Indústria farmacêutica da Suíça em xeque nas negociações com os EUA
Importante motor da economia suíça, a indústria farmacêutica é, em função de sua força, também um ponto vulnerável nas negociações comerciais entre o país e os Estados Unidos.
O anúncio do presidente Trump, na última semana, de aplicação de uma tarifa de 39% sobre produtos suíços, alarmou líderes empresariais e levou políticos a sairem correndo rumo a Washington. A tarifa é mais do que o dobro da negociada com a União Europeia (UE) e está entre as mais altas do mundo.
Um único setor respirou aliviado: a indústria farmacêutica, que ficou isenta.
Entretanto, não demorou muito para que dedos em riste se voltassem para ela. “A Suíça está sendo refém da indústria farmacêutica”, afirmou no dia 2 de agosto Georges Korn, diretor-executivo da relojoaria suíça Breitling, ao jornal suíço Neue Zürcher Zeitung. “Isso afeta todas as indústrias voltadas para a exportação, exceto uma: cinicamente, a indústria farmacêutica, responsável pela situação, está por enquanto isenta das altas tarifas”, pontuou Korn.
Trump ameaçou aplicar tarifas superiores a 200% sobre produtos farmacêuticos, mas, além de uma tarifa de 15% sobre medicamentos da UE, não levou adiante a medida, temendo disparada dos preços.
A frustração de Korn é compreensível. Mesmo que as tarifas, que entraram em vigor em 7 de agosto, sejam reduzidas em negociações, a indústria relojoeira poderá sofrer. Os relógios suíços precisam ser 60% fabricados no país para serem rotulados como “Swiss made”, o que dificulta a transferência da produção para evitar tarifas.
Os produtos farmacêuticos constituem 50% a 60% das exportações suíças para os EUA e contribuem significativamente para o déficit comercial de 40 bilhões de dólares (49,6 bilhões de francos suíços) citado por Trump. Em entrevista à CNBCLink externo, Trump rejeitou o pedido da presidente suíça, Karin Keller-Sutter, por uma redução nas tarifas, argumentando que o país ganha “uma fortuna com produtos farmacêuticos”.
Alguns especialistas sugerem que as tarifas têm como objetivo incitar a Suíça a pressionar a indústria farmacêutica a reduzir os preços dos medicamentos.
No mesmo dia em que anunciou a tarifa suíça, Trump enviou cartas a 17 grandes empresas farmacêuticas – incluindo a gigante suíça Novartis e a Genentech, subsidiária da Roche nos EUA – exigindo medidas imediatas para reduzir os preços de medicamentos nos EUA.
“Trump usa as tarifas como uma espécie de instrumento de chantagem”, afirmou à Swissinfo Cecilia Malmström, ex-comissária europeia para o comércio durante o primeiro mandato de Trump e atualmente pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, com sede em Washington. “É uma forma de punir um comportamento do qual ele não gosta”, completa. No caso da Suíça, o ponto de discórdia são os altos preços dos medicamentos.
O superávit da balança comercial da Suíça em relação aos EUA foi inflado pelas importações de ouro. Após a eleição de Trump, em novembro de 2024, os comerciantes estadunidenses acumularam ouro, temendo tarifas. A Suíça, importante centro de comércio do ouro, viu um aumento nas exportações. Sem o ouro, esse superávit de 48 bilhões de francos suíços seria de 25 bilhões de francos suíços.
O poder da indústria farmacêutica
Segundo Johannes von Mandach, diretor de pesquisa econômica da empresa de consultoria Wellershof & Partners, de Zurique, a ideia de que a economia suíça está sendo refém da indústria farmacêutica é enganosa e economicamente insustentável.
“O comércio internacional não é um jogo de soma zero”, afirma Johannes von Mandach. “Quando um país como a Suíça se especializa em um determinado produto ou serviço, isso não é uma vantagem injusta, mas o resultado desejável de uma economia internacional baseada na divisão do trabalho”, opina.
Malmström concorda. Segundo ela, é falha a alegação dos EUA de estarem em desvantagem. “Você não pode simplificar as coisas em prós e contras”, observa. “O comércio não precisa estar necessariamente em equilíbrio se for feito em pé de igualdade”, completa.
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Por 30 anos, a indústria farmacêutica prosperou na Suíça graças aos baixos impostos, à mão de obra qualificada e à localização no centro da Europa.
