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Como os soviéticos venceram a batalha por Moscou a partir de Lucerna

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Depois de fugir de Berlim, Shandor Rado foi direto para Moscou, onde teve que trabalhar como cartógrafo no primeiro atlas geográfico da União Soviética. Foi ele, aliás, quem primeiro cunhou a abreviação alemã UdSSR. RTS-SWI

Enquanto Hitler atacava a Rússia de Stalin, a União Soviética alavancava sua rede de espionagem na Europa. Subitamente, o Exército Vermelho recebeu da Frente Oriental informações decisivas para a Guerra. A origem de tais informações era a Suíça. Agora, o Arquivo Federal Suíço encontrou novos informes sobre isso.

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Tudo começou em 1933. Adolf Hitler e os nazistas acabavam de tomar o poder em Berlim. Liberais, democratas e comunistas eram vítimas de intimidação e violência a todo momento. Entre as vítimas das ameaças, estava um jovem ativista húngaro: Sandor Rado.

Fugindo de Berlim, Rado foi para Moscou, a fim de trabalhar como cartógrafo no primeiro atlas da União Soviética. Ali, o judeu e ardoroso comunista foi recrutado para o serviço secreto russo. O objetivo dos soviéticos era estabelecer redes de inteligência na Europa em caso de guerra.

Sandor Rado foi a primeira pessoa a desenhar um mapa da União Soviética, explica o historiador alemão Bernd-Rainer Barth. Além disso, Rado também criou a abreviatura URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), pois havia pouco espaço no mapa, como ele contaria mais tarde em suas memórias.

Uma oferta atraente

Rado sofreu ameaças do regime nazista, o que ocorreu também com Rudolf Rössler. O jornalista alemão, um luterano conservador, fazia conferências contra os nazistas nos círculos berlinenses e, por isso, se tornou persona non grata.

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Jornalista, luterano e inimigo dos nazistas: Rudolf Rössler. RTS-SWI

Depois de tomar o poder, os nazistas fizeram uma campanha para difamar Rössler. Ele fugiu então para a Suíça com a ajuda de seu amigo Xavier Schnieper.

Na nova cidade, Lucerna, Rössler manteve secretamente ligações com dissidentes alemães. Pouco antes da eclosão da Guerra, ocorreu um encontro na Exposição Nacional Suíça, em Zurique. “Rössler me disse: ‘Recebi hoje em minha casa a visita de dois velhos amigos, dois oficiais da Wehrmacht alemã’”, contou o amigo suíço Schnieper em entrevista após o fim da Guerra. Os oficiais desertores queriam passar a Rössler, que havia fugido da Alemanha nazista, todas as informações que tinham. Rössler poderia fazer o que quisesse com elas, segundo Schnieper.

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Xavier Schnieper, que salvou Rössler da Alemanha nazista, em uma entrevista. (Data não conhecida) RTS-SWI

O historiador suíço Christian Rossé afirma: “A partir daquele momento, Rössler passou a receber informações”.

Espionagem suíço-soviética

Hitler planejava expandir o “Reich” alemão para o Leste. E entrou m contato com Stalin. Em agosto de 1939, os dois ditadores assinaram um pacto de não agressão e entraram em um acordo sobre a divisão da Polônia. A seguir, Hitler invadiu a Polônia. Em pouco tempo, os Exércitos russo e alemão se enfrentariam em território polonês.

O comunista Rado, que nesse ínterim havia se estabelecido em Genebra, foi encarregado pelo Exército Vermelho, após a eclosão da Guerra, de ampliar sua rede de contatos. Ele organizou um encontro com três ativistas comunistas, que, a seu pedido, enviaram mensagens cifradas a Moscou.

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Um dos operadores de rádio da Rado escondeu seu transmissor em um toca-discos. RTS-SWI

Através da mediação de Moscou, o húngaro Rado ficou conhecendo um jornalista de Berna. Seu nome: Otto Pünter. Rado sugeriu uma cooperação entre eles, pois os suíços dispunham de uma rede de serviço secreto antifascista desde a Guerra Civil Espanhola.

