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Autonomia e IA nos drones: “robôs assassinos” estão a caminho

Soldando lançando um drone
Soldado ucraniano lançando o FlyEye WB Electronics SA, um drone de reconhecimento polonês, que está em serviço com o exército ucraniano, na região de Kiev, Ucrânia, em 2 de agosto de 2022. Copyright 2022 The Associated Press. All Rights Reserved

Dos desertos do Sudão às ruas de Gaza, Líbano e Ucrânia, os drones estão remodelando a guerra moderna. Antes limitados ao contraterrorismo por algumas potências selecionadas, os veículos aéreos não tripulados (VANTs) agora são onipresentes, com quase 50 países os empregando em conflitos.

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A África ilustra claramente essa transformação. Desde 2021, o uso de drones no continente aumentou exponencialmente. “Está claro que os drones são vistos como um ‘recurso’ militar atraente, amplamente considerado como capaz de possibilitar uma guerra moderna, ‘eficiente’ e direcionada, ao mesmo tempo em que reduz qualquer risco para o pessoal do exército”, afirma Cora Morris, do grupo de pesquisa Drone Wars UK e autora do estudo intitulado “Death on DeliveryLink externo“.

Os drones estão rapidamente se tornando armas de baixo custo e alto impacto que ameaçam ultrapassar o Direito Internacional Humanitário (DIH) e minar as normas de controle de armas. Sua acessibilidade, anonimato e autonomia frequentemente ignoram as proteções civis.

Pessoas olhando para cima com expressão de medo nos rostos
População civil olhando para cima durante um ataque de drone israelense, enquanto se refugiam longe dos prédios no bairro de Dahiyeh, em Beirute. Líbano, 29 de setembro de 2024. Keystone / Murat Senguel, Anadolu Agency

Precisão Cirúrgica?

Defensores afirmam que drones reduzem danos colaterais. Mas o crescente número de vítimas civis na África e em outros lugares desafia o mito da guerra “limpa” e a adequação das leis internacionais. A Drone Wars UK afirma que o uso de drones reduz as restrições ao uso da força, aumenta os assassinatos seletivos e reduz a responsabilização.

O relatório “Deth on Delivery”, divulgado em março, documenta pelo menos 943 mortes de civis em 50 incidentes entre novembro de 2021 e novembro de 2024. Quase metade, 490, foram em ataques de drones etíopes. Outros ataques ocorreram em Burkina Faso, Mali, Somália, Nigéria e Sudão.

“Parece haver uma definição muito ampla de quem se qualifica como alvo, de tal forma que áreas inteiras se tornaram vulneráveis a ataques intensivos de drones, com pouca distinção entre civis e combatentes dentro delas”, diz Morris. “Na Etiópia, por exemplo, muitas das vítimas desses ataques são da região de Amhara e Tigré.”

Há alguns anos, os ataques de drones eram principalmente ligados ao contraterrorismo dos EUA. Decisões de realizar execuções extrajudiciais em países que não estavam diretamente em guerra com os EUA, como o Paquistão, foram a principal fonte de controvérsia, críticas e debates jurídicos.

Agora, os drones são amplamente utilizados em guerras convencionais e internas, com centenas a milhares de mortes de civis atribuídas a ataques de drones.

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Por que o aumento repentino?

O que está impulsionando a proliferação global de drones? O custo e a conveniência. Drones de média altitude e longo alcance (DMALA), que antes eram uma exclusividadedos EUA, Reino Unido, Israel e China, agora são exportados por uma fração do custo pela Turquia e pelo Irã, que capitalizaram componentes prontos para uso, designs modulares e tecnologia de código aberto.

Muitos governos aproveitaram esta oportunidade para modernizar suas forças armadas. Drones podem custar 1/1000 do preço de um avião bombardeiro ou tanque, mas ainda assim destroem alvos de alto valor.

