Mundo entra em terreno perigoso se não cumprir metas climáticas
A sombra de um fracasso coletivo no esforço para reduzir as emissões de gases de efeito estufa paira sobre as negociações climáticas no Brasil, após a ONU declarar que o aquecimento global ultrapassará o limite acordado de +1,5°C.
As tensões geopolíticas, a incerteza econômica e a política antiecológica do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desviaram a atenção política da luta para reduzir as emissões que causam o aquecimento global.
Mesmo antes da abertura da conferência sobre o clima (COP) em Belém do Pará, o secretário-geral da ONU, António Guterres, explicou que o limite de +1,5°C em relação à era pré-industrial será inevitavelmente ultrapassado durante este século.
“O caminho para um futuro viável está cada dia mais difícil. Mas não há razão para desistir”, disse ele na terça-feira em uma mensagem de vídeo.
Os cientistas insistem no perigo que representa cada décimo de grau de aquecimento acima de +1,5°C, que acarretará efeitos imprevisíveis para os ecossistemas e a vida humana, entre ondas de calor, secas, incêndios, inundações, tempestades, aumento do nível do mar, danos à biodiversidade, etc.
O diretor do Instituto de Pesquisa Climática de Potsdam (PIK), Johan Rockström, estima que talvez sejam necessários entre 50 e 70 anos de esforços drásticos antes de ser possível voltar a ficar abaixo desse limite de +1,5°C.
“Isso significa que, com uma probabilidade de 100%, enfrentaremos uma época muito difícil antes que, potencialmente, as coisas melhorem”, explicou à AFP.
O Acordo de Paris foi assinado em 2015 com o objetivo de limitar o aquecimento “bem abaixo” de 2°C, ou até mesmo de 1,5°C, se possível.
– “Modo desastre” –
Embora ultrapassar o limite – ou seja, que a temperatura supere a marca de +1,5°C antes de voltar a baixar – não seja um conceito novo na ciência, muitas figuras destacadas do campo climático mostraram-se desconfortáveis em falar sobre isso.
“Não queria dar a impressão de que não há problema se ultrapassarmos o limite”, declarou este ano à AFP Patricia Espinosa, ex-diretora da ONU Clima. “Queria manter-me muito, muito firme”.
Para que essa fase seja o mais breve possível, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indica que, idealmente, as emissões de gases de efeito estufa deveriam ter atingido seu pico em 2020 e depois ter diminuído aproximadamente pela metade até 2030. Estamos na metade da década e elas ainda não começaram a diminuir.
Portanto, a mensagem está mudando.
“A primeira coisa que devemos dizer com sinceridade à humanidade, mas também a todos os líderes políticos que se reúnem em Belém, é que devemos reconhecer nosso fracasso”, segundo Rockström, que faz parte da equipe de assessores do secretário-geral da ONU.
“Não há evidências que demonstrem que podemos nos adaptar a nada acima de +2°C”, acrescentou. Quanto a +3°C, seria “modo desastre” para bilhões de habitantes do planeta, alertou.
As energias renováveis e a proteção das florestas e dos oceanos, indispensáveis para a absorção de carbono, são prioridades. Uma vez alcançado o objetivo de emissões líquidas zero em 2050, será necessário também pensar nos meios para capturar o CO2 da atmosfera, que ainda não são bem dominados.
“O panorama geral sugere que haverá cada vez mais dificuldades se dependermos do sistema terrestre para absorver o carbono”, comentou Bill Hare, especialista da Climate Analytics. “Agora nos encontramos em uma zona muito perigosa”.
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