A indústria farmacêutica é “um dos poucos motores de crescimento remanescentes da economia suíça atualmente”, afirma Von Mandach. “Sem ela, o crescimento do PIB per capita nos últimos anos teria sido insignificante”, alerta. Enquanto isso, o crescimento em setores como o bancário e o manufatureiro estagnou devido aos altos custos e à regulação, completa o especialista.
A indústria farmacêutica gera cerca de 7% do PIB suíço e emprega 50 mil pessoas. O país é sede da Roche e da Novartis, duas das maiores empresas farmacêuticas do mundo. Outras, incluindo a AbbVie, com sede nos Estados Unidos, também operam na Suíça. Os pacientes estadunidenses também se beneficiam com muitos medicamentos originários de laboratórios suíços que salvam vidas.
Os preços dos medicamentos são, contudo, muito mais elevados nos EUA. De acordo com um estudo da Rand Corporation, quem vive nos EUA acaba pagando pelo menos duas vezes e meia mais pelos medicamentos obtidos através de prescrição médica do que os europeus, sobretudo porque a Europa regula os preços.
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Com um mercado interno pequeno, a indústria farmacêutica suíça depende muito dos Estados Unidos. Essa dependência é agora uma moeda de troca para Trump. “Ele quer fazer da Suíça um exemplo”, comentaLink externo o economista Domagoj Arapovic, do banco Raiffeisen, ao diário suíço Tages-Anzeiger.
Uma pressão semelhante poderia ser exercida sobre a Europa, mas as características do mercado europeu – muito maior e mais diversificado – conferem vantagens a ele.
O dilema da Suíça
O governo suíço enfrenta agora um dilema: ávido por uma redução das alíquotas tarifárias, ele carece, porém, de margem de manobra, já que, em janeiro de 2024, eliminou os impostos que incidiam sobre os produtos industriais estadunidenses; 99% das importações de produtos dos EUA entram agora isentas de impostos na Suíça.
“É difícil fazer mais concessões aos EUA”, observa Von Mandach. “O comércio com os EUA já está amplamente liberalizado, e a Suíça é um dos principais investidores nos EUA”, completa.
A presidente suíça, Karin Keller-Sutter, já prometeu cerca de 150 bilhões de dólares em investimentos nos EUA, uma soma per capita mais alta do que a registrada em outros países. Tanto a Roche quanto a Novartis prometeram investimentos multibilionários nos EUA. Elas planejam produzir seus principais medicamentos para pacientes estadunidenses dentro do próprio país.
Alguns políticos na Suíça pediram ao governo que pressionasse a indústria farmacêutica. A Roche está em negociações com o governo dos EUA para eliminar intermediários e vender medicamentos diretamente aos pacientes. Mas reduzir os preços dos medicamentos nos EUA envolve muito mais do que apenas algumas empresas.
“A responsabilidade é dos legisladores nos EUA”, afirma Von Mandach. Em maio, Trump assinou uma ordem de “Most-Favored Nation (MFN)”, ou seja, “nação mais favorecida”, para vincular os preços dos medicamentos nos EUA aos dos países desenvolvidos. Trump argumenta que a população estadunidense subsidia a saúde global e exige que a Europa também aumente os preços, com o objetivo de apoiar inovações nessa área. No entanto, para que a iniciativa seja totalmente implementada, será necessária a aprovação do Congresso através de uma alteração da legislação dos EUA que implicaria em redução dos preços.
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Na cartaLink externo enviada a 17 empresas farmacêuticas, Trump reiterou sua exigência para que as empresas reduzissem os preços de acordo com a ordem MFN até 29 de setembro. Ele propôs também tarifas de até 250% sobre produtos farmacêuticos, mas não está claro como a Suíça seria afetada, já que muitos ingredientes ativos são fabricados em outros lugares. Também não está claroLink externo se a tarifa de 15% sobre produtos farmacêuticos da UE levará a preços mais altos dos medicamentos.
“Os países estão sob pressão para chegar a um acordo”, assegura Malmström. “Não se trata de um acordo tradicional, em que se negocia com o parceiro de boa fé. Trata-se de uma negociação sob ameaça”, sentencia a pesquisadora. Uma reunião de última hora, realizada em Washington no dia 6 de agosto, entre a presidente suíça e o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, não levou à redução das tarifas.
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Edição: Virginie Mangin/dos
Adaptação: Soraia Vilela
Esta matéria foi atualizada no dia 7 de agosto, a fim de refletir as últimas negociações entre a Suíça e os Estados Unidos, que acabaram não levando a uma redução das tarifas.
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