Codinome “Lucie”

Na primavera europeia de 1940, Hitler atacou a França e infligiu a maior derrota militar da história do país. Um ano depois, começava a Operação Barbarossa – a ação militar na Rússia. Em apenas três meses, os alemães estavam chegando a Moscou. Os soviéticos então fizeram de tudo e uniram esforços na Suíça, apesar dos enormes riscos de serem interceptados pelos alemães.

O que não contaram para os russos: Rössler vendia suas informações a outra rede de serviço secreto soviético. Ou seja, com a fusão das redes soviéticas na Suíça, foi estabelecida inadvertidamente uma ligação entre Rössler e o espião soviético Rado. As informações estratégicas importantes de Rössler, vindas diretamente do alto comando da Wehrmacht alemã, chegavam de Lucerna via Genebra até Moscou. Movimentos de tropas, tipos de armas usadas, a disposição para combate dos soldados, as posições das Forças Armadas: o Exército Vermelho ficava sabendo das próximas operações da Alemanha na Frente Oriental.

“Apesar da enorme rede de Rado, que agora se estendia por toda a Suíça e também pela Alemanha, Áustria, Itália, França e Bélgica, ele só conseguiu desvendar o que queria quando chegaram as informações de Rössler”, diz o historiador russo Aleksandr Kolpakidi. Rado deu à sua nova fonte o codinome “Lucie” – em referência ao local onde estava Rössler, ou seja, Lucerna.

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aparelho de espionagem soviético

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“Lucie” e o serviço secreto suíço

Os soviéticos não seriam os únicos a receber as informações de Rössler. Xavier Schnieper, amigo de Rössler, havia se tornado sargento do serviço militar suíço de inteligência no início da Guerra. Schnieper não hesitou um segundo sequer em relatar a seus novos superiores sobre as fontes de Rössler.

E assim, a partir de agosto de 1939, Rudolf Rössler, que havia fugido para Lucerna, passou a escrever relatórios diários detalhados para a Suíça durante toda a Guerra. Ele publicava de três a quatro informes por dia, cada um de até três páginas, segundo o historiador Rossé: “O trabalho que ele fez foi gigantesco”. Rössler tornou-se uma das melhores fontes para os serviços secretos suíços. Até mesmo os estadunidenses se beneficiaram das fontes de Rössler, de acordo com Rossé. Em arquivos que estão hoje em Washington, foram encontrados relatórios idênticos, segundo o historiador. Há “grandes chances” de que os britânicos também tenham recebido esses documentos, completa Rossé.

De volta ao campo de batalha: a invasão alemã na Rússia não funcionou como planejado. Com o início do inverno, no começo de dezembro de 1941, os alemães abdicaram completamente de seus propósitos. O Exército Vermelho conseguiu se reorganizar. Suas contraofensivas foram eficazes. Hitler acabava de perder a batalha por Moscou – esse foi não apenas um ponto de virada geopolítico, mas também psicológico.

A confiança desabava entre as Forças Armadas alemãs. Os generais alemães, que estavam perdendo cada vez mais tropas antes de Moscou devido às temperaturas extremamente baixas, recuaram apesar do comando de Hitler. Furioso, o ditador demitiu 35 oficiais militares de alta patente, incluindo o comandante-chefe do Exército. No dia 1º de janeiro de 1942, Rado escreveu para Moscou:

“Ao diretor. A substituição de [Walther von] Brauchitsch foi resultado de um conflito de três meses entre Hitler e os generais. O posto de Brauchitsch também foi oferecido a três generais sucessivamente. Todos três recusaram, porque não queriam assumir a responsabilidade pela situação catastrófica no front”.

Em 1941, os alemães descobriram a rede de Genebra do informante soviético Sandor Rado. E, embora não pudessem decodificar as mensagens, perceberam que os sinais estavam sendo enviados para a Rússia. Eles deram a eles o nome “Rote Drei” (três vermelhos), em referência aos três ajudantes de Rado nas transmissões.

