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“A liberdade vai trazer a prosperidade de volta à Argentina”

Um homem sentado em uma cadeira
SWI

Federico Sturzenegger, assessor de Javier Milei para assuntos econômicos, defende a conduta polêmica do presidente argentino e explica como enxerga a atual situação política do país. Entrevista swissinfo.ch.

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Durante a campanha eleitoral, o presidente argentino Javier Milei gostava de aparecer em público com uma serra elétrica na mão. Com essa ferramenta de trabalho árduo, ele pretendia transmitir a mensagem: agora chega alguém para dar uma arrumada geral. Entre outras coisas, Milei prometeu fechar instituições essenciais, como por exemplo o Ministério da Saúde.

Desde que assumiu a presidência do país, ele começou então a implementar sua política de austeridade, que tem como objetivo debelar a inflação alta.

O partido de Milei tem apenas 14%Link externo de assentos no Parlamento, o que faz com que o governo dependa dos votos de outras facções – o que tem acontecido. Uma variação da “lei básica” de Milei, que prevê a privatização dos Correios e do tratamento de esgotoLink externo, entre outras coisas, foi recentemente aprovada pelo Congresso.

Embora Milei continue tendo muitos apoiadores, as manifestações contra seu governo também têm aumentado. Em abril, centenas de milhares de pessoas foram às ruas. Um dos motivos dos protestos são os cortes nas universidades públicas, que estão perdendo em torno de 65% de seu poder aquisitivo como resultado da política econômica do presidente.

Além das ressalvas à política econômica, a conduta do atual governo frente à história argentina, sobretudo no que diz respeito aos crimes da ditadura militar, vem sendo criticada dentro e fora do país. “Javier Milei quer um novo passado” estampou em 2 de maio, por exemplo, o jornal liberal Neue Zürcher Zeitung.

O economista Federico Sturzenegger, que entre outros cargos já foi presidente do Banco Central Argentino, é visto como o arquiteto do programa econômico de Milei.

Em entrevista à swissinfo.ch, Sturzenegger defende a conduta polêmica do presidente argentino e explica como enxerga a atual situação política do país.

O rosto de um boneco sobre um cartaz
“Ele não tem dinheiro” está escrito no pôster desta caricatura de Javier Milei, com a qual um manifestante protestou contra o governo em 1º de maio. KEYSTONE/Copyright 2024 The Associated Press. All rights reserved

swissinfo.ch: O senhor é o conselheiro do governo Javier Milei para assuntos econômicos. Qual é o primeiro passo mais adequado para reduzir a inflação?

Federico Sturzenegger: O preço mais alto pela inflação é pago pelos mais pobres na sociedade. É como um imposto injusto. Por esse motivo, qualquer tentativa de reduzir a inflação vale a pena.

Javier Milei decidiu enfrentar o déficit orçamentário – o cerne do problema. Para compensar o déficit fiscal, o governo anterior teve que distribuir dinheiro através do Banco Central. Isso nos levou à inflação.

Milei está excepcionalmente comprometido com um orçamento equilibrado. Embora ainda houvesse déficit em janeiro e fevereiro, ele já atingiu um superávit. Quando o déficit fiscal estiver revertido, não haverá mais fator inflacionário.

Isso põe também um fim à inadimplência e à negociação recorrente da dívida externa. Quando Milei assumiu o governo, o risco-país da Argentina no Banco MundialLink externo era de 2.500 pontos – agora é de aproximadamente apenas a metade disso. Para mim, isso é algo muito promissor.

Um homem sentado a mesa ladeado por outros
O gabinete de Javier Milei se apresenta em uma foto oficial. Federico Sturzenegger está diretamente à sua direita. Foto oficial do governo da Argentina

swissinfo.ch: Alguns dos planos de remodelação de Milei, que deveriam ter o efeito de um choque, ignoram ou negligenciam os parâmetros legais na Argentina. O senhor acredita que, em vista da situação atual, as regras democráticas precisam ser deixadas de lado?

FS: Não, de forma alguma. Acho que todos nós temos uma obrigação profunda de respeitar nossa democracia. Sem dúvida. De fato, a Argentina está vivendo um momento democrático extraordinário.

Entre 2013 bis 2015, fui deputado de uma facção conservadora ligada a Mauricio Macri, quando os apoiadores de Cristina Fernández de Kirchner obtiveram maioria nas duas câmaras parlamentares. Na época, dizíamos: “O Congresso é um secretariado”, pois o Parlamento simplesmente aprovava o que o governo queria.

Não havia separação dos poderes. Na minha opinião, o kirchnerismo foi um ataque sistemático ao Judiciário.

