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Qual é a real dimensão da ameaça nuclear?

Imogen Foulkes

Em alemão, a expressão “salonfähig” é usada para designar um assunto que se tornou palatável na sala de estar, ou seja, algo que pode ser debatido à mesa civilizada do jantar. Tenho pensado que, por décadas, a perspectiva de uma guerra nuclear permanecia improvável e, portanto, nem chegava a ser mencionada. Agora ela se tornou de novo um tema malvisto nas nossas salas. 

Quando Vladimir Putin lembrou ao Ocidente que a Rússia é uma potência nuclear e colocou suas armas nucleares em alerta máximo, todos nós começamos a nos perguntar se isso seria possível. Será que ele está blefando? Quais seriam os danos de um ataque nuclear?

O assunto, nessas alturas, chegou ao estúdio do podcast Inside Geneva e é o tema desta semana. Para discutir a ameaça em potencial, as consequências e a possível retaliação de um ataque nuclear de Putin, tenho a companhia de Alicia Sanders Zakre, da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares; de Ruth Mitchell, da organização Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear; e de nosso analista regular Daniel Warner.

É Warner quem nos traz uma perspectiva interessante, pois ele tem idade suficiente para se lembrar da crise dos mísseis cubanos de 1962, quando mísseis balísticos da então União Soviética, estacionados em Cuba, levaram o mundo à beira de um conflito nuclear.

“Naquele momento, as duas grandes superpotências entraram em confronto, com a possibilidade de haver uma guerra nuclear”, diz Warner ao Inside Geneva. “Aqueles 13 dias estão gravados na memória das pessoas que passaram por aquela situação”.

Destruição mutuamente assegurada

Felizmente, para todos nós, o bom senso prevaleceu, e o mundo recuou da situação que ficou conhecida como destruição mutuamente assegurada (“MAD”, na sigla em inglês). O tema da guerra nuclear desapareceu de nossas salas de estar por 20 anos, até a decisão dos Estados Unidos de instalar na Europa mísseis nucleares de cruzeiro, muitas vezes considerados armas de primeiro ataque.

Foi então que minha mãe participou de protestos no Acampamento de Greenham Common, um dos locais em questão na Grã-Bretanha. E eu, impressionantemente jovem, li, cada vez mais horrorizada e após noites sem dormir, o panfleto do governo intitulado “Proteja e Sobreviva”, que aconselhava os cidadãos a construir abrigos nucleares dentro de suas casas usando as portas das cozinhas e sacos de areia.

Depois vieram aquelas famosas cúpulas, uma delas aqui em Genebra, quando o presidente dos EUA, Ronald Reagan, encontrou com o líder soviético Mikhail Gorbachev. Os dois chefes de governo começaram um processo de desarmamento nuclear, com o qual foram concordando pouco a pouco. Embora esse processo esteja agora paralisado, é fato que a ameaça nuclear diminuiu nos anos 1980, e nós paramos de pensar – e de falar – sobre o assunto.

Agora, no entanto, ele está de volta às nossas conversas. Como Zakre nos lembra no Inside Geneva, a ameaça velada de Putin é a de “uma realidade da dissuasão nuclear”, a ameaça da “existência de um país nuclearmente armado, que pode manter o resto do mundo como refém”.

Um dos riscos que se corre, acredita Mitchell, até mesmo somente ao ameaçar um ataque nuclear, levando todo mundo a falar sobre o assunto, é o de testemunharmos “uma erosão do estigma do uso de armas nucleares”.

Memórias curtas?

Será que o risco é maior, porque as armas nucleares só foram usadas duas vezes, há quase 80 anos, nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki? Ou talvez nossas memórias coletivas sejam curtas demais para compreender de verdade o que uma arma nuclear pode fazer?

Mitchell, que trabalhou com os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki, faz questão de nos lembrar. “Explosões, projéteis de alta velocidade, traumas, queimaduras, corpos derretendo no chão”. Isso, acrescenta ela, somente nos primeiros poucos segundos. Depois vêm as doenças por radiação e gerações de danos genéticos.

Um dos conceitos errôneos com relação ao debate atual, segundo as declarações tanto de Zakre quanto de Mitchell ao Inside Geneva, é a ideia de que um ataque nuclear tático da Rússia à Ucrânia, por exemplo, poderia ser de pequenas proporções, limitado até mesmo apenas ao campo de batalha. Provavelmente, já ouvi dizer, estaríamos todos bem, sobretudo aqui na Suíça, com todos os nossos bunkers nucleares.

As bombas atômicas usadas em Hiroshima e Nagasaki eram, contudo, de aproximadamente 15 e 20 quilotoneladas. Elas mataram pelo menos 100 mil pessoas de imediato, além de outras dezenas de milhares nas semanas seguintes. Muitas das armas nucleares “táticas” de hoje são muito maiores, algumas com até 100 quilotoneladas.

“Sabemos que não há mais armas nucleares pequenas”, insiste Zakre. “Todas as armas nucleares têm consequências humanitárias devastadoras, de longo prazo, com efeitos sobre gerações”.

De quem são e quantas existem?

Estima-se que hoje existam entre 12 a 13 mil armas nucleares no planeta. Deste total, 90% pertencem aos Estados Unidos e à Rússia, seguidos de França, Reino Unido, China, Paquistão, Índia, Israel e, acreditamos, Coreia do Norte.

As organizações Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares e Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear defendem que essas armas deveriam ser completamente proibidas, destruídas e nunca mais reconstruídas.

Ambas as organizações receberam o Prêmio Nobel da Paz nos últimos anos, com campanhas que resultaram no Tratado das Nações Unidas pela Proibição de Armas Nucleares no ano passado. Não surpreende que as potências nucleares não tenham assinado o tratado, embora as potências menores, atentas ao perigo de um conflito nuclear, o fizeram. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha também foi um grande apoiador, ao declarar que nenhum uso de arma nuclear pode ser compatível com a Convenção de Genebra.

No entanto, a ideia de se livrar completamente das armas nucleares parece uma ilusão. Segundo declarações de Warner ao Inside Geneva, pelo menos no momento essa não parece “uma perspectiva realista”.

Sendo assim, qual a nossa situação quando o assunto é a ameaça da Rússia? Warner aponta que tem havido algum tipo de comunicação entre os coordenadores dos serviços de inteligência e da pasta da Defesa dos Estados Unidos e da Rússia, o que pode indicar a existência de um diálogo mais sensível longe das ameaças de Putin na frente das câmeras.

Entretanto, nem Zakre nem Mitchell acreditam que isso seja muito reconfortante. Zakre teme que qualquer uso de armas nucleares poderia escalar o conflito rumo a uma situação da qual ninguém sairia vivo – como ressalta a especialista, os países que têm armas nucleares baseiam suas estratégias primeiramente na segunda retaliação de ataque.

Ruth Mitchell, com sua longa experiência médica, argumenta também que não se deve confiar uma arma nuclear a nenhum ser humano, por mais calmo e racional que ele seja. O estresse (e o que poderia ser mais estressante que a possibilidade de seu inimigo estar atacando seu país com uma arma nuclear?) pode fazer com que as pessoas se comportem de forma imprevisível e arriscada.

O alerta de Mitchell é sério: “Ou nos livramos das armas nucleares ou elas vão se livrar de nós”.

Adaptação: Soraia Vilela

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