Como os impostos alfandegários dos EUA afetam a economia suíça?
No dia 1º de agosto, o presidente dos EUA anunciou uma tarifa alfandegária recorde de 39% para a Suíça. Os efeitos estão se tornando gradualmente visíveis.
Apenas cinco países do mundo estão sujeitos a tarifas alfandegárias mais elevadas sobre suas exportações para os Estados Unidos que a Suíça. Entre todas as nações industrializadas e todas as europeias, a Suíça é o país que sofre com tarifas alfandegárias mais altas ao exportar para os EUA. Ao mesmo tempo, os EUA têm uma das maiores participações no comércio exterior suíço. Ou seja, as tarifas alfandegárias foram uma péssima notícia para alguns setores suíços. Mas o que aconteceu desde 1º de agosto?
Qual é a história pregressa?
No dia 2 de abril, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, proclamou o chamado “Liberation Day” – data que marcou a implementação de uma série de tarifas alfandegárias sobre as importações provenientes de vários países. A Suíça estava incluída nessa lista com uma tarifa de 31%, o que causou grande inquietação no país. No entanto, o governo e o empresariado suíço demonstraram otimismo quanto à possibilidade de reduzir essas tarifas em negociações. O governo acreditava que tinha conseguido: em meados do ano, falava-se de um “acordo” com tarifas de 10%.
Justamente no feriado nacional suíço, Trump anunciou, porém, uma tarifa de 39% para produtos provenientes da Suíça, deixando o país em choque.
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Quais os setores mais seriamente atingidos?
Os efeitos exatos que as tarifas alfandegárias vão desencadear ficarão evidentes em etapas. No entanto, já é possível antecipar algumas conclusões. A Secretaria de Estado para Assuntos Econômicos (Seco) estima que cerca de 10% de todas as exportações suíças para os EUA serão afetadas, visto que produtos farmacêuticos e ouro estão isentos dessas tarifas. Esses dois setores são os que mais contribuem para o déficit comercial dos EUA com a Suíça no valor de quase 39 bilhões de francos suíços. Ou seja, presume-se que Trump tenha usado o déficit comercial externo como referência para definir o valor das tarifas alfandegárias.
Prevê-se que o setor relojoeiro e a indústria suíça de tecnologia (que inclui a indústria mecânica, elétrica e metalúrgica) sejam os que mais têm a temer com a imposição das tarifas alfandegárias. Instrumentos de precisão, relógios, joias e aparelhos são, ao lado dos produtos farmacêuticos, os principais produtos suíços exportados para os EUA.
As regiões suíças são afetadas de formas muito distintas pelas tarifas alfandegárias. Em alguns cantões da Suíça Ocidental, quase 30% dos empregos estão ligados à indústria de tecnologia e relojoaria. Outros cantões têm, por sua vez, uma participação especialmente alta nas exportações para os EUA. Como muitas empresas esperavam as taxas alfandegárias, elas exportaram estoques para os EUA antes do anúncio das tarifas – portanto, ainda é muito cedo para se ter uma visão precisa do todo.
A isso soma-se o relativo enfraquecimento do dólar americano em relação ao franco suíço, representando um encargo adicional para os exportadores, pois seus produtos ficam mais caros.
O que isso significa para a economia suíça como um todo?
O crescimento do PIB na Suíça caiu para 0,1% no segundo trimestre deste ano; no mesmo período do ano anterior, foi de 0,7%. Esta evolução já era prevista há muito: esperava-se que a segunda administração Trump teria uma conduta ainda mais agressiva do ponto de vista da política comercial. A conjuntura econômica desfavorável tem influência, mas, segundo a Secretaria de Estado para Assuntos Econômicos (Seco), é principalmente a incerteza que pesa sobre o crescimento.
De qualquer forma, segundo a Seco, não há previsão de recessão grave no país. E, apesar de tudo, o mercado estadunidense não é o mercado consumidor mais importante para a economia suíça.
