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ONU alerta que minerais de áreas de conflito do Congo estão circulando no mercado global

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A República Democrática do Congo produz mais de 70% do abastecimento global de cobalto. O metal é um componente essencial das baterias e é considerado fundamental para a transição para as energias renováveis. Afp Or Licensors

A transição energética está aumentando a demanda por minerais raros, tornando as cadeias de abastecimento mais opacas e menos transparentes. Um relatório da ONU alerta que minerais extraídos da República Democrática do Congo (RDC) para financiar a guerra estão entrando ilegalmente no mercado global.

Minerais críticos, como o coltan ou o tântalo, que são fundamentais para as tecnologias de energia renovável, são usados na maioria dos nossos dispositivos eletrônicos diários, como telefones celulares ou computadores. Eles também são um importante componente das baterias dos veículos elétricos.

Seu uso aumentou devido à transição energética e ao uso crescente de energia eólica e solar na matriz energética global. A Agência Internacional de Energia estima que a demanda desses minérios dobrará entre 2024 e 2030 e afirma que poderá até triplicar ou quadruplicar até essa data se os países cumprirem suas metas nacionais climáticas.

A República Democrática do Congo (RDC), um país da África Central do tamanho da Europa Ocidental, está no centro dessa corrida por recursos. O país fornece grande parte do coltan do mundo e também é uma importante fonte de cobalto, cobre, diamantes, ouro e estanho.

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Há mais de 30 anos os vastos recursos do país alimentam conflitos — tanto entre grupos étnicos nacionais quanto com vizinhos. Hoje, o controle sobre minerais críticos está no centro da luta regional. Grupos rebeldes ocupam minas, controlam recursos e os contrabandeiam para a cadeia de abastecimento global.

“O contrabando de minerais do leste da RDC para a vizinha Ruanda atingiu níveis sem precedentes”, afirmaram especialistas da ONU em um relatório publicado em julho de 2025 para o Conselho de Segurança da organização.

Como resultado, os comerciantes de commodities precisam refinar seus processos de monitoramento para verificar se as matérias-primas que vendem são minerais extraídos da zona de conflito, cujo comércio acaba financiando conflitos. Nesse caso, o comércio desses minerais seria ilícito. É responsabilidade dos negociadores de commodities garantir que suas cadeias de abastecimento sejam limpas.

Contrabando para Ruanda

No início deste ano, o grupo rebelde congolês M23, apoiado pelo vizinho Ruanda, ampliou sua presença e controle na RDC por meio de uma nova ofensiva que começou no final de 2024 e dominou grandes áreas na parte oriental do país, incluindo Goma, capital da província de Kivu do Norte, e depois Bukavu, capital da província de Kivu do Sul.

Goma fica na fronteira com Ruanda e às margens do Lago Kivu. É um importante centro comercial e de transporte próximo a cidades mineradoras que fornecem, entre outros, coltan.

A mina de Rubaya, nas mãos dos rebeldes desde abril do ano passado, fica a cerca de 50 quilômetros a noroeste de Goma e produz cerca de 15% do abastecimento mundial do minério, de acordo com a ONU.

A milícia agora controla várias áreas de mineração, centros comerciais e rotas de transporte de minerais em Kivu do Norte. De acordo com relatórios da ONU, o grupo estabeleceu uma administração paralela desde 2024 para gerenciar o comércio e o transporte de minerais da mina de Rubaya para Ruanda.

 “As evidências apontam para um risco crescente de fraude transfronteiriça, uma vez que os minerais do Kivu do Norte — particularmente o coltan da mina Rubaya controlada pelo M23 — continuam a ser contrabandeados para Ruanda”, afirmou o relatório enviado em julho de 2025 ao Conselho de Segurança da ONU.

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O M23 financia-se em grande parte através da mineração de coltan. Ainda em dezembro de 2024, especialistas da ONU observaram que, desde que tomou Rubaya, o M23 lucrava ao menos 800 000 dólares por mês com a tributação da produção de 120 toneladas de coltan e do seu comércio. De acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos, cerca de 60% da produção global de tântalo veio do Congo e de Ruanda, em 2024.

Após dominar Goma e Bukavu, o M23 começou a contrabandear os chamados minerais 3T (estanho, tântalo e tungstênio) através das principais fronteiras para Ruanda, de acordo com o relatório da ONU. Somente na última semana de março de 2025, o M23 teria contrabandeado 195 toneladas de minerais 3T de Goma para Ruanda.

Integridade da cadeia de abastecimento em risco

“O comércio ilegal comprometeu as exportações (legais) de estanho, tântalo e tungstênio da região”, afirma o relatório. Em Ruanda, os minerais roubados são misturados com a produção local e vendidos como materiais de origem ruandesa nas cadeias de abastecimento internacionais. De acordo com especialistas da ONU, isso ameaça a integridade e a credibilidade da rastreabilidade global dos minerais.

