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Medo da vigilância digital influenciou voto contra a identidade eletrônica

Cartaz na rua
O ceticismo e o medo da IA são particularmente fortes entre os idosos. Keystone / Peter Klaunzer

A crescente desconfiança dos suíços em relação à inteligência artificial e ao uso de dados por grandes empresas ajuda a explicar a resistência ao projeto de identidade digital (e-ID). Estudos revelam temor generalizado de vigilância e ceticismo quanto ao uso responsável da tecnologia, especialmente entre os mais velhos.

Estudos mostram que a desconfiança em relação à inteligência artificial cresce na Suíça e que o uso de dados pessoais por empresas privadas é uma grande preocupação. Isso pode explicar por que uma parte substancial do eleitorado se opõe à digitalização dos documentos de identidade.

A margem estreita pela qual os eleitores aprovaram, em 28 de setembro, o projeto de lei que introduz a identidade eletrônica (e-ID) confirma a atitude cautelosa em relação às inovações digitais. De acordo com alguns estudos, essa desconfiança também se estende à inteligência artificial (IA).

A IA simboliza os medos associados à tecnologia: é percebida como poderosa, mas opaca, dominada por grandes empresas internacionais. O estudo Smart and HumanLink externo, do Instituto Gottlieb Duttweiler (GDI), destacou a desconfiança da população. A maioria das três mil pessoas entrevistadas na Suíça, Alemanha e Áustria acredita que a inteligência artificial mudará suas vidas para pior e que as empresas se beneficiarão às custas dos usuários – por exemplo, aumentando a automação e reduzindo salários. O estudo mostra ainda que a maioria não confia nas empresas para usar a IA de forma responsável.

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Medo da vigilância

Graças à inteligência artificial e a tecnologias como 5G e computação em nuvem, “os serviços digitais se tornaram mais eficientes, mas essa hiperconectividade nem sempre é positiva”, afirma Gian-Luca Savino, pesquisador do GDI.

Segundo ele, formas altamente avançadas de digitalização, em que “superaplicativos” concentram todo um ecossistema de serviços, podem ser usados indevidamente para vigilância em massa. O exemplo mais citado é o WeChat, na China, um aplicativo que permite pagar, ligar, fazer compras – e, ao mesmo tempo, serve como ferramenta de controle político e censura pelo governo chinês.

Casos como esse, frequentemente relatados pela mídia, reforçam o ceticismo em sociedades democráticas. “Nossos dados mostram que a população teme que a tecnologia facilite a violação da privacidade”, observa Savino.

Na Suíça, em particular, as atitudes em relação à IA são mais negativas do que na Áustria e na Alemanha. Mais pessoas dizem sentir “medo” da tecnologia. “Comparados a seus vizinhos, suíços e suíças expressam mais emoções negativas e menos positivas, esperam mais danos sociais e enxergam menos benefícios pessoais”, diz Gianluca Scheidegger, coautor do estudo.

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Poder das “big tech”

Outro fator que alimenta o ceticismo público é o enorme poder das grandes empresas de tecnologia. Elas detêm dados de bilhões de usuários e os exploram livremente, por exemplo, para fortalecer seus aplicativos de IA – caso do ChatGPT e de muitas outras ferramentas atuais.

“Google e suas congêneres têm mais dados do que estamos dispostos a aceitar”, afirma Andy Fitze, da consultoria Swiss Cognitive. Para ele, a inteligência artificial amplia ainda mais a capacidade de exploração de dados, com maior precisão. “As pessoas perceberam isso e agora querem saber onde seus dados são armazenados e como são usados. Já passou o tempo em que informações pessoais eram utilizadas sem que ninguém soubesse ou pudesse ser indenizado”, acrescenta.

O risco de que dados pessoais acabem nas mãos das big techs foi um dos principais argumentos do comitê que convocou o referendo contra a identidade eletrônica na Suíça. “O controle da identidade na Internet se tornará um benefício financeiro para as grandes empresas de tecnologia e para a economia da vigilância”, afirmaLink externo o site do grupo.

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“Muitas pessoas hesitam diante da ideia de que seus dados possam parar em mãos erradas”, observa Angela Müller, diretora da AlgorithmWatch CH. Apesar de ter saudado o resultado da votação de domingo, Müller acredita que esse medo pode ter levado parte da população a votar “não” à identidade eletrônica. Para alguns, a tecnologia parece uma força da natureza incontrolável. “Essa narrativa dominante assusta um segmento do eleitorado”, diz.

A demografia também pesa nessa percepção negativa. A Suíça está envelhecendoLink externo: 13% da população tem mais de 65 anos, contra 19,9% com idades entre 0 e 19 anos. Os dados do GDI mostram que gerações mais velhas confiam menos na IA. “Os mais velhos são muito mais céticos”, aponta Savino. E esse grupo, acima de 65 anos, é justamente o que mais participa das votações populares no país.

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Homem dentro de um quadro colorido

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Democracias mais reticentes

De modo geral, democracias europeias são mais cautelosas com a introdução de serviços digitais do que países com outros sistemas políticos. O ceticismo em relação à tecnologia é mais forte em contextos de polarização política, em que campanhas são disputadas e os governos precisam trabalhar mais para conquistar a confiança da população. Democracias diretas, como a Suíça, são notoriamente mais lentas para adotar mudanças, observa Savino.

Mas essa lentidão pode ser positiva. Um estudo recente sobre os benefícios da digitalização gradual apontou a Suíça como o país com “maior potencial para uma digitalização compatível com a democracia”.

A população suíça também começa a perceber vantagens. Mais de dois terços já mantêm contato digital com a administração pública – um aumento de 4% em relação a 2021, segundo o último Estudo Nacional sobre Governo EletrônicoLink externo. Para os entrevistados pelo GDI, a maior expectativa em relação à IA é a melhoria da eficiência nesse setor.

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Savino acredita que uma estrutura transparente criada pelo governo para a nova identidade eletrônica – em que o público possa controlar seus próprios dados e ver quem os acessa e como – coloca a Suíça em boa posição para ampliar o uso e a aceitação dos serviços digitais. “Isso mostra como as ferramentas digitais podem ser utilizadas em benefício da população”, conclui.

Edição: Veronica De Vore

Adaptação: Alexander Thoele

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