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SWI / Kai Reusser

A Ucrânia demonstrou seu poderoso potencial em junho. Em uma operação impressionante, Kiev utilizou mais de 100 drones de baixo custo com visão em primeira pessoa para atacar 40 aviões de guerra russos em quatro bases militares. De acordo com o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, cada um dos drones tinha um preço de 600 (490 francos) a mil dólares.

Imagem feita por um drone de um ataque a aviões
A Ucrânia lançou a “Operação Spiderweb” em 1º de junho de 2025, tendo como alvo a Base Aérea de Belaya, na região russa de Irkutsk, na Sibéria. Keystone

Os drones também se tornaram uma ferramenta essencial na guerra assimétrica. Mais de 65 grupos armados não estatais agora possuem drones, de acordo com o Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais.

Fumaça depois de um ataque militar
A fumaça se espalha após os ataques de drones das Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares terem como alvo o porto norte da cidade de Porto Sudão, no Mar Vermelho, Sudão, em 6 de maio de 2025. Copyright 2025 The Associated Press. All Rights Reserved.

Belkis Wille, da Human Rights Watch (HRW), fala em uma “mudança de paradigma”.

Drone comerciais, facilmente modificáveis, permitem que atores com baixo orçamento ou indivíduos com uma impressora 3D e uma conta na Amazon realizem ataques urbanos direcionados.

“Agora, por um preço baixo, é possível atingir civis com alta precisão”, diz Wille, diretora associada da divisão de crise, conflito e armas da HRW.

Ela publicou um relatório em junho documentando como pilotos de drones russos caçam civis em Kherson, Ucrânia. Operadores de drones russos utilizaram drones quadricópteros disponíveis comercialmente para lançar explosivos sobre ciclistas, pedestres e passageiros de ônibus.

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Direito internacional desatualizado?

As Convenções de Genebra e seus Protocolos Adicionais já proíbem ataques indiscriminados e protegem explicitamente os civis. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha observa que a guerra por drones não é inerentemente ilegal segundo o DIH, desde que as partes em conflito respeitem os princípios de distinção, proporcionalidade e precaução.

De uma perspectiva estrita do DIH, “a pessoa que controla remotamente o drone e toma a decisão de atingir o alvo deve garantir o cumprimento do DI, por exemplo, aplicando o princípio de distinção, proporcionalidade e precaução à situação específica em questão”, afirma Anna Rosalie Greipl, pesquisadora da Academia de Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos em Genebra.

“Não há nada de errado com a lei”, concorda Wille. “Drones são apenas um mecanismo de entrega. A questão é a aplicação.”

Na sua opinião, o que torna os drones perigosos não é o facto de não respeitarem os quadros legais existentes, mas sim o fato de permitirem que a violações como a perseguição deliberada de civis ocorram de forma mais eficiente e com maior anonimato.

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SWI / Kai Reusser

Autonomia, IA e robôs assassinos

Wille também levanta preocupações sobre como o movimento em direção à autonomia dos sistemas de drones, especialmente aqueles integrados à IA, pode acelerar essa tendência. Ela aponta para a Rússia e a Ucrânia, onde a tecnologia de drones e as contra-tecnologias estão avançando rapidamente.

Drones com IA podem se tornar um campo de debates muito em breve. “Existem várias maneiras pelas quais podemos ver robôs assassinos no campo de batalha e uma delas são os drones”, diz ela.

A proliferação de drones, explica Wille, levou à proliferação de tecnologias de interferência. Interferência é a emissão deliberada de sinais de radiofrequência ou interferência eletromagnética para confundir, bloquear ou anular os sistemas de um drone.

Uma solução para a interferência que algumas forças armadas defendem é criar sistemas autônomos que não exijam linha de comunicação entre o drone e seu operador após o drone ter voado. O próprio drone poderia ser treinado com centenas de milhares de imagens de tanques, por exemplo, para abater alvos.

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Um homem lançando um drone

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Política exterior

O dilema suíço dos drones

Este conteúdo foi publicado em A Suíça é o “Vale do Silício da Robótica”, mas sua neutralidade está sendo testada enquanto suas startups de drones como a Auterion entram no mercado militar. Como equilibrar inovação e política externa?