No entanto, haverá certamente uma queda financeira. EstimativasLink externo apontam para uma retração de 9,5 bilhões de dólares em receitas e quatro bilhões de dólares em lucros para as empresas suíças. Isso afetará principalmente fabricantes de produtos de alta qualidade, que deverão enfrentar uma queda de um quarto nas suas exportações para os EUA. Uma primeira estimativaLink externo do Centro de Pesquisa sobre Conjuntura (KOFO) da Escola Politécnica Federal (ETH) de Zurique previu uma queda do PIB de até 0,6% ao ano. Ou ainda mais, caso os produtos farmacêuticos também sejam sujeitos a tarifas.
No momento, o desemprego na Suíça gira em torno de 2,7%. Essa é uma taxa relativamente baixa em comparação com os últimos 20 anos no país. As previsões da Seco apontam para um crescimento desta taxa, embora moderado: espera-se um desemprego entre 3% e no máximo 3,5% para 2026. A Economiesuisse, confederação das empresas suíças, falaLink externo de 100 mil trabalhadores diretamente afetados pelas tarifas alfandegárias. Isso sem contabilizar fornecedores e prestadores de serviços, que podem ser indiretamente afetados. Por isso, o governo pretende ampliarLink externo a implementação de jornadas de trabalho mais reduzidas, que se mostrou eficaz durante a pandemia.
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Trump impõe tarifa de 31% sobre produtos suíços
O Conselho Federal (n.r: corpo de sete ministros que formam o Poder Executivo na Suíça) deixou rapidamente claro que vai se empenhar em prol de uma redução das tarifas alfandegárias. Entre outras medidas, o órgão pretende apresentar ao presidente dos EUA uma “oferta aprimorada”. Por motivos táticos relacionados às negociações, o conteúdo dessa oferta é mantido em sigilo. A Suíça já excluiu a possibilidade de aplicar tarifas alfandegárias aos EUA como medida de retaliação.
Em comparação com a UE, por exemplo, a Suíça tem pouco a oferecer aos EUA. Embora tenha um PIB muito alto e uma população com poder aquisitivo robusto, vivem no país apenas 9 milhões de pessoas. Para as indústrias exportadoras dos EUA, esse não é um mercado especialmente atraente.
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O que significa para os EUA?
A Suíça é o sexto maior investidor estrangeiro nos EUA e, ao contrário de outros países, investe em todos os estados da federação, como registra a Seco. Além disso, os investidores suíços atuam em setores que empregam trabalhadores estadunidenses com salários elevados. Se as perspectivas para os investidores se tornarem sombrias e eles retirarem seus investimentos, isso também afetaria a economia dos EUA em determinados setores.
Em médio prazo, é de se esperar um afastamento parcial da Suíça do mercado estadunidense. O objetivo da Seco é diversificar as exportações suíças em mais mercados através de acordos comerciais. Esse já era há muito um pilar central da política econômica externa do país. Agora, ele ganha ainda mais importância.
O que vai acontecer agora com a indústria farmacêutica e do ouro?
Tema de grandes debates são os dois setores que permanecem isentos de tarifas. Para Trump, eles são fundamentais em termos de política econômica: durante a campanha eleitoral, o atual presidente prometeu reduzir os preços dos medicamentos, o que pretende fazer através da pressão contínua exercida sobre as empresas suíças. Além disso, consta que o presidente tem uma afinidade pessoal com o ouro, o que às vezes é usado como explicação para a isenção de tarifas sobre esse produto.
Os produtos das gigantes farmacêuticas suíças – que contribuem significativamente para a geração de valor agregado do país – não estão sujeitos a tarifas alfandegárias. As empresas do setor estão, contudo, sob grande pressão para deslocar sua produção para os Estados Unidos. Embora os preços dos medicamentos sejam estipulados em grande parte nos Estados Unidos, a intenção é influenciá-los indiretamente e, ao mesmo tempo, gerar novos postos de trabalho in loco.
No caso do ouro, a situação é diferente. A Suíça é sede de grandes refinarias desse metal precioso, o que explica sua forte presença nas estatísticas de importação e exportação do país – embora o setor tenha pouca relevância econômica em nível nacional. Entre a classe política suíça, cenários distintos vão sendo discutidos abertamente, entre outros com maneiras de desviar as exportações que iriam originalmente para os EUA, redireciondo-as para que não aumentem ainda mais o déficit comercial suíço.
Edição: Benjamin von Wyl
Adaptação: Soraia Vilela
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