Para ocultar a exportação de minerais contrabandeados do Congo, as autoridades ruandesas inflam os números da produção doméstica de tântalo, estanho e tungstênio, diz o relatório. De acordo com o banco de dados Comtrade da ONU, Ruanda exporta mais tântalo do que produz. Em 2024, o país produziu oficialmente 350 toneladas de tântalo, mas exportou cerca de 715 toneladas — mais do que o dobro.

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Exército de Ruanda envolvido em conflitos

Especialistas da ONU também apontaram que o exército ruandês desempenhou um “papel decisivo” na expansão e ocupação de novos territórios pelo M23.

Ruanda nega apoiar o M23, alegando que suas forças agem em legítima defesa contra o exército congolês e milícias da etnia hutu ligadas ao genocídio ruandês de 1994. Mas, de acordo com especialistas da ONU, o apoio militar de Ruanda ao M23 tem como objetivo “conquistar mais território”.

Em junho, a RDC assinou um acordo de paz com Ruanda — não com a milícia M23. O acordo foi mediado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, e assinado em Washington.

Isso torna ainda mais difícil para Ruanda negar seu envolvimento no conflito.

A Human Rights Watch alertou explicitamente que o acordo parece ser “principalmente um acordo mineral e apenas secundariamente uma chance de paz”.

Coltan produzido em zona de conflito chega até a UE?

Minerários oriundos de áreas sob controle de grupos armados como o M23 não poderiam ser aceitos no mercado internacional, apontam especialistas da ONU.

“Há um alto risco de que o coltan comercializado a partir de Ruanda tenha sido contrabandeado da RDC ou seja originário de zonas de conflito”, disse Robert Bachmann, especialista em matérias-primas da organização suíça Public Eye, à Swissinfo. O relatório dos especialistas da ONU apela a uma verificação geológica independente das matérias-primas vindas da Ruanda.

Diretrizes internacionais, como a Orientação da OCDE sobre a devida diligência para cadeias de abastecimento responsáveis de minerais provenientes de zonas de conflito, definem uma verificação de várias etapas para garantir que as empresas cumpram adequadamente as suas obrigações de devida diligência.

Há indícios de que minerais provenientes do conflito entraram na União Europeia. Uma investigação publicada em abril de 2025 pela organização Global Witness descobriu que a empresa internacional de comércio de commodities Traxys, com sede em Luxemburgo, comprou 280 toneladas de coltan de Ruanda em 2024.

“Parece que a UE não conseguiu implementar salvaguardas eficazes. Deve rescindir imediatamente a sua parceria comercial de matérias-primas com Ruanda”, afirmou Alex Kopp, diretor de campanha da Global Witness, em um comunicado. Em fevereiro de 2024, a UE assinou uma parceria estratégica com Ruanda para garantir um melhor acesso a matérias-primas essenciais provenientes do país, incluindo coltan e tântalo.

Um ano depois, em fevereiro de 2025, o Parlamento Europeu criticou medidas insuficientes das autoridades europeias ao lidarem com a crise no leste da RDC e solicitou a suspensão do acordo.

Kaja Kallas, a principal diplomata da UE, prometeu desde então que o acordo sobre minerais será revisto.

E na Suíça?

Na Suíça, as ONGs afirmam que o monitoramento pode ser melhorado.

Em março deste ano, o Conselho Federal da Suíça afirmou que condenou repetidamente a presença de tropas ruandesas em território congolês e o seu apoio ao M23.

Além do café, nenhuma matéria-prima é importada de Ruanda para a Suíça, o Governo afirmou observando que o café e o cacau de Ruanda podem ser comercializados por comerciantes sediados na Suíça. O Conselho Federal está acompanhando as discussões na UE sobre Ruanda e consideraria a adoção de quaisquer sanções que possam ser impostas, afirmou.

“Como o maior centro de comércio de commodities do mundo, a Suíça tem uma responsabilidade especial de minimizar os riscos no setor de matérias-primas, como minerais de conflito”, disse Bachmann, da Public Eye. “Infelizmente, há uma falta de transparência sobre as negociações dos comerciantes suíços de commodities e obrigações vinculativas de fiscalização das cadeias produtivas.”

A UE adotou sua Diretiva de Due Diligence em Sustentabilidade Corporativa em 2024, que regula as obrigações de due diligence (processo de investigação e análise aprofundada de uma empresa, pessoa ou negócio para verificar ilegalidades e práticas irregulares) das empresas em suas cadeias de abastecimento. “A Suíça deve seguir o exemplo”, disse Bachmann, acrescentando que a medida também é exigida pela nova Iniciativa de Negócios Responsáveis apresentada em maio de 2025.

Edição: Virginie Mangin/fh
Adaptação: Clarissa Levy

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Moderador: Dominique Soguel

Que lições podemos tirar sobre os riscos e as vantagens de cumprir os tratados nucleares?

Rússia, Ucrânia, Coreia do Norte, Israel, Irã. Qual é o sentido dos acordos nucleares se vale a pena ignorá-los?

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