto da constituição da Suíça. Eles argumentaram que as leis fundamentais do país não deveriam abordar o problema, mas sim o código penal.

Em junho de 2005, os deputados federais aprovaram a liberalização completa do absinto no Parlamento. A lei entrou em vigor em primeiro de março de 2004 e hoje provoca o renascer de uma indústria tipicamente suíça que já estava desaparecida há séculos.

swissinfo, Alexander Thoele

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