
Brasil assume liderança para fechar acordo EFTA-Mercosul

O Brasil assumiu a responsabilidade de concluir até o fim de 2025 a assinatura do acordo de livre comércio entre a EFTA e o Mercosul. A medida, considerada assimétrica por especialistas, impõe cotas a produtos agrícolas sul-americanos e prevê redução gradual de tarifas sobre bens industriais europeus.
Em destaque:
- Em 2 de julho de 2025, foram concluídas as negociações sobre o acordo entre a EFTA (Suíça, Noruega, Islândia, Liechtenstein) e os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai).
- Cerca de 95% das exportações suíças para os países do Mercosul devem ser totalmente isentas de tarifas dentro de 15 anos.
- A Suíça concederá aos países do Mercosul 25 cotas bilaterais para produtos agrícolas sensíveis – como carne – com um limite inferior a 2% do consumo total suíço.
- O texto do contrato está atualmente sendo analisado juridicamente, e deverá ser publicado no outono.
A política econômica disruptiva de Donald Trump fortalece os laços fora dos EUA: um novo exemplo disso é o tratado de livre comércio negociado entre a EFTA e os países do Mercosul.
O acordo ganhou nova urgência diante das tarifas impostas pelo presidente dos EUA, afirma Luciana Ghiotto, professora adjunta de Economia e Política Internacional na Universidad Nacional de San Martín, em Buenos Aires.
“Mas isso não traz necessariamente vantagens para os países do Mercosul. Eles estão sendo reposicionados no contexto da competição geopolítica ocidental, apenas como uma alternativa à China.”
E as assimetrias existentes entre a economia sul-americana e a europeia seriam reproduzidas, afirma Ghiotto.
Enquanto os países do Mercosul exportam produtos agrícolas, os países da EFTA exportam produtos de média e alta tecnologia dos setores farmacêuticoLink externo e tecnológico.
EFTA se protege com cotas
Ghiotto alerta que os países do Mercosul provavelmente enfrentarão impactos muito maiores do que os países da EFTA.
Isso porque as tarifas de importação no bloco sul-americano atualmente variam entre 8% e 12% em média, enquanto a EFTA cobra, em média, de 3% a 5%.
Além disso: a EFTA não abolirá simplesmente as tarifas sobre produtos agrícolas nos quais a América do Sul tem fortes vantagens competitivas. Em vez disso, haverá cotas de importação para carne, café, etanol ou vinho tinto, com um limite de 2% do consumo doméstico na Suíça.
Em contrapartida, os países do Mercosul eliminarão, dentro de 15 anos, suas altas tarifas sobre produtos industriais oriundos da EFTA: medicamentos (até 14%), máquinas (14–20%) e produtos químicos (até 18%). Isso consta em um documento público da EFTA.
Brasil assume a liderança
As negociações do lado do Mercosul foram conduzidas recentemente pela Argentina, que detinha a presidência rotativa semestral.
Agora é a vez do Brasil, que ficará encarregado de organizar a assinatura do acordo na segunda metade do ano.
O presidente argentino Javier Milei chegou a ameaçar sair do bloco caso a eliminação das barreiras comerciais falhasse. Ele declarou: “Seguiremos o caminho da liberdade – acompanhados ou sozinhos.”
Leia abaixo o artigo sobre as relações entre a Suíça e o Mercosul

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Europa e Suíça buscam proximidade com os países do Mercosul
No entanto, as chances de assinatura do acordo são boas. Essa é a opinião de Aldo Centurión López, pesquisador do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia (CADEP).
Ele lembra que Luiz Inácio Lula da Silva expressou sua expectativa de que o acordo fosse concluído antes de 2026. O presidente brasileiro também foi o maior defensor da integração sul-americana e apoiou, em 2024, a adesão plena da Bolívia ao Mercosul.
A Bolívia não participou das negociações iniciadas em 2017 sobre o tratado de livre comércio com a EFTA. O país tem agora até 2028 para adaptar sua legislação — especialmente o sistema tarifário — ao dos países do Mercosul e, assim, concluir seu processo de adesão.
Peça do quebra-cabeça no combate à corrupção
López compartilha a visão de que se trata de um acordo assimétrico. Ainda assim, ele está convencido de que trará muitos benefícios para a América do Sul.
“Os atores reconhecem a importância do processo de integração e do multilateralismo. Isso pode se refletir em uma maior participação não apenas das potências econômicas e dos trabalhadores, mas também de uma cidadania mais ativa – com a construção de instituições sólidas.”
López vê nisso um possível instrumento de combate à corrupção. A Suíça, onde a população pode avaliar prós e contras e decidir sobre o acordo via referendo, é um bom exemplo de uma cidadania bem-informada.
Acordo gera polarização
Mesmo assim, o tratado de livre comércio gera polarização, e nem sempre os argumentos são baseados em fatos.
“Lógica e política nem sempre caminham juntas”, diz Cédric Dupont, professor de Relações Internacionais no Geneva Graduate Institute.
“Há argumentos extremamente exagerados sobre possíveis impactos negativos. No entanto, os efeitos de um acordo como este entre a EFTA e o Mercosul são, em geral, limitados.” A regulamentação nacional é mais relevante. “O que o presidente Milei faz tem muito mais impacto sobre a pobreza na Argentina do que qualquer acordo comercial.”
Leia mais no artigo sobre os acordos de livre comércio e a Suíça:

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Quem se beneficia dos acordos de livre comércio com a Suíça?
Do ponto de vista da EFTA, o acordo com a América do Sul não difere essencialmente de outros tratados de livre comércio negociados recentemente, como os com a Indonésia, Filipinas ou Tailândia.
Dupont também não espera grandes mudanças nos fluxos comerciais entre a EFTA e o Mercosul.
Nova confiança
Do ponto de vista dos países do Mercosul, no entanto, o tratado tem – além de seus efeitos jurídicos e práticos – também um valor simbólico. Segundo o especialista argentino Lautaro M. Ramirez, a exportação de bens para a EFTA é benéfica para a reputação das empresas do Mercosul, como declarouLink externo à Aduananews.
O cientista político uruguaio Nicolás Albertoni resume da seguinte forma em uma análise publicadaLink externo no Diálogo Político: “O acordo não resolverá todos os desafios enfrentados pelo comércio exterior do Mercosul. Mas representa um instrumento para promover crescimento, investimentos e emprego. Além disso, fortalece a disposição do bloco em desempenhar um papel ativo no cenário internacional.”
Edição: Marc Leutenegger
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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