
França e Reino Unido fortalecem laços nucleares diante da ameaça russa

França e Reino Unido, as duas potências nucleares da Europa, estão fortalecendo laços sobre o assunto, um passo importante para lidar com a deterioração da segurança no continente, complicando os cálculos da Rússia e tranquilizando aliados preocupados com o futuro da proteção americana.
“Esta manhã assinamos a Declaração de Northwood, que confirma pela primeira vez que coordenamos nossas dissuasões nucleares independentes. A partir de hoje, nossos adversários sabem que qualquer ameaça extrema a este continente implicará uma resposta de nossas duas nações”, declarou o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer.
“Tomamos três decisões importantes”, acrescentou o presidente francês, Emmanuel Macron. “Reconhecemos que não podemos imaginar uma situação de ameaça extrema para a Europa que não provoque uma resposta rápida de nossa parte, qualquer que seja a natureza dessa resposta. A segunda decisão é que não descartamos a coordenação de nossas respectivas dissuasões (…), a terceira é a escolha de aprofundar ainda mais nossa cooperação no campo da dissuasão”.
– Qual é a postura nuclear de ambos os países?
Desde a sua criação, a dissuasão nuclear da França tem sido completamente independente, baseada exclusivamente na avaliação do presidente sobre qualquer ameaça a interesses nacionais vitais.
Segundo o instituto Sipri, a França possui 290 ogivas nucleares, divididas entre mísseis a bordo de quatro submarinos e mísseis transportados por aeronaves Rafale.
O Reino Unido possui 225 ogivas nucleares. A dissuasão britânica tem apenas um componente oceânico, com quatro submarinos porta-mísseis balísticos, mas em junho o governo anunciou o restabelecimento de um componente aéreo.
Ao contrário da França, as forças nucleares britânicas estão integradas à Otan, contribuindo assim para a defesa dos 32 Estados-membros da Aliança.
Embora a dissuasão francesa seja e continue sendo independente, Macron recordou em 2020 “a dimensão genuinamente europeia” dos interesses vitais do seu país.
– O que muda?
O marco anterior da declaração franco-britânica de “Chequers” em 1995 se limitava estritamente a definir os interesses vitais dos dois países. O escopo da nova cooperação é muito mais amplo.
“Chequers foi uma declaração puramente franco-britânica em um nível muito político”, diz Héloïse Fayet, pesquisadora de questões nucleares do Instituto Francês de Relações Internacionais. Agora, “a referência às armas nucleares é muito mais visível e clara”.
“Há dois avanços: no nível operacional, com essa coordenação das duas forças de dissuasão”, explica à AFP. “E o segundo é, obviamente, a extensão à dimensão europeia conjunta”.
Os dois países afirmam que não há ameaça extrema à Europa que não provoque uma resposta de ambos de todo tipo, “convencional, com ciberataques, e nuclear, evidentemente”, segundo Fayet.
Mantém-se, assim, deliberadamente a ambiguidade sobre a existência de um guarda-chuva nuclear franco-britânico sobre a Europa, e sobre seu alcance.
“Nunca responderei” à pergunta de se isso se aplica à Ucrânia, respondeu Macron à imprensa, em nome da “ambiguidade estratégica que acompanha nossas doutrinas nucleares”.
A nova declaração não indica que a resposta seria necessariamente nuclear, pois não utiliza essa palavra.
No entanto, “este ponto é mencionado no âmbito da aliança nuclear, portanto a ambiguidade permanece”, analisa Artur Kacprzyk, do centro de pesquisa polonês PISM.
Em termos de cooperação, as duas potências também estão mudando sua dimensão com um “grupo de supervisão nuclear”.
“É realmente um passo à frente, com um grau de coordenação sem precedentes nos níveis militar e político”, afirma Fayet.
Isso abre caminho para medidas concretas, como patrulhas submarinas conjuntas, com, por exemplo, um submarino de ataque de um país escoltando um submarino de mísseis balísticos do outro, ou a participação de aeronaves britânicas em treinamentos franceses.
– Complica os cálculos russos?
“Este é um passo positivo para a segurança europeia”, declara Artur Kacprzyk, do centro polonês de pesquisa PISM. “Complica os cálculos estratégicos russos”.
“É uma mensagem adicional para eles: a França e o Reino Unido poderiam lançar uma resposta nuclear coordenada a um ataque contra seus aliados”, destaca.
Mas, acrescenta, “isso dependerá muito do que os dois países realmente fizerem juntos” e do que demonstrarem para dar credibilidade a essas palavras, um ponto essencial no mundo da dissuasão.
Por outro lado, “muitos europeus estão cada vez mais preocupados com os Estados Unidos” e com a solidez de seu compromisso, observa Ed Arnold, especialista do Royal United Services Institute, sediado em Londres.
Nesse contexto, “o acolhimento por outros europeus da cooperação franco-britânica só pode ser positiva, desde que haja uma tradução operacional concreta e rápida por meio de mecanismos de discussão franco-britânicos com mais países”, acredita Fayet.
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