Como traders garantem diligência prévia em países de alto risco
Com base na Suíça as empresas Trafigura, Vitol e Glencore foram recentemente investigadas por supostas ligações com corruptos intermediários envolvidos nas investigações da Operação Lava Jato.
As empresas negam infrações cometidas no país sul-americano, mas a alta frequência de alegações de corrupção neste setor, centradas em intermediários problemáticos, levanta a questão de como os traders de commodities garantem a devida diligência prévia em países de alto risco. “Os casos e investigações envolvendo o setor de commodities sugeririam que, em muitos casos, os processos de diligência prévia são fracos, talvez até inexistentes, ou os riscos são inadequadamente mitigados quando os sinais de alerta são evidentes”, disse Gemma Aiolfi, do Basel Institute on Governance, para swissinfo.ch.
Em relatório de novembro intitulado “Friends in Low Places”, algo como “Amigos em lugares discretos”, as organizações Global Witness e Public Eye publicaram uma longa lista de alertas levantados pelos testemunhos, em tribunais, de indivíduos envolvidos no escândalo da Operação Lava Jato, no Brasil. O levantamento concluiu que havia “claro risco de suborno nos casos das três traders de commodities” e instou as autoridades suíças a investigar se os intermediários pagavam ou prometiam subornos para garantir negócios para a Glencore, Vitol ou Trafigura – com ou sem o seu conhecimento.
A Procuradoria Geral da Suíça informou swissinfo.ch que abriu 100 processos criminais relacionados ao caso Petrobrás-Odebrecht e está em contato com várias autoridades de acusação, particularmente as do Brasil. A procuradoria disse que tomou conhecimento das descobertas da Public Eye, mas não estava conduzindo investigações criminais contra os traders de petróleo em conexão com este caso neste momento.
As três empresas insistem que não há evidências de práticas ilícitas e que mantêm altos padrões de diligência prévia no Brasil e em outros lugares. “A Trafigura realiza diligência prévia em todas as suas contrapartes tanto no início das negociações, quanto em uma base diária, enquanto durar a parceria”, disse a empresa.
Estar atento aos alertas
Segundo a Trafigura, parte desse processo de negociação envolve a investigação de tais entidades e seus indivíduos-chave usando um banco de dados chamado World-Check. Procedimento de triagem que levanta alertas para indicadores de alto risco vinculados a essas entidades ou indivíduos, incluindo Pessoas Politicamente Expostas (Politicaly Exposed Persons/PEPs). Nesses casos, a equipe de conformidade entra em cena e outras verificações podem ser aplicadas.
Quando questionada a respeito de seus métodos de diligência prévia, a Vitol explicou que, assim como as instituições financeiras, as traders de commodity “estão sujeitas a leis rigorosas em suas negociações com PEPs, incluindo aquelas envolvidas com suborno e lavagem de dinheiro”. De fato, a Política Global Anticorrupção da Glencore começa com a seguinte frase: “Suborno é crime”.
Os traders internacionais devem aderir a Lei Americana Anti-Corrupção no Exterior (FCPA), de 1977, ou a Lei contra Suborno (UK Bribery Act), de 2010. A gravidade dos riscos de corrupção para a indústria de comércio de commodities em países mais frágeis é clara para a Suíça, onde esse comércio representa 4% do PIB.
“A concessão de contratos públicos, de licenças, o pagamento de royalties, a criação de monopólios e a determinação de políticas alfandegárias são todos procedimentos que particularmente tendem a atrair a incitação ao suborno”, observou o governo suíço em seu relatório de 2013 sobre commodities. Os ativistas anticorrupção pedem regulamentações específicas para o setor, que deve reconhecer e enfrentar esses desafios.
O papel dos intermediários
A Public Eye observou que uma estratégia comum dos traders de commodities, para ganhar participação no mercado em países onde a lei é menos fiscalizada, envolve a terceirização do risco através do pagamento de intermediários. Depois que acordos anticorrupção forem assinados o intermediário é livre para pagar a totalidade ou parte de sua comissão a funcionários públicos em troca do contrato desejado.
No caso do Brasil, a organização descreve como as empresas envolveram intermediários, supostamente envolvidos em esquemas de suborno que valem milhões. “Quase todas as investigações e processos de corrupção envolvendo empresas que pagam subornos envolvem um intermediário”, observou Aiolfi. “As empresas ainda parecem acreditar que podem de alguma forma se esquivar terceirizando o risco, quando as leis claramente afirmam que isso não é possível”.
Principais conclusões conforme o relatório “Friends in Low Places”:
· O agente da Vitol para negócios com petróleo no Brasil foi um ator importante em uma rede de esquemas de suborno, com a colaboração de membros da Petrobras, como mostrado em documentos judiciais. A Vitol fez pagamentos a ele por meio de uma empresa offshore que esteve no centro dos planos desse esquema.
· A Glencore fechou um acordo com outro intermediário que fizera parte dessa mesmo esquema. A empresa admitiu ter feito um acordo com o intermediário sobre a compra de uma carga de óleo combustível da Petrobrás.
· Uma subsidiária da Glencore pagou pelo menos 2,1 milhões de dólares a uma equipe composta por pai e filho de supostos operadores de suborno. A Glencore diz que contratou corretores legítimos e nega a impropriedade. Mas um relatório financeiro preparado para um diretor da Petrobras lista milhares de dólares destinados a um pagamento de suborno do negócio “Glencore Trading”, supostamente pago pelos operadores.
· A Trafigura é alvo de uma investigação policial no Brasil, disse a Petrobras a Global Witness. A Trafigura e a Polícia Federal (PF) se recusaram a comentar sobre o caso.