Uma multidão
O casal Nestor (falecido em 2010) e Cristina Fernandez de Kirchner deixou sua marca na Argentina como presidente. Eles pertenciam à família do partido peronista e defendiam uma abordagem de esquerda para gastar dinheiro que levava apoio às camadas mais pobres da população. Isso deu origem ao termo “Kirchnerismo”. Em 2022, Cristina Fernandez de Kirchner foi condenada em primeira instância por desvio de fundos públicos. KEYSTONE

Passamos por um período muito sombrio, um governo que não acreditava na democracia e que, durante 20 anos, fez tudo o que podia para destruí-la.

Mas agora a situação de Javier Milei é interessante. Trata-se de um governo que tem relativamente poucos assentos em ambas as casas legislativas, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado. Isso força o governo a lutar constantemente por maioria, a lutar por uma democracia de verdade. Hoje a Argentina está vivendo um de seus momentos democráticos mais intensos.

Democracia significa: o povo elege um governo, substitui metade da Câmara Baixa e um terço do Senado – e o Judiciário não muda. Os vários pilares da democracia são como amortecedores: o governo pressiona para que aconteça o que a sociedade reivindica e se depara com esses amortecedores – que fazem com que as mudanças se deem em um ritmo que a sociedade pode digerir ou tolerar.

Acho que esse jogo que jogamos com as instituições é muito saudável e diversificado.

swissinfo.ch: E todas essas leis, que de alguma forma vão reformar a Argentina, serão decididas no Parlamento. Ou o governo pretende simplesmente decretar estado de emergência e assumir o poder de um Governo de Fato?

FS: Não. Nós submetemos, por exemplo, nossa “Lei Fundamental” ao Congresso. Agora ela foi reformulada por meio de um processo democrático. O governo continua enviando projetos de lei ao Congresso.

Um homem de terno e gravata gesticulando
O presidente argentino Javier Milei discursa em uma conferência nos EUA no início de abril. KEYSTONE

swissinfo.ch: Pois mesmo na Argentina, um país extremamente presidencialista, o povo elege também o Parlamento...

FS: É claro. Entramos no debate parlamentar com grande entusiasmo.

swissinfo.ch: Como o senhor acredita que a sociedade vai reagir? Pergunto sobre as reações ao empobrecimento da sociedade.

FS: O empobrecimento já aconteceu. Quando a Argentina começou com esse modelo intervencionista de Estado regulador, que resolveria supostamente tudo, havia 5% de pobreza. Hoje há mais de 50% de pobreza. O que nos levou à pobreza foi o modelo de intervenção estatal. Isso nos levou à estagnação e a termos nos tornado um país medíocre, que nossos filhos estão deixando, porque não têm futuro aqui.

Precisamos mudar isso. É uma falácia terrível achar que o Estado resolve os problemas da sociedade. Se o Estado gasta mais, de onde vem então o orçamento que o Estado deve supostamente usar “para o bem do povo”? Quem o concede?

swissinfo.ch: Ele vem dos impostos que cidadãs e cidadãos pagam...

FS: De fato. O que acontecia antes era: o Estado ficava com o dinheiro que os cidadãos lhe davam. Para seu próprio benefício.

As pessoas disseram: “Basta! Não quero um sistema, um país, onde meus filhos não tenham futuro e, por isso, emigram”. Então, deram ao presidente a ordem de mudar alguma coisa.

Por isso acredito que as pessoas entendem que essa batalha, que o presidente está travando, é por elas. Os resultados são bons. Acreditamos que a liberdade vai trazer a prosperidade de volta à Argentina.

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Javier Milei le da la mano a sus partidarios

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swissinfo.ch: O que o senhor tem a dizer sobre os protestos recorrentes contra o governo?

FS: Não me surpreende que aqueles, que veem seus privilégios sendo atacados, fiquem irritados. Mas esses privilégios agora estão beneficiando a grande maioria.

Pessoas em um protesto de rua
Um sindicalista que se manifesta contra as políticas de Javier Milei é confrontado pela polícia. KEYSTONE

swissinfo.ch: Na Argentina, vivem muitas pessoas que têm raízes na Suíça. Entre elas, o senhor é um dos poucos que têm influência política. Qual sua relação com a Suíça?

FS: Estive na Suíça principalmente quando fui presidente do Banco Central – sobretudo na Basileia, onde fica a sede do Banco de Compensações Internacionais (BIS).

Não tenho mais ligações familiares com a Suíça, mas sinto admiração por esse país organizado, próspero e produtivo. Meu avô era suíço. O sobrenome “Sturzenegger” vem do vilarejo Reute, em Appenzell-Ausserrhoden. Hoje em dia é o sobrenome mais comum no cemitério do vilarejo.

Meus bisavós emigraram para a Argentina já no século 19. Ou seja, a parte suíça da família não é tão grande. Tenho 50% de raízes italianas, 25% espanholas e 25% suíças. Isso me torna 100% argentino – um descendente de várias comunidades europeias.

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Edição: Benjamin von Wyl

Adaptação: Soraia Vilela

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