
China propõe alternativa à arbitragem ocidental com novo órgão

A China lança em Hong Kong a Organização Internacional de Mediação (IOMed), com apoio de 33 países, majoritariamente do Sul Global. A iniciativa busca oferecer alternativas voluntárias de resolução de disputas internacionais, mas levanta dúvidas entre potências ocidentais sobre sua imparcialidade e motivações geopolíticas.
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A China tem grandes planos para estabelecer o que espera ser o primeiro organismo mundial para resolver disputas internacionais por meio de mediação. A reação até agora apenas ressalta o abismo entre aliados de potências ocidentais e países que veem o crescente gigante econômico asiático como um contrapeso.
Um total de 85 nações da Ásia, África, América Latina e Europa participaram da cerimônia de lançamento da Organização Internacional para MediaçãoLink externo (OIMed) em Hong Kong, em 30 de maio, informouLink externo o Ministério das Relações Exteriores da China. Destes, pouco mais de 30 assinaram uma convenção sobre a criação da instituição. Sérvia e Bielorrússia foram, segundo informações, os únicos signatários europeus.
Alguns veem nisso oportunidades. O ministro suíço das Relações Exteriores, Ignazio Cassis, convidado pela China, disseLink externo aos delegados que seu país apoia iniciativas que ofereçam “soluções pragmáticas” dentro de uma ordem internacional estável.
Outros afirmam que o foco do novo órgão em acordos voluntários pode desobstruir disputas onde uma via legal falhou, ou representar melhor os países que não têm voz no cenário mundial. Ainda assim, permanece a questão se a China, em um momento de tensão com o Ocidente, conseguirá persuadir um número substancialmente maior de nações a aderir ao seu plano e superar as suspeitas de que está tentando suplantar os tribunais de arbitragem já estabelecidos, criados por rivais geopolíticos.
Temor de ser visto como alguém que toma partido
“Muitos Estados podem querer evitar ser vistos como alguém que toma partido”, disse Xinyu Yuan, pesquisador em governança global chinesa no Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra. “Assinar um acordo liderado pela China pode ser percebido como um alinhamento.”
O comitê permanente da legislatura nacional de Pequim aprovou a convenção em 27 de junho e indicou que não levaria as disputas da Organização Mundial do Comércio à OIMed, informou o South China Morning Post, citando a agência de notícias estatal Xinhua.
Embora a lista completaLink externo dos membros fundadores não tenha sido oficialmente divulgada, Dana Landau, co-diretora e pesquisadora sênior em mediação da fundação Swisspeace, com sede em Basileia, para redução de conflitos, afirmou que 33 países assinaram a convenção em Hong Kong.
A presença proeminente da Suíça, com seu histórico de mais de um século de mediação de disputas, como observadora, ajudou a consolidar o lançamento. Ainda assim, os signatários eram principalmente do chamado Sul GlobalLink externo, termo usado para agrupar países com renda média geralmente mais baixa, incluindo muitos com histórico de colonização por impérios europeus.

A Suíça e outros países envolvidos na resolução de disputas enfrentaram deslocamentos tectônicos, incluindo uma crescente rivalidade geopolítica, e a erosão das regras internacionais e dos órgãos que as aplicam, de acordo com Landau. “Tudo isso tornou os esforços de mediação da Suíça mais difíceis em muitos contextos”, disse.
Nos últimos anos, as ofertas da Suíça de seus bons ofícios foram desprezadas em várias ocasiões:

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Mediação para Estados e indivíduos
Pequim está promovendo a OIMed como uma ferramenta alternativa para encerrar disputas entre governos, bem como entre um Estado e indivíduos de outro Estado, como investidores estrangeiros. Ela também lidaria com disputas comerciais internacionais submetidas por consentimento mútuo.
Céticos podem ver o projeto no contexto dos esforços de Pequim para expandir sua esfera de influência e promover alternativas a uma ordem internacional de longa data construída por nações ocidentais. Esses esforços abrangem desde investimentos e empréstimos no exterior no âmbito de sua “Belt and Road Initiative”, até o envolvimento com a Rússia durante a guerra na Ucrânia e a promoção do yuan chinês como alternativa ao dólar no comércio e nas finanças internacionais.
“A OIMed sinaliza uma nova fase na estratégia diplomática da China como grande potência”, escreveu Hiroyuki Akita, comentarista do jornal japonês Nikkei e autor de livros sobre as relações EUA-Japão-China, em um parecerLink externo publicado em 15 de junho. “Se os esforços da China para construir uma ordem mundial paralela continuarem a se acelerar, a polarização global se aprofundará.”
O governoLink externo de Hong Kong, que sediará a OIMed em um comissariado de polícia da era colonial, afirmou que o órgão estará “no mesmo nível” do Tribunal Internacional de Justiça e do Tribunal Permanente de Arbitragem (TPA) em Haia.
Em 2016, Pequim rejeitou uma decisão da TPA amplamente favorável às Filipinas sobre reivindicações contestadas no Mar da China Meridional. A China não participou do tribunal, tendo declarado anteriormente que o assunto estava isento de tal processo devido a um artigoLink externo fundamental da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. O tribunal contestouLink externo sua argumentação.

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Histórico de direitos humanos é preocupante
“O histórico da China em violações de direitos humanos, no Mar da China Meridional e em outras questões, como disputas de fronteira e decisões internacionais, é aparentemente preocupante”, disse Yun Sun, membro da Brookings Institution e especialista em política externa chinesa, à swissinfo em entrevista. “Acredito que a arbitragem de 2016 seja uma das origens da OIMed. Além do litígio e da arbitragem, pode haver outra maneira: a mediação.”
Não há “nenhuma garantia de que outros países considerarão a OIMed justa, equitativa e imparcial”, escreveuLink externo ela separadamente no site do think tank sediado em Washington, em 6 de junho.
Autoridades chinesas argumentam que o órgão é um acréscimo ao arsenal de negociação mundial. A OIMed é um “suplemento útil às instituições e métodos de solução de controvérsias existentes”, afirmou Sun Jin, supervisora da criação da OIMed no Departamento de Tratados e Direito do Ministério das Relações Exteriores da China, em um artigoLink externo sobre o assunto.
China seria mais favorável a alguns
No Instituto de Altos Estudos de Genebra, Yuan disse que outras nações do Sul Global podem estar dispostas a tornarem-se membros porque acreditam que a China é mais favorável a elas e que suas vozes não estão devidamente representadas nas instituições atuais.

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O Centro Internacional para Solução de Controvérsias sobre Investimentos do Banco Mundial afirmouLink externo que, em 2022, quase dois terços dos árbitros, conciliadores e “membros de comitês ad hoc” nomeados para seus casos eram da Europa Ocidental ou da América do Norte. Essas duas regiões representaram menos da metade da produção econômica mundial naquele ano, ou cerca de um terço em paridade de poder de compra, mostram dados do Banco MundialLink externo e do Fundo Monetário InternacionalLink externo.
Seja como for, sem um apoio mais amplo em todo o mundo, o exercício de mediação da China terá dificuldades para resolver a divisão geopolítica que sua fundação colocou em evidência.
“Se a OIMed se mostrar eficaz na mediação de disputas políticas e econômicas internacionais por meio de sua localização única e base jurídica, ela será uma séria concorrente aos mecanismos internacionais de solução de controvérsias existentes”, escreveu Sun em seu artigo na Brookings. “Mas esta ainda é uma questão em aberto.”
Edição: Tony Barrett/ac
Adaptação: DvSperling

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