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“Quando isso acontecer, esses drones poderão se tornar robôs assassinos, já que não há humanos envolvidos”, afirma Wille. “Esse tipo de sistema de drones poderia ser treinado para abater uma criança com a mesma facilidade que um tanque. Esse é o pior cenário para o qual podemos estar caminhando.”

Essa evolução está sendo acompanhada de perto pelo CICV. “Com apenas uma atualização de software ou uma mudança na doutrina militar, [os drones] podem facilmente se tornar os sistemas de armas autônomos (SAA) do futuro… que selecionam e aplicam força a alvos sem intervenção humana”, alerta a organização sediada em Genebra em seu relatório de desafios do DIH de 2024.

Zonas cinzentas legais

Os princípios do DIH exigem que as partes em conflito diferenciem entre combatentes e civis, garantam que os ataques sejam proporcionais à vantagem militar obtida e tomem precauções para minimizar os danos a civis. Mas o uso crescente de drones em ambientes complexos levanta desafios para identificar com precisão alvos legítimos e avaliar potenciais danos a civis.

Greipl destaca a questão dos resultados dos sistemas de IA: usar a IA para coletar dados, analisar os dados fornecidos por drones e fornecer resultados aos tomadores de decisão militares. Isso “pode ser muito problemático, dependendo de como os humanos usam essas informações para fazer suas avaliações jurídicas sem saber exatamente como os vieses e as suposições incorporadas a essa tecnologia funcionam”, afirma.

Outro problema é que, embora as forças armadas que utilizam drones tenham uma “compreensão” do direito internacional humanitário, os atores comerciais do setor privado que os fabricam em lugares como o Vale do Silício normalmente não têm, de acordo com Wille. A decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de abolir o escritório do Pentágono responsável pela redução de baixas civis em batalha marca um “desenvolvimento assustador” nesta era de proliferação de drones.

Controles fracos, regulamentação irregular

Os controles internacionais atuais como o Regime de Controle de Tecnologia de Míssei e o Tratado de Comércio de Armas e o Acordo de Wassenaar são falhos, de acordo com Morris. Eles falharam em conter a disseminação global e o uso indevido de drones.

“É evidente a urgência da cooperação em nível internacional para regulamentar a proliferação e o uso de drones”, afirma. “Os marcos regulatórios atuais têm se mostrado claramente inadequados.”

As discussões na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, e em Genebra se concentraram em armas autônomas, particularmente os chamados “robôs assassinos”. Mas especialistas jurídicos argumentam que isso não é suficiente.

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drone

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Suíços do estrangeiro

Exército suíço reflete sobre o uso de drones

Este conteúdo foi publicado em Na Ucrânia, o uso generalizado de drones baratos modificados está mudando as regras da guerra moderna. O exército suíço está avaliando como reagir.

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Eles afirmam que os Estados devem reforçar os mecanismos internos de conformidade, financiar o rastreamento e a indenização de danos civis e cumprir seus compromissos com órgãos de justiça internacional, como o Tribunal Penal Internacional. Os países exportadores devem investigar rigorosamente como seus drones estão sendo usados e responsabilizar os infratores.

Em março de 2024, Portugal liderou uma coalizão de 21 países da ONU que pedia mais transparência e responsabilização em relação aos drones armados. O Secretário-Geral da ONU instou os Estados a regulamentar ou proibir as armas autônomas até 2026.

“Temos o problema de que drones operando com sistemas de IA podem ser usados não apenas para identificar um alvo, mas também para selecionar e usar força sem intervenção humana”, afirma Greipl. “Lá deveríamos realmente ter limitações e restrições claras.”

Gráficos: Kai Reusser

Pesquisa de dados e gráficos interativos: Pauline Turuban

Pesquisa de imagens: Helen James

Edição: Virginie Mangin/ac

Adaptação: DvSperling

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