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Ausstellung im unterirdischen Treppenhaus des Museums Sasso San Gottardo, einer ehemaligen Festung

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A rede de Genebra não estava, contudo, isolada. Quase 80 estações soviéticas que transmitiam pela Europa foram descobertas pelos ouvidos experientes dos nazistas – a chamada “Rote Kapelle” (Orquestra Vermelha).

Elogios de Moscou

Quando a Batalha de Stalingrado começou, no final de 1942, aumentou o número de mensagens entre Genebra e Moscou – e os relatórios de Rössler foram se tornando cada vez mais importantes para os russos. Em 10 de janeiro de 1943, Moscou respondeu a Rado:

“As informações de Lucie sobre a frente do Cáucaso e todas as questões importantes na Frente Oriental […] devem ser transmitidas a nós imediatamente antes de qualquer outra informação. As últimas informações de Lucie foram muito importantes. O diretor.”

Os personagens

Rudolf Rössler: jornalista alemão e crítico conservador do nazismo que fugiu para a Suíça. Através de oficiais alemães, recebia informações sobre a Wehrmacht, as Forças Armadas Alemãs, que provavelmente vendia a terceiros. Além disso, Rössler escrevia relatórios para o serviço secreto suíço.

Sandor Rado: comunista e judeu húngaro, que fugiu de Berlim para Moscou, onde se ligou ao serviço secreto soviético. A seguir, Rado montou uma rede de espionagem na Europa e se estabeleceu em Genebra. Como cartógrafo, cunhou a sigla “URSS”.

Otto Pünter: jornalista de Berna que mantinha contatos com uma rede de serviços secretos antifascistas na Suíça. Através da mediação de Moscou, Pünter associou sua rede àquela de Rado.

Xavier Schnieper: amigo suíço de Rudolf Rössler. Mais tarde, tornou-se sargento do serviço militar suíço de inteligência.

Quando as Forças Armadas de Hitler se renderam em Stalingrado, em fevereiro de 1943, os aliados sabiam que os nazistas perderiam a guerra. Porém, na visão dos russos, o trabalho dos agentes da Suíça deveria continuar. Mensagem de Moscou:

“Peça a Lucie para pesquisar como o Alto Comando das Forças Armadas alemãs pretende organizar sua nova defesa. Diga a Lucie que não estamos interessados apenas nas decisões que já foram tomadas, mas também em todas as conversações que estejam acontecendo no quartel-general. O Diretor”.

“O maior segredo da II Guerra Mundial”

O fato de Rössler ter acesso às decisões do quartel-general do Exército alemão tornavam as fontes de Lucie especialmente enigmáticas. Quando a contraespionagem alemã conseguia decodificar parcialmente as mensagens, o sentimento era de pânico completo.

Como consta dos arquivos da CIA, um dos envolvidos, o oficial do serviço de inteligência Wilhelm Flicke, declarou após a Guerra: “Centenas de pessoas foram monitoradas a partir do quartel-general de Hitler, da Wehrmacht, do Ministério das Relações Exteriores e de outras repartições. Tropas especiais foram enviadas em todas as direções. Em vão. Nada foi encontrado. Esse continua sendo o maior segredo da Segunda Guerra Mundial”.

O que mostra o documentário da RTS sobre os relatórios de Rössler, considerados anteriormente como perdidos e só encontrados recentemente, é que as informações de Rössler sobre a condução da Guerra na Frente Oriental contribuíram significativamente para que Hitler perdesse a batalha por Moscou. Isso levou ao fim do “Terceiro Reich”.

Autoria

Do documentário da RTS “Le mystère Lucie – Des espions contre le nazisme” (O mistério de Lucie – espiões contra o nazismoLink externo), de Jacques Matthey e Éric Michel, editado por Felicie Notter, transcrito por Nico Schwab.

Artigo publicado originalmente em alemãoLink externo no site da SRF.

Adaptação: Soraia Vilela

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