
Realizado o sonho de ser cantor

Aos 6 anos, Luiz Alves da Silva, cantava na igreja. Aos 18 venceu concurso de canto sem pisar em conservatório. Depois, vendeu uma flauta para estudar na Europa. Não se arrepende.
Hoje o contratenor resgata a música colonial brasileira.
O caçula dos Alves da Silva estava destinado à carreira de engenheiro. A honrosa profissão devia evitar-lhe a pobreza em que viviam os pais, com cinco filhos para educar, em Videira, centro de Santa Catarina.
O destino do caçula seria outro. E hoje, 20 anos depois de chegar à Suíça, Luiz está consciente de que seu sonho de ser músico e cantor, manifestado já aos 6 anos, se realizou plenamente.
Além de tornar-se maestro e exercer seus talentos de contratenor, o catarinense, 40 anos, efetiva também seu principal objetivo como artista que é difundir a música colonial brasileira, “música de alto nível e merece ser respeitada” no Brasil e conhecida na Europa. (Leia reportagem em “Sobre o mesmo assunto”)
As primeiras experiências
Mesmo estabelecido em Zurique, a maior centro suíço, onde as condições de vida são consideradas das melhores do mundo – Luiz se lembra com nostalgia de sua cidade natal, de 40 mil habitantes, “essencialmente formada por imigrantes italianos e alemães”.
Lembra-se das enchentes recorrentes do rio Peixe, afluente do Uruguai, em particular do dia espantoso em que “a ponte em frente à casa foi levada pelas águas”.
Vão longe aqueles dias de infância, mas Luiz recorda-se muito bem de sua mãe cantando na Igreja e nas festas: “Era a única pessoa da região que o fazia”.
Ele era ainda garoto quando uma freira, “diretora da escola” lhe perguntou se também queria cantar. Com a religiosa aprendeu algumas músicas que ela acompanhava ao órgão, sem imaginar que estivesse fomentando uma vocação.
“Imagina uma criança de seis anos cantando na Igreja, no dia das mães, no dia dos pais, no dia da professora, dia da independência, dia da república, dia do índio!? Era sucesso garantido”, entusiasma-se o artista.
Da flauta ao canto
A preocupação dos pais era, entretanto, que o filho subisse na vida. Mandaram-no com 12 anos para a escola técnica de Curitiba, no Paraná, para estudar engenharia: “Meu futuro era ser engenheiro”, lembra-se Luiz.
Só que quando entrou nessa escola, dedicou-se com mais afinco a estudar flauta transversal.
E aí, adeus estudos técnicos. Por assim dizer a flauta “atravessou”, pois a dedicação à música, em detrimento da engenharia, é cada vez maior. E aos 14 anos começa a tocar com amigos e a formar “um grupinho”. Com eles funda, em 1980, com apenas 16 anos, o Conjunto Renascentista de Curitiba.
É a partir de então que em vez tocar flauta transversal ele começa a cantar em concertos: “Cantava cada vez mais, também fora do Paraná, em São Paulo, no Rio de Janeiro… Com bastante sucesso”, diz o artista.
A guinada
E, surpresa: aos 18 anos ganha um concurso de canto lírico para jovens solistas promovido pela Orquestra Sinfônica de São Paulo. Surpresa porque Luiz nunca tinha pisado em conservatório!
Foi a essa altura que Luiz se deu conta de que precisava mesmo estudar canto e teve vontade de ir para Europa, dando uma guinada de 180 graus na sua vida. Mas cadê dinheiro? “Foi difícil, tive que vender até a flauta e outras coisas, mas deu certo”.
O objetivo inicial da viagem era ficar um mês na Espanha, mas sua professora não apenas o convenceu como também o ajudou a estudar na Suíça, na Schola Cantorum Basiliensis – de renome internacional.
“Fiz o vestibular (para o conservatório) sem esperança”, diz Luiz. Mas tudo se encaminhou e ele acabou não apenas por estudar como também por estabelecer-se na Suíça.
Longos estudos
No período em Basiléia conseguiu se virar para financiar os estudos, seja, no início, lavando pratos, para garantir a comida, seja cantando em igrejas, em casamentos ou missas fúnebres. Os professores sempre davam uma mãozinha quando podiam.
Luiz fez curso completo no conservatório de Basiléia: diploma de 4 anos que dá direito de ser professor de música; diploma de concertista e diploma de solista (um ano cada).
Não ainda satisfeito, foi a Zurique por mais um ano fazer estudo de ópera. “Foram uns 8-9 anos de estudos superiores de música”, constata o artista.
Ele dispunha então de uma base sólida para exercer a carreira de cantor e maestro e dedicar-se à música barroca e resgatar a música colonial brasileira.
swissinfo, J.Gabriel Barbosa
Natural de Videira (SC), o contratenor e maestro Luiz Alves da Silva, vive em Zurique há 20 anos. Estudou na Schola Cantorum Basiliensis e fundou o Ensemble Turicum, especializado em música barroca. Seu principal objetivo artístico: resgatar a música colonial brasileira.
Luiz adora Lisboa como cidade e Maria Callas, “o ápice”, como artista.

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