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Godard ganha Oscar em Hollywood

Jean Luc Godard assiste a um debate no início deste ano, em Paris, onde apresentou seu último filme, “Socialismo”. AFP

O recluso diretor de cinema franco-suíço, Jean-Luc Godard, recebeu um Oscar honorário em homenagem aos 50 anos de sua obra como "um dos modernistas seminais" da história do cinema.

No entanto, sem muita surpresa, Godard – conhecido por filmes como “O Acossado” e “O Demônio das 11 Horas” – disse à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas que não vai comparecer à cerimônia.

“Ele reiterou seu agradecimento ao prêmio”, declarou o presidente da Academia, Tom Sherak, e também enviou os parabéns aos outros homenageados da noite – Kevin Brownlow, Francis Ford Coppola e Eli Wallach – que ele se refere como “os três outros mosqueteiros”.

O jantar de gala fará uma homenagem a Godard com clipes de filmes e comentários de admiradores. O prêmio será aceito em nome de Godard pela Academia e a estatueta do Oscar será entregue a ele na Suíça, explicou a Academia.

O reconhecimento de Godard da parte de Hollywood reacendeu o debate sobre seu pressuposto anti-semitismo. Acusado recentemente pelos jornais Jewish Jornal e New York Times, o relacionamento – já frio – entre o cineasta e Hollywood acabou esfriando mais ainda.

No centro da discórdia está, não só o apoio bem conhecido que o diretor dá à causa palestina, mas também seus comentários em uma entrevista ao jornal suíço Le Matin em 1985, que foi reimpressa em 2008 na biografia de Richard Brody. No livro, Godard é citado dizendo que a indústria cinematográfica está ligada à usura judaica.

“O que eu acho interessante no cinema é que, desde o início, há a idéia de dívida. O produtor ainda tem essa imagem de judeu europeu”, disse.

O artigo no Jewish Journal também destaca um documentário de 1976 “Here and There”, no qual o diretor insere imagens alternadas de Golda Meir e Adolf Hitler, colocando-os no mesmo nível.

Alergia à carpete vermelho

Mas a ausência de Godard na cerimônia de Hollywood provavelmente não será interpretada como anti-semita, anti-capitalista ou anti-americana. O que ele muito provavelmente vai fazer é confirmar sua aversão à premiações e tapetes vermelhos. O diretor também não compareceu à homenagem que lhe foi dada em Berlim pela Academia de Filmes Européia, em 2007. Sem contar a desculpa indecifrável que deu este ano para não comparecer ao Festival de Cannes, na estréia de seu último filme, “Socialismo”.

Em todo caso, a discussão vai colocar os holofotes sobre o nome de Godard na imprensa de Hollywood e contribuir provavelmente para o deleite do diretor que, apesar de suas opiniões provocadoras, é um grande fã do cinema hollywoodiano.

Mesmo que Godard nunca tenha guardado segredo de seu desdém pelo sistema de estúdios, ele tem muita admiração e foi muito inspirado pelos filmes americanos classe B, a ponto de dedicar “A bout de souffle” à Monogram Pictures, um estúdio que fez centenas de filmes de ação e aventura de baixo orçamento nas décadas de 1930, 40 e 50.

E o personagem do filme interpretado por Jean-Paul Belmondo foi uma homenagem óbvia a Humphrey Bogart.

Influência em Hollywood

“Mais do que qualquer outro cineasta francês da “Nouvelle Vague”, Godard foi para a cultura do cinema americano o que os Beatles e Rolling Stones foram para o rock”, disse Steven Gaydos, diretor-executivo da revista especializada “Variety”.

“Como na reavaliação brilhante da obra de Alfred Hitchcock feita por François Truffaut, Godard nos mostrou que devíamos olhar mais de perto para os nossos malfeitores e a maneira como se comportavam e não se preocupar tanto com a fragilidade das histórias”.

O diretor americano Quentin Tarantino é um dos maiores admiradores de Godard. Ele dedicou ao cineasta franco-suíço o seu filme “Reservoir Dogs” e batizou sua produtora de “A Band Apart”, em referência ao filme de Godard, “Bande à part”.

“Sem Godard não há Tarantino”, acrescentou Gaydos. “É um começo muito grande!”

“Estranhamente, de todos os diretores franceses da “Nouvelle Vague”, a influência de Godard no cinema americano é provavelmente a menos importante. Mas isso não quer dizer que é insignificante. Eu acho que ele fortificou as aspirações artísticas dos cineastas norte-americanos na década de 1960 e 70 e, em seguida, realmente serviu como uma espécie de santo padroeiro do movimento indie americano do início dos anos 90, para melhor ou para pior”.

“Cinema de guerrilha”

Godard também influenciou Robert Altman, Martin Scorsese, Jim Jarmusch, Hal Hartley e Steven Soderbergh. Esses abraçaram seu estilo visual, técnicas de edição experimental, tiros na mão, voz sobre estilo de narrativa e referências da cultura pop – e tudo mais que foi definido como “cinema de guerrilha”.

Sofia Coppola fez uma homenagem à Godard quando ela recebeu o Oscar de melhor roteiro pelo seu filme de 2003, “Lost in Translation”.

Paradoxalmente, o Godard anti-capitalista e marxista se tornou um ícone do marketing da indústria da moda. Na primavera passada, o designer americano Rodarte confeccionou réplicas da camisa usada por Jean Seberg em Acossado para comemorar o 50º aniversário do filme.

E a marca Diesel lançou um vídeo interativo inspirado em “Bande à part” em que os personagens se movem e falam como no filme, mas basta um clique de mouse nas roupas para abrir uma nova janela com informações de compra.

Isso mostra o poder da cultura pop e do cinema, que é tão precioso para Godard e seus discípulos americanos.

Jean-Luc Godard (Paris, 3 de Dezembro de 1930) é um cineasta francês reconhecido por um cinema vanguardista e polêmico, que tomou como temas e assumiu como forma, de maneira ágil, original e quase sempre provocadora, os dilemas e perplexidades do século XX. Além disso, é também um dos principais nomes da “Nouvelle Vague”.

Godard passou a infância e juventude na Suíça e depois estudou etnologia na Sorbonne. A partir de 1952 colaborou na revista Cahiers du Cinéma e, depois de vários curta-metragens, fez em 1959 seu primeiro filme longo, À bout de souffle (Acossado), em que adotou inovações narrativas e filmou com a câmera na mão, rompendo uma regra até então inviolável. Esse filme foi um dos primeiros da Nouvelle Vague, movimento que se propunha renovar a cinematografia francesa e revalorizava a direção, reabilitando o filme dito de autor.
(Fonte: Wikipédia)

(Claudia Laffranchi em Los Angeles)

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