· De acordo com documentos judiciais, duas figuras centrais da Lava Jato – incluindo o “Decano das Propinas” do Brasil – trocaram mensagens sobre como distribuir propina de uma proposta de contrato de petróleo de 2 bilhões de dólares da Trafigura. A Trafigura admite a proposta de acordo com a Petrobrás, mas disse que não “reteve” o Decano, agora cumprindo uma sentença de 13 anos por suborno.
As leis anticorrupção na Suíça e no Brasil criminalizam o pagamento direto e indireto de propina a funcionários do governo. Isso coloca o ônus sobre as empresas para garantir que os terceiros contratados, para promover seus interesses, não se envolvam em suborno – um problema desenfreado no Brasil e em muitos países ricos em recursos primários. Para ficar do lado da lei e dos regulamentos de conformidade, o envolvimento de um intermediário exige um motivo comercial bem documentado.
O advogado suíço Roger Müller, de Zurique, tem sete clientes brasileiros, a maioria traders envolvidos na investigação da Lava Jato. Os traders de commodities, explicou ele, não são legalmente responsáveis pelo comportamento de terceiros, desde que assegurem a diligência prévia, identificando claramente o agente e documentando uma razão legal para cada pagamento.
“Você tem que estar atento aos alertas que indicam risco de corrupção ou lavagem de dinheiro”, disse ele. “Esses alertas podem ser a indicação de um intermediário, de um proxy, de um lobista, alguém que você não sabe exatamente o que está fazendo, ou o uso de empresas offshore”.
Consultor sênior do Centro Anticorrupção U4 (U4 Anti-Corruption Centre), Aled Williams observou que a tendência de misturar negócios com política quando se trata de setores de importância estratégica para a economia, como o petróleo, não se limita ao mundo em desenvolvimento.
“É uma questão de níveis”, disse ele ao swissinfo.ch. “O caso da Lava Jato mostra que você precisa das conexões políticas. Isso é bem claro. Mas não é como se fosse uma questão apenas para países como a República Democrática do Congo ou o Brasil. Esta é uma questão também se você estiver fazendo um grande investimento nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).”
Diretrizes e melhores práticas
Ciente de que as transações comerciais internacionais são um terreno fértil para a oferta e aceitação de subornos, a OCDE recomenda que as empresas adotem mecanismos sólidos de controle interno, medidas adequadas de ética e conformidade e garantam a diligência prévia ao contratar terceiros. A Secretaria de Estado de Assuntos Econômicos da Suíça (SECO) oferece um guia sobre a prevenção da corrupção para empresas suíças que operam no exterior.
Na quinta-feira, o Conselho Federal Suíço divulgou um guia de melhores práticas para o setor, resultado de uma consulta pública com ONGs, setor privado e as autoridades cantonais de Genebra, com base nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. Na sexta-feira, divulgou um novo relatório descrevendo áreas de progresso e desafios contínuos no setor estratégico.
Especialistas reconhecem que o segmento de commodities é particularmente vulnerável à corrupção, mas há um debate sobre se a solução está na criação de mais leis e regulamentos ou em uma aplicação mais rigorosa da legislação existente.
A Public Eye acredita que o governo suíço se esquiva de regulamentar o setor de comércio de commodities para garantir a atratividade da Suíça como lugar de negócios. A OCDE questiona o baixo número de processos judiciais em um hub de mercadorias tão importante. Já os comerciantes argumentam que a regulamentação do setor financeiro os mantêm na linha. Muller, o advogado, acredita que leis existentes, como a lei contra lavagem de dinheiro (Anti-Money Laundering Act/AML), são “suficientes” e se opõe a transformar “empresas privadas em uma polícia de negócios – que não é dever do setor privado”.
Williams observou que essa não é uma questão fácil para as empresas de commodities envolvidas, que operam em ambientes muito difíceis e com uma governança política e econômica desafiadora.
“Diligência prévia significa coisas diferentes para pessoas diferentes, infelizmente, e há um senso de uma cultura de conformidade corporativa que tenta se safar com os mínimos padrões possíveis, em um sentido legalmente estrito”, disse ele. “O importante é saber que os atores com os quais você está fazendo negócios ao longo de toda a cadeia de valor estão limpos e que todas as commodities que você está comprando são, sim, obtidas legalmente, mas também de forma ética e sustentável.”
Ele acrescentou: “O simples fato de operar em alguns países significa que um negócio poderá ser pressionado a envolver-se em corrupção ou outros atos ilegais ou antiéticos, então as empresas precisam de apoio de suas jurisdições para superar esses desafios, mesmo que severas punições sejam aplicadas às transgressões”.
PESSOAS POLITICAMENTE EXPOSTAS (PPEs)
Pessoas Politicamente Expostas são indivíduos que têm ou ocupam uma função pública proeminente, como chefes de estado ou governo, políticos, altos funcionários do governo, oficiais judiciais ou militares, executivos de empresas estatais ou importantes autoridades de partidos políticos. O termo geralmente inclui seus parentes e associados. Bancos e outras instituições financeiras devem tratá-los como clientes de alto risco, aplicando uma diligência prévia refinada tanto no início das relações quanto em uma base contínua, inclusive no final dos acordos, para garantir que o dinheiro em sua conta bancária não seja produto de crime ou corrupção.
Os bancos devem submeter as Pessoas Politicamente Expostas a verificações robustas e efetivas de diligência previa, para garantir a legitimidade de sua fonte de riqueza.
Fonte: Transparência Internacional
Adaptação: Tom Belmonte
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