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Igreja negligencia vítimas de abuso, afirma comissão do Vaticano

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As vítimas de abuso sexual por parte do clero continuam sofrendo retaliações “perturbadoras” dos líderes da Igreja Católica por denunciarem estes casos, revelou uma comissão do Vaticano nesta quinta-feira (16).

Em seu segundo relatório anual, a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores também denuncia que a “resistência cultural” atrapalha a luta contra a violência em muitas dioceses e sinaliza as “grandes disparidades” entre regiões.

Pela primeira vez, 40 vítimas contribuíram para a elaboração do documento, algumas das quais denunciaram pressões por parte de autoridades da instituição, mais de 20 anos depois das primeiras revelações em grande escala nos Estados Unidos.

“Meu irmão era seminarista. O bispo disse à minha família que minha denúncia poderia comprometer sua ordenação”, contou uma delas. Outra relatou que sua família foi excomungada publicamente após apresentar sua denúncia.

“É um verdadeiro grito por parte das vítimas: não se sentem ouvidas, não se sentem acompanhadas, às vezes não há uma relação empática, nem mesmo de respeito”, afirmou o colombiano Luis Manuel Alí Herrera, secretário da comissão, em uma coletiva de imprensa nesta quinta-feira. 

O documento de 103 páginas, apresentado em setembro ao papa Leão XIV, insiste nas reparações às vítimas, mediante apoio psicológico, pedidos públicos de desculpas e indenizações econômicas.

Mas também destaca a importância de “comunicar publicamente os motivos” da destituição de um padre.

– “Cultura do silêncio” –

Diante das “lacunas sistemáticas persistentes” da Igreja, este relatório anual pretende ser “uma ferramenta”, declarou em uma entrevista à AFP o arcebispo francês Thibault Verny, nomeado em julho como presidente da comissão pelo papa Leão XIV.

“As figuras de autoridade dentro da Igreja que cometeram ou permitiram abusos talvez tenham sido consideradas muito essenciais e importantes para serem responsabilizadas. A resposta da Igreja aos abusos não deve reproduzir os mesmos erros”, indica o relatório.

Após examinar em 2024 os casos específicos de cerca de 20 países, a comissão destaca os “tabus culturais” e a “cultura do silêncio” que cercam estas violências, de Malta à Etiópia, passando por Moçambique ou Guiné. 

A Itália, com vínculos históricos com o Vaticano, é especialmente criticada por mostrar “uma resistência cultural considerável à luta contra os abusos”, afirma o documento, que também critica os bispos do país por não terem colaborado o suficiente, já que apenas 81 dioceses de um total de 226 responderam a um questionário de investigação.

– “Na defensiva” –

A comissão composta por especialistas religiosos e leigos de diversas áreas, como direito, educação, psicologia e psiquiatria foi criada pelo papa Francisco em 2014, no início de seu pontificado.

Após múltiplas críticas sobre seu funcionamento e a renúncia de vários de seus membros, o pontífice argentino integrou-a em 2022 à Cúria Romana, o governo da Santa Sé, e pediu um relatório anual sobre seus progressos. 

O seu sucessor, Leão XIV, eleito em maio, “tratou muito cedo desta questão” ao receber seus membros. “Percebemos que ele levava muito a sério esta grave e importante missão”, afirmou monsenhor Verny. 

Em sua primeira entrevista publicada em setembro, o pontífice americano — que também tem nacionalidade peruana — mencionou a importância de proteger os sacerdotes vítimas de acusações falsas, o que provocou a inquietação das associações de vítimas que exigem tolerância zero. 

“Podem haver acusações falsas. É preciso reconhecer que se trata de proporções muito, muito pequenas”, detalhou o arcebispo Verny à AFP, ressaltando a importância, para a Igreja, “de não estar constantemente na defensiva”.

De 2013 até sua morte em abril de 2025, Francisco multiplicou as medidas contra a proliferação dos abusos sexuais, mas o segredo de confissão continua sendo absoluto e o clero não é obrigado a denunciar possíveis crimes à Justiça civil, exceto se as leis do país